Democracia se aprende na escola: novo programa leva cidadania para o currículo - PORVIR
Joédson Alves/Agência Brasil

Inovações em Educação

Democracia se aprende na escola: novo programa leva cidadania para o currículo

Novo programa nacional e experiências locais, como o Ser Cidadão em Sergipe, mostram como o ensino da democracia deve se tornar prática cotidiana nas escolas

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 7 de outubro de 2025

Você provavelmente já ouviu muitas vezes o termo “Estado Democrático de Direito”. Ele costuma ganhar destaque nas manchetes e nos debates públicos, especialmente em períodos de instabilidade política. Mais do que uma expressão jurídica, o conceito representa o pacto que assegura a igualdade de todos perante a lei, o respeito aos direitos humanos e às garantias fundamentais, e a participação ativa da sociedade nas decisões públicas.

Esse pacto, no entanto, vem sendo colocado à prova. Ações antidemocráticas, tentativas de desacreditar o processo eleitoral, polarização política e o avanço da desinformação revelam o quanto ainda é necessário fortalecer a confiança nas instituições e o compromisso coletivo com a democracia.

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Diante desse cenário, o Brasil dá um novo passo. O MEC (Ministério da Educação) acaba de instituir, por meio da Portaria nº 642/2025, o Programa Educação para a Cidadania e para a Sustentabilidade.

Alinhado às diretrizes da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o programa nasceu da mobilização de mais 120 instituições da sociedade civil integrantes da Rede NEC (Rede Nacional de Educação Cidadã), da qual o Porvir é signatário. A proposta levará o debate sobre ética, direitos humanos e participação social para as escolas públicas, consolidando a formação democrática como uma política permanente de Estado.

Na prática, o MEC criará uma Matriz Nacional de Saberes em Educação Cidadã, além de currículos, materiais didáticos e cursos para professores em parceria com órgãos públicos. Caberá aos estados e municípios desenvolver ações necessárias para que suas escolas tenham acesso aos documentos. A meta é alcançar 1 milhão de estudantes por ano. 

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Nova estrutura: MEC institui o Programa Educação para a Cidadania

“A educação para a cidadania chega para somar, e não para se acumular”, afirma João Tavares, advogado e diretor executivo da Rede NEC. “Ela oferece ferramentas para que o estudante entenda o papel da política e perceba que pode agir coletivamente para mudar a realidade.”

Para evitar que a educação cidadã se torne apenas mais um conteúdo escolar ou algo a ser meramente decorado, João explica que a formação, tanto para alunos quanto para professores, precisa dosar teoria e prática, ancorada em modelos existentes. Por isso o MEC firmou acordo de cooperação técnica com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) para apoiar a implementação do programa em todo o país. A parceria prevê ações conjuntas de formação, monitoramento e mobilização das redes estaduais e municipais.

“O Brasil já possui recursos didáticos de alta qualidade para a sala de aula. Existe uma rede de instituições do Estado Democrático de Direito, como Escolas do Legislativo, Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos, Tribunais de Contas, Controladorias e o Tribunal Superior Eleitoral que, desde os anos 1990, promovem experiências concretas de cidadania”, explica João. “A Rede NEC aproxima os estudantes dessas vivências, aos programas que permitem a jovens atuarem como vereadores, juízes, promotores ou conselheiros, exercendo papéis de protagonismo e tomada de decisão”, complementa.

Papel central na formação dos professores

Para que o programa se consolide, o foco está na formação e valorização dos professores. “Eles são os principais mediadores entre os valores democráticos e a prática pedagógica. Sem um professor preparado, a educação para a cidadania não se sustenta. Se escolhemos ser uma democracia, precisamos ensiná-la, e a comunidade escolar deve ser protagonista desse processo”, aponta João.

Um artigo recente, publicado no American Economic Journal (grupo de quatro periódicos científicos mais relevantes da área de economia, onde especialistas divulgam pesquisas de ponta e influenciam políticas públicas) demonstrou, a partir da análise de 320 escolas localizadas na Grécia, Espanha e França, que a educação cidadã contribuiu para uma melhora de 27% no comportamento escolar e para um aumento de 13% nas notas atribuídas pelos professores em todas as disciplinas.

“Por aqui, ainda faltam evidências científicas, mas não relatos de alunos e professores no mesmo sentido. As experiências das Controladorias, em especial, que possuem atuação intensa no estado de Goiás e no município de Belo Horizonte por meio das auditorias cidadãs, nos indicam o mesmo: quando chamado a participar e protagonizar a resolução dos problemas do ambiente escolar, o jovem se identifica com a escola, contribui para a melhoria da convivência e a atribui mais sentido ao estudo”, exemplifica João. “A educação cidadã é, por isso, uma ampliadora de horizontes muito efetiva e que ainda vai ser parte de uma estratégia educacional mais ampla do país.”

Entre as entregas do Programa Educação para a Cidadania e para a Sustentabilidade, está a criação de um repositório nacional de experiências e metodologias inspiradoras, que reunirá práticas pedagógicas, trilhas de aprendizagem e materiais de apoio. A iniciativa prevê ainda a ampliação da produção de materiais impressos já existentes, como a coleção “Constituição em Miúdos”, do Senado Federal, com autoria de Madu Macedo, que já ultrapassou 700 mil exemplares distribuídos.

