Como países latino-americanos estão formando professores para metodologias ativas
Experiências do Peru, Uruguai e Colômbia, apresentadas na Conferência Internacional PBL 2025, mostram como o ensino por competências e as metodologias ativas têm avançado na região, ainda que enfrentem resistências e sigam ritmos diferentes.
por Vinícius de Oliveira
18 de novembro de 2025
Embora haja consenso sobre a importância das metodologias ativas, que propõem um novo papel ao professor como mediador e criador de experiências de aprendizagem, implementar o ensino por competências no lugar de um currículo extenso e detalhado ainda é um processo desafiador. Trata-se de uma reforma que exige planejamento, diálogo e persistência, em andamento, com ritmos diferentes, em vários países da região.
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Na Conferência Internacional PBL 2025, realizada no final de outubro na PUC Minas, em Belo Horizonte (MG), a mesa “Metodologias ativas e desenvolvimento profissional docente na América Latina” apresentou um panorama de iniciativas na Colômbia, no Peru e no Uruguai. Mediado pela professora Valeria Arantes, da USP (Universidade de São Paulo), o debate destacou que, apesar da presença do tema em documentos oficiais e programas de formação, esses países ainda enfrentam dificuldades para integrá-lo de forma efetiva às políticas educacionais.
Três pontos centrais chamaram a atenção nas discussões: a formação docente como processo humano, que valoriza o bem-estar e o propósito; a transformação da cultura institucional, que vai além do currículo; e o compromisso ético das metodologias ativas, voltadas à autonomia e à cidadania.
Confira abaixo um destaque do momento de cada país:
Peru
Com ampla experiência na educação básica e superior, da sala de aula à elaboração de currículos nacionais no Peru, a consultora educacional Lea Sulmont trouxe uma visão prática e sensível sobre como formar professores. Atualmente, além de atuar na formação inicial docente, ela segue colaborando com políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade educacional no país.
Para Lea, o primeiro pilar é cuidar da equipe. Ela defende que a docência começa pelo cuidado com o ser humano que ensina. Após a pandemia, essa questão ganhou ainda mais relevância. “Hoje, mais do que nunca, é essencial cuidar do aspecto humano e emocional”, afirma. Em suas práticas formativas, inclui atividades como yoga, consciência corporal e escuta ativa, especialmente com professores da educação infantil.

O segundo pilar é o desenvolvimento de competências digitais. Segundo ela, a tecnologia deve ser usada desde cedo na formação docente, de forma crítica e criativa. “Criar redes de aprendizagem, experimentar ferramentas e trabalhar de forma colaborativa são práticas fundamentais para preparar o professor do presente e do futuro.”
Em suas formações, especialmente com professoras da educação infantil, Lea propõe práticas como yoga, consciência corporal e escuta ativa, criando espaços de acolhimento e resgate do propósito profissional.
Outros processos de transformação
Luis Bretel, ex-vice-ministro da Educação do Peru e diretor do Instituto Internacional para una Educación de Calidad, trouxe uma contribuição enfática: não há transformação na prática docente sem mudança institucional real. Segundo ele, insistir apenas na formação individual de professores é insuficiente.
“Muitos educadores se capacitam, experimentam novas metodologias, mas voltam a instituições engessadas, sem espaços de troca, sem apoio da gestão e, muitas vezes, sem condições materiais para implementar o que aprenderam.”
Para Luís, a formação docente precisa ser contínua, situada e conectada à prática. Ele defende políticas públicas articuladas, redes de apoio e uma visão de formação que parta dos desafios vividos nas escolas.
“Aprendemos melhor quando enfrentamos problemas concretos. A formação precisa partir da escuta ativa do professor e da vivência do cotidiano escolar.”
Além disso, reforça que a adoção de metodologias ativas exige trabalho coletivo e articulação entre instituições. A transformação educacional, segundo ele, não virá de ações isoladas, mas da construção de alianças duradouras entre escolas, universidades, redes e governos.
“Não podemos continuar tratando a formação docente como responsabilidade exclusiva dos professores. Precisamos de políticas integradas e investimento sério na valorização da profissão.”
Ele também compartilhou a experiência do Currículo Nacional da Educação Básica do Peru, implementado em 2016, do qual foi um dos principais articuladores. O documento propõe o desenvolvimento de 31 competências (cognitivas, sociais, emocionais e éticas) organizadas em áreas como comunicação, matemática, ciência e cidadania, além de competências transversais como pensamento crítico, empatia e colaboração.
“O currículo não prescreve o conteúdo nem os problemas a serem resolvidos. Ele parte das perguntas dos próprios estudantes. Isso exige uma mudança total na lógica da escola.”
Em uma oficina realizada recentemente em uma comunidade rural dos Andes, ele convidou estudantes de origem quéchua, povo indígena de origem do Equador e Colômbia, a apontar o que não gostavam em sua escola e a escolher, juntos, um problema para resolver. O resultado surpreendeu os próprios docentes: os estudantes se engajaram, propuseram soluções e definiram o tema de seus primeiros projetos. “Se não há problema real, não há desenvolvimento de competências. E se o professor ensina passo a passo o que fazer, não está formando: está adestrando.”
Por isso, Bretel considera que as metodologias ativas deixaram de ser uma escolha: são a única via possível para desenvolver competências. O próprio currículo peruano, em suas orientações pedagógicas, recomenda práticas como aprendizagem baseada em projetos, problemas, estudos de caso e investigação.
Uruguai
Em uma participação online diretamente do Uruguai, a educadora e doutora em educação Rosina Pérez apresentou uma análise sobre o processo de implementação das metodologias ativas e do currículo por competências em seu país. Com mais de 30 anos de experiência como professora da educação básica, atuação universitária e consultorias para organismos internacionais como a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), Rosina tratou dos avanços e contradições que marcam a realidade uruguaia.
Desde 2022, o país iniciou uma profunda reforma curricular, substituindo o modelo baseado em conteúdos por um marco curricular por competências. Com isso, as metodologias ativas passaram a ser prescritas oficialmente como diretriz obrigatória nas instituições de ensino.
“As metodologias ativas deixaram de ser uma opção e passaram a fazer parte do DNA curricular. Mas o currículo, por si só, não move a escola”, afirmou.
Segundo Rosina, o Uruguai tem uma vantagem importante em relação a outros países da região: já possuía infraestrutura tecnológica sólida antes da pandemia, graças ao programa Ceibal, referência em inclusão digital na América Latina. Isso permitiu uma transição rápida para o ensino remoto durante a crise sanitária e o período de isolamento social.
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“Nós já estávamos preparados. Tínhamos as plataformas, os recursos… Mas mesmo assim, houve uma enorme resistência. Lembro de ver escolas onde o computador era usado apenas como suporte para o vaso da planta.”
Ela destacou que, apesar de haver uma grande oferta de formações docentes, muitas com uso de inteligência artificial e tutoria, o impacto real dessas iniciativas foi limitado. “Mais cursos não significam, necessariamente, mais inovação.”

