Como a formação docente e as políticas públicas podem transformar o ensino de matemática no Brasil
Desafios do ensino da matemática no Brasil incluem formação docente, metodologias criativas e políticas públicas. Em painel promovido pelo Instituto Sidarta esta semana, especialistas propõem soluções para transformar esse cenário
por Ruam Oliveira
21 de agosto de 2025
Ainda no período de magistério, o professor Alexsandro Santos, diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Básica da Educação Integral no MEC (Ministério da Educação), se deparou com dois livros que ficaram gravados em sua memória: “A criança e o número”, de Constance Kamii, e “Na vida dez, na escola zero”, de Ana Lúcia Schliemann. Nesses textos, ele foi apresentado à possibilidade de introduzir a matemática desde a educação infantil, incentivando crianças a pensarem matematicamente, tendo o cotidiano como pano de fundo. O ano era 1994.
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No curso frequentado por Alexsandro, além da formação em matemática, os futuros professores também tinham aulas sobre metodologias pedagógicas de ensino da matemática. Ele descreve o curso como uma experiência de formação inicial “em período integral, com bolsa para garantir a nossa permanência e com uma densidade que fugia muito ao padrão que se praticava naquele momento e até hoje não foi reeditada”.
Tornar a matemática mais próxima dos estudantes e formar professores para o ensino da disciplina são dois dos principais desafios existentes na área, apontados por diversos especialistas.
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Durante o painel “Como a matemática vai incluir o Brasil na economia digital”, promovido pelo Instituto Sidarta nesta quarta-feira (20), Alexsandro destacou que o Brasil “conhece alguns caminhos” quando se trata da formação de professores, mas tem muita dificuldade em dar escala a esses modelos bem-sucedidos.
O Brasil e o mundo enfrentam cenários complexos no ensino e na aprendizagem de matemática. Em levantamento recente, divulgado pelo Todos pela Educação e pelo portal Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), com dados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), o percentual de aprendizado adequado entre estudantes do ensino médio foi de apenas 5%.

“Uma parte das dificuldades vividas no ensino e na aprendizagem da matemática são dificuldades estruturais do sistema educacional. Não são problemas [somente] da matemática, são questões do sistema educacional como um todo, que afetam a qualidade da matemática”, disse Alexsandro.
Contudo, a formação docente na área segue sendo motivo de preocupação. Luiz Miguel, presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), afirmou que, em grande parte dos cursos de licenciatura, a formação é “fragmentada” e que “não ensina o professor a ensinar, mas replica o conteúdo que ele [o educador] teve na educação básica”. Ele critica o modelo “conteudista” adotado por essas formações.
Luiz apresentou dados que mostraram que, em 2024, apenas 66,9% dos profissionais que estão ensinando matemática nos anos finais do ensino fundamental são formados ou habilitados na área, embora tenha havido um avanço significativo em relação a 2014 (43%) e 2019 (49%).
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Para Marcelo Viana, diretor-geral do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), a formação ainda é o “ingrediente fundamental” para aperfeiçoar os resultados da matemática no país. “Não importa como a gente coloque a equação, o X dela é o professor, a sua formação e, junto com ela, [a maneira] como nós ensinamos. Certamente, estamos ensinando muito errado nas nossas escolas”, disse.
Alexsandro ressaltou que a escala do país também é um complicador para a formação continuada de professores que ensinam matemática e para replicar experiências exitosas. Atualmente, o país possui 600 mil educadores nessa modalidade.
Um novo olhar sobre a matemática
A proposta de tornar a matemática mais “visual” e menos associada a pessoas consideradas “geniais” ou com facilidade na área é o que defende a pesquisadora Jo Boaler. Visitando o Brasil para lançar seu novo livro “Matematicando” (publicado em inglês como “Math-ish”, título que remete à ideia de “aproximadamente”), a educadora é responsável pela abordagem “Mentalidades Matemáticas”, que propõe que todos podem aprender matemática, e que ela pode ser ensinada de forma criativa e contextualizada.
Presente no painel, Boaler ressaltou que ainda é um grande desafio fazer as crianças acreditarem que podem ser boas em matemática. “Por muitos anos, todos se concentraram em como ensinar, esquecendo como as crianças se sentem em relação à matemática. Seus relacionamentos e crenças mudam tudo. E, se elas não acreditam que conseguem fazer matemática, isso afetará o processamento da matemática em seus cérebros. Então, precisamos mudar as ideias das pessoas. E também precisamos mudar a forma como a matemática é comunicada na cultura”, disse Jo.
O diretor do Impa também destacou a necessidade urgente de mudar a maneira como as pessoas enxergam a matemática, algo como uma mudança de mentalidade e de cultura. “Nós temos alguns instrumentos para fazer essa mudança de atitudes que precisamos explorar cada vez mais. As olimpíadas são um exemplo disso. Nós temos a maior olimpíada de conhecimento do mundo, que atualmente envolve, todos os anos, 23 milhões de crianças e jovens no país inteiro”, afirmou.
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A OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas) está em sua 20ª edição e, de acordo com o pesquisador, envolve mais de 18 milhões de estudantes do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, de 5.566 municípios do país. “Estamos de olho nesses quatro, sim”, brincou, em referência às quatro cidades que não participam da atividade.
De olho na matemática
Com o fim da vigência do atual PNE (Plano Nacional de Educação), um novo texto está em tramitação na Câmara dos Deputados. O documento estipula 58 metas para a educação básica brasileira, que devem ser cumpridas até 2034. Análise recente feita pelo Instituto Ayrton Senna e pelo Iede mostrou que o texto atual, que visa o decênio 2024–2034, não menciona a palavra “matemática” em nenhuma das metas ou estratégias para a educação básica.
De acordo com as organizações, o único registro do termo aparece na estratégia 13.6, quando cita propostas de acesso, permanência e conclusão no ensino superior.
“Isto revela uma omissão grave em relação às etapas iniciais da educação, onde se consolida o alicerce para o sucesso acadêmico futuro em matemática e outras áreas do conhecimento”, aponta o relatório.
Patrícia Mota Guedes, superintendente do Itaú Social, avalia que esse acompanhamento não é responsabilidade exclusiva da escola, mas deve ser abraçado por toda a sociedade, inclusive se mobilizando em torno do novo PNE. “É uma grande oportunidade que está acontecendo agora, que não se esgota nas audiências públicas que já aconteceram, mas que vai se seguir pelos próximos meses. Não é só uma pauta do poder público”, afirmou.
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Ela pontuou que esse acompanhamento deve ser constante e precisa “atravessar governos”, tornando-se parte do projeto de país. Patrícia comentou que ocupações com uso intensivo de matemática são as mais resilientes economicamente, especialmente após a pandemia de covid-19. No entanto, essas ocupações, no Brasil, concentram-se em serviços administrativos e tecnologia da informação, justamente os trabalhos mais suscetíveis à substituição pela inteligência artificial, de acordo com estudo recente divulgado pela instituição. Faltam profissionais no campo da inovação, do desenvolvimento e da engenharia.
Marcelo Viana também lembrou que um olhar atento do país para a matemática pode ser benéfico em termos de desenvolvimento. “A matemática contribui com 4,6% do nosso PIB, um número significativamente menor que em países avançados”, disse. Para o educador, a matemática representa uma boa oportunidade de crescimento.





