Luz, câmera, aprendizagem: quando o cinema inspira aulas de inglês
Com criatividade e trabalho em equipe, estudantes de MG escrevem, gravam e protagonizam filmes em inglês, desenvolvendo competências linguísticas, artísticas e socioemocionais
por Antonio Marcio Rennó Matos
31 de outubro de 2025
Sempre fui apaixonado por cinema. A magia das histórias contadas na tela grande, as emoções que um bom filme desperta e a capacidade que o audiovisual tem de conectar pessoas sempre me fascinaram. Foi dessa paixão que nasceu o projeto “And the Oscar goes to…”, uma forma de transformar essa arte em uma ferramenta pedagógica potente para o ensino de inglês com minhas turmas do 2º ano do ensino médio do Colégio XIX de Março, em Itajubá (MG).
Ao longo de mais de 40 anos em sala de aula, entendo que o aprendizado ganha vida quando os estudantes se veem como protagonistas. E nada melhor do que o cinema, com seu poder de narrativa, expressão e criação coletiva, para despertar essa energia criativa.
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O ponto de partida dessa atividade, que realizo desde 2008, é a lista dos filmes indicados ao Oscar de cada ano. A partir dela, lanço um desafio à turma: recontar histórias inspiradas nesses títulos, criando roteiros totalmente novos, gravados e interpretados em inglês. Apenas o título original é mantido. A turma é livre para criar suas próprias narrativas.
Neste ano, por exemplo, um dos filmes escolhidos foi “I’m Still Here” (Ainda Estou Aqui), o primeiro longa brasileiro a ganhar um Oscar na história. A releitura da turma traz o contexto americano da década de 1960, quando a máfia italiana domina as crandes cidades do EUA, até que o presidente decide lutar contra esse grupos, o que leva a diversos conflitos, até o sequestro e assasinato do presidente americano.
Com essa proposta, trabalhamos a habilidade EI03EF04 da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que propõe recontar histórias ouvidas e planejar coletivamente roteiros de vídeos e encenações, definindo contextos, personagens e a estrutura da narrativa. A BNCC de Língua Inglesa convida a enxergar o idioma não apenas como um conteúdo escolar, mas como um bem simbólico que amplia vozes e garante o exercício da cidadania.
Formando o elenco
Em aulas semanais de 50 minutos, os estudantes se organizam em equipes e assumem papéis inspirados nas produções cinematográficas, como roteiristas, diretores, produtores, elenco, figurinistas e editores. O processo é intenso e colaborativo: eles pensam nos cenários, definem os personagens, gravam, editam e legendam os vídeos, tudo em inglês.
Mais do que aprender o idioma, eles o vivenciam. Precisam se comunicar, planejar, criar e resolver problemas em outra língua, integrando também conhecimentos de artes, dramaturgia e tecnologia.
Do roteiro à gravação
O projeto é apresentado logo no início do ano, com uma lista de cerca de vinte filmes do Oscar anterior. A turma se divide em seis grupos e tem uma semana para escolher o título com o qual vai trabalhar. Quando dois grupos desejam o mesmo filme, a decisão é feita por meio do diálogo e do consenso.
Cada grupo define funções conforme o número de integrantes, incluindo sempre um ator e uma atriz principais, enquanto os demais assumem papéis coadjuvantes. Alunos de outras séries podem participar como convidados, o que os motiva para as próximas edições.
O projeto se estende por todo o ano letivo: começa no primeiro trimestre e termina com o Oscar da escola, no terceiro. Ao longo do percurso, são dedicadas aulas à criação de roteiros, à análise de filmes anteriores e ao aprendizado de técnicas de edição e produção. As etapas de gravação e edição ocorrem no contraturno, em reuniões presenciais ou fora da escola.
Desde 1986, trago o cinema para a sala de aula. No início, por meio de debates e análises, mas percebi que o uso passivo dos filmes favorecia apenas a escuta. Foi então que decidi unir o cinema a uma prática que desenvolvesse todas as habilidades linguísticas. A proposta do Oscar escolar fez isso acontecer.
Para estruturar os roteiros, os alunos consultam sites de referência, como filmschool.org, e revisitam produções de edições anteriores. Após a escrita inicial, realizamos revisões de vocabulário e gramática, definimos locações e planejamos as filmagens, geralmente durante o recesso de julho.
Eles têm liberdade para escolher as ferramentas tecnológicas: celulares, Canva, CapCut, PowerPoint, Movie Maker e até drones. Para vocabulário e tradução, usam dicionários Cambridge e recursos digitais como o Google Tradutor.
Integração entre inglês e arte
O projeto envolve diretamente os professores de arte e música. Os alunos também preparam números musicais para a noite da premiação, todos em inglês, incluindo apresentações de dança e banda.
Desde 2024, a educação infantil participa com uma apresentação musical em inglês, promovendo integração entre os turnos. A decoração e o cenário do evento são elaborados com apoio da professora de artes, e o planejamento conjunto entre os educadores ocorre no início do segundo semestre.
Sessão de exibição e votação
Em 2025, o projeto conquistou uma parceria especial com a rede Cine A, que cedeu o cinema local para a exibição dos curtas produzidos pelos alunos, com duração máxima de 20 minutos.
Toda a comunidade escolar participou do evento e, ao final, os estudantes votaram nas categorias de Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Diretor, Melhor Roteiro, Melhor Trilha Sonora, Melhores Efeitos Especiais e Melhor Filme.