Materiais do Programa Ser Cidadão, de Sergipe

Sergipe: referência nacional em educação cidadã

Em 2021, a Lei Estadual nº 8.908 tornou obrigatória a inclusão da Constituição Federal no currículo das escolas públicas de Sergipe, por meio da coleção “Constituição em Miúdos”. A iniciativa inspirou a consolidação de Sergipe como o primeiro estado brasileiro a institucionalizar a educação cidadã em sua rede pública, no programa Ser Cidadão.

Atualmente, a iniciativa envolve atualmente 79 professores e alcança mais de 20 mil estudantes de escolas estaduais, por meio de parcerias com o Tribunal de Justiça, o MPT (Ministério Público do Trabalho), o TCE (Tribunal de Contas), o TRE (Tribunal Regional) e a Universidade Federal de Sergipe.

A experiência foi destaque do Encontro Nacional de Educação Cidadã 2025, promovido pela Rede NEC, nos dias 3 e 4 de outubro, em São Paulo. O encontro reuniu mais de 200 participantes e uma caravana de educadores e estudantes sergipanos que compartilharam o modelo adotado.

“O que diferencia Sergipe é a aposta nas vivências práticas”, garante Isabela Mazza, idealizadora da Rede Estadual de Educação Cidadã de Sergipe e secretária executiva da Secretaria da Mulher. “Educação cidadã vai muito além da teoria. Não adianta só dizer ao aluno o que é Constituição Federal ou o que é lei. A gente precisa mostrar que isso é real e que ele pode fazer parte.”

Prática premiada
O Centro de Excelência Atheneu Sergipense, em Aracaju (SE), foi a primeira escola a receber o projeto Ser Cidadão e, em 2024, venceu o Fake Tô Fora, prêmio idealizado pelo Instituto Palavra Aberta em parceria com a Embaixada e o Consulado dos Estados Unidos no Brasil, além do apoio do Porvir. 

Entre as ações de destaque está o Observatório Juvenil de Mídia, coordenado pelo professor de Sociologia Ronney Marcos em parceria com o educador Yuri Alberto, que promove debates com candidatos dentro da escola e checagens de fatos ao vivo. A iniciativa também mantém um Observatório de Notícias protagonizado pelos estudantes para identificar e enfrentar a desinformação. “Isso é educação para a cidadania, que prepara os estudantes para viverem em uma democracia contemporânea e suas questões”, elogia João Tavares. 

No Projeto Ser Cidadão, estudantes visitam tribunais, assembleias, órgãos de controle e universidades, conhecendo de perto como funcionam os poderes e as instituições ligadas à democracia. 

Cada instituição contribui com uma frente de aprendizagem: no TCE, os alunos assistem a sessões do plenário para entender como funciona a prestação de contas públicas; no TRE, vivenciam o processo eleitoral; na Câmara e na Assembleia Legislativa, assumem papéis de jovens vereadores e deputados.

Divulgação Público do Encontro Nacional de Educação Cidadã no Teatro Cultura Artística, em São Paulo

O tamanho reduzido de Sergipe, com apenas 75 municípios, também facilita essa articulação, tanto que o Ser Cidadão está presente em todas as cidades. “Costumamos brincar que somos um pequeno gigante”, comenta Isabela, referindo-se à capacidade do estado de mobilizar tantas instituições em torno de um mesmo propósito.

“Os alunos entendem a importância de estudar, de cuidar do material da escola, de participar. Eles percebem que são agentes de transformação”, afirma. Ela relembra o relato de um aluno após visitar o Tribunal de Justiça: “Esse lugar é tão grande! Eu nunca imaginei que existisse um lugar desse. Agora eu sei o que preciso estudar para chegar aqui.”

Essas experiências, segundo Isabela, “viram a chave” na cabeça dos jovens. “Se quisermos realmente modificar a vida desses estudantes, se queremos um futuro mais justo e igualitário, precisamos estar juntos, em rede, trabalhando pela transformação”, conclui.

* Com informações da DW


Marcos legais da educação cidadã: Constituição, LDB e BNCC

  • A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 205, que a educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao preparo para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho, colocando a formação cidadã entre os três objetivos centrais da educação nacional.
  • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei nº 9.394/1996) reafirma essa finalidade ao definir, em seu artigo 2º, que a educação deve promover o desenvolvimento do aluno, seu preparo para a cidadania e sua inserção social e profissional. Em dispositivos posteriores, a lei destaca que a educação básica deve assegurar a compreensão do sistema político, dos valores sociais e da diversidade cultural.
  • Nos anos 1990, os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) trouxeram temas transversais ligados à ética, à pluralidade cultural e à participação social.
  • A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), homologada entre 2017 e 2018, consolidou essa trajetória. Entre as dez competências gerais previstas, destaca-se a de “Responsabilidade e Cidadania”, que orienta o estudante a agir de forma ética, democrática, inclusiva e sustentável. A BNCC também propõe temas contemporâneos transversais, como direitos humanos, cultura de paz, educação ambiental e educação midiática, todos diretamente relacionados à formação cidadã.

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educação para a cidadania, ensino fundamental, ensino médio

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