A resistência, segundo Rosina, é mais cultural e ideológica do que técnica. Mesmo com dados robustos sobre formação docente (25% dos professores formados com apoio do Ceibal; 15% em cursos específicos de metodologias ativas), as crenças conservadoras dentro das instituições continuam bloqueando a transformação real. “Sem liderança distribuída e cultura de colaboração, o professor continua atuando como uma ilha. As inovações não se decretam, elas se aprendem.”
Rosina também mencionou o contexto político recente, marcado por uma troca de governo em março de 2025. A nova gestão, de linha oposta à anterior, sinaliza mudanças na condução da política curricular. Há pressão de setores como sindicatos e assembleias técnico-docentes para revogar a reforma por competências e retomar a estrutura anterior de 2006.
“Estão falando em voltar 20 anos no tempo. É uma reação a mudanças que mexem com valores históricos da educação uruguaia.”
Uma das propostas em debate atualmente é permitir que as escolas escolham entre trabalhar com currículo por competências ou por conteúdos, algo que Rosina avalia com preocupação.
“Isso pode gerar muito caos. Como garantir coerência e equidade num sistema em que cada escola ou docente adota o currículo que quiser?” Apesar disso, ela reconhece que o Uruguai ainda é um país que valoriza historicamente a educação pública como um bem coletivo e um símbolo de igualdade social, embora essa confiança esteja se desgastando nos últimos anos. “É uma pena. Perdemos muito da confiança na escola pública nos últimos 20 anos, e isso dificulta o avanço de qualquer política transformadora.”
Colômbia
O professor Carlos Vega, da Universidade Autônoma do Ocidente, contextualizou a estrutura educacional colombiana e explicou como a adoção de metodologias ativas está profundamente ligada a regimes legais, trajetórias profissionais e políticas de qualificação. “Para entender como os professores se apropriam das metodologias ativas, é preciso compreender antes o contexto em que se formam.”
Desde a promulgação da Lei Geral da Educação em 1994, a Colômbia opera com três subsistemas educacionais: educação formal, educação para o trabalho e desenvolvimento humano (coordenada pelo Ministério do Trabalho) e educação informal (realizada por empresas, sem titulação).
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Com a criação do Marco Nacional de Qualificações em 2021, o país deu um passo importante rumo à integração desses sistemas, buscando valorizar experiências prévias e promover a mobilidade entre diferentes formas de formação. “Com esse novo marco, um profissional experiente, mas sem diploma formal, pode ter seus saberes reconhecidos e validar etapas da formação, reduzindo desigualdades históricas.”
Carlos destacou que esse avanço afeta diretamente a formação de professores, especialmente na educação básica. O país conta hoje com dois regimes docentes: o antigo, de 1979, e o mais recente, de 2002, que permite que profissionais não licenciados, como engenheiros ou comunicadores, tornem-se professores mediante provas e programas de formação mais curtos.

“Isso significa que muitos docentes chegam à sala de aula sem formação pedagógica completa. E a forma como se apropriam das metodologias ativas depende, muitas vezes, da estrutura de avaliação e exigências legais às quais estão submetidos.” Para Carlos, a implementação das metodologias ativas na Colômbia não pode ser entendida apenas como uma decisão pedagógica, mas como um reflexo das políticas públicas e das formas como o país reconhece (ou não) as diversas trajetórias de formação.
Como avaliar por competências?
Diante da pergunta sobre como avaliam o desenvolvimento de estudantes segundo matrizes de competências, Lea, do Peru, destacou o uso do portfólio de aprendizagem digital como instrumento transversal e formativo desde o início da formação docente. Segundo ela, esse recurso promove autonomia, autorreflexão e responsabilidade digital, permitindo que os estudantes escolham e relacionem evidências ao desenvolvimento de competências ao longo do curso. Além de favorecer a gestão autônoma do aprendizado, o portfólio se torna uma ferramenta relevante de empregabilidade.
Naquele país, o currículo para a educação básica organiza as competências em sete níveis de desempenho e a avaliação deve ser formativa (ou seja, um tipo de avaliação contínua que serve para acompanhar o processo de aprendizagem, oferecendo feedbacks e orientações para que o estudante avance, em vez de apenas medir resultados ou definir aprovação). O processo ideal envolve evidências práticas e projetos contextualizados, nos quais os estudantes demonstram o que sabem fazer em relação aos padrões esperados.
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Porém, na prática, muitas escolas ainda mantêm avaliações tradicionais (provas, notas e médias). O avanço