Neste ano, criamos também a categoria de Melhor Filme Estrangeiro, que contou com a participação de duas escolas da rede pública cujos estudantes produziram curtas-metragens em inglês. Essa parceria abriu espaço para trocas e inspirações entre as redes pública e privada.
Os alunos convidados são do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual Coronel Carneiro Júnior e da Escola Estadual Major João Pereira, instituições onde estudei e convivi na infância. Esse convite foi uma forma de retribuir tudo o que recebi da escola pública durante meus anos de formação. Nessas escolas, as aulas de inglês são ministradas em português, o que tornou o desafio ainda mais significativo.
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A grande noite
O momento mais esperado é a cerimônia do Oscar. A escola se transforma em um verdadeiro tapete vermelho. Alunos, famílias e professores comparecem vestidos a rigor, e toda a cerimônia é conduzida em inglês, dos discursos aos agradecimentos.
Além das premiações, há apresentações musicais e artísticas preparadas pelos próprios estudantes. Durante toda a noite, o inglês é a língua oficial, celebrando não apenas a aprendizagem, mas também a confiança, o esforço coletivo e a criatividade desenvolvida ao longo do projeto.
Cinema na sala de aula
A avaliação ocorre ao longo de todo o processo. No primeiro trimestre, analisamos os roteiros quanto à escrita, criatividade, gramática e colaboração. No segundo, avaliamos a produção audiovisual, observando pronúncia, criatividade e cooperação. No terceiro, o foco está na apresentação oral e no domínio da língua durante o evento.
Mais do que a pronúncia perfeita, valorizo o interesse, o envolvimento e a coragem de se expressar. Vencer a timidez e falar diante de uma plateia em inglês é, para mim, um aprendizado maior do que qualquer acerto gramatical.
Como em nossa escola as aulas de inglês são ministradas 50% em inglês e 50% em português, tenho a oportunidade de praticar a pronúncia regularmente. No entanto, no projeto do Oscar, priorizo o esforço e a proatividade dos alunos em tentar se comunicar no novo idioma, reconhecendo o valor de cada tentativa. O mais importante é que eles se sintam capazes de falar e se expressar com confiança.
Os alunos também realizam autoavaliações a cada etapa, por meio de formulários do Google. Essa prática os convida a refletir sobre suas próprias contribuições e progressos, fortalecendo especialmente aqueles que enfrentam mais dificuldades. As perguntas orientadoras ajudam a guiar a reflexão e estimulam a consciência sobre o próprio aprendizado.
Alguns exemplos são:
- Colaborei ativamente durante o processo de criação do roteiro, sugerindo ideias e abrindo espaço para que meus colegas também participassem?
- Durante as filmagens, preparei minhas falas e demonstrei uma pronúncia clara e compreensível na gravação?
- Mereço ganhar um Oscar pelo projeto, considerando meu envolvimento e dedicação na criação do trabalho da equipe?
- Meu nível de inglês melhorou após o projeto?
- Depois dessa experiência, sinto-me mais confortável para falar em público usando o idioma inglês?
Essas autoavaliações se tornaram um momento valioso de metacognição, em que cada estudante reconhece suas conquistas, identifica pontos de melhoria e entende que o processo de aprender é, em si, a maior vitória.
E o prêmio vai para… a aprendizagem
O impacto desse projeto vai muito além da sala de aula. Vejo meus alunos ganharem confiança ao falar em público, ampliarem o vocabulário, aprimorarem a escrita e, principalmente, descobrirem prazer em aprender.
A cada edição, surgem novas ideias: filmes com flashbacks para treinar tempos verbais, produções com linguagem científica e roteiros repletos de expressões idiomáticas aprendidas ao assistir filmes em inglês com legendas no mesmo idioma.
A comunidade escolar também se envolve. Pais, professores e colegas se encantam com as apresentações. Muitos pais me dizem que jamais imaginaram ver seus filhos atuando com tanta desenvoltura em outro idioma.
Aprendizado e legado
O projeto “And the Oscar goes to…” tornou-se uma das experiências mais esperadas da escola. Alunos de outras séries pedem para participar como coadjuvantes, ansiosos por viver seu próprio ano de protagonismo.
O maior reconhecimento vem no fim da cerimônia, quando pais e convidados afirmam sair emocionados ao ver o potencial dos estudantes. É nesse momento que percebo que, quando confiamos no aluno e o desafiamos, ele se torna o verdadeiro protagonista da aprendizagem.
Desafios e soluções
Como todo projeto colaborativo, ao levar o cinema para as aulas de inglês, surgem desafios de convivência e trabalho em equipe. Em casos de conflito, priorizo o diálogo e a reflexão, reforçando que o sucesso coletivo depende de objetivos compartilhados.
Com o avanço das tecnologias, os maiores obstáculos hoje são interpessoais, não técnicos.
Para os estudantes mais tímidos ou com menor domínio do inglês, há espaço para funções nos bastidores, como direção ou filmagem. O importante é que todos participem do processo. Mais do que a excelência na pronúncia, o essencial é a vivência da aprendizagem e o prazer de criar juntos.
Antonio Marcio Rennó Matos
Professor de Inglês e Física, com 40 anos de experiência em sala de aula. É fundador do Projeto Voluntário ConheCiência, iniciativa que estimula seus alunos a compartilharem saberes de Ciências com estudantes da rede pública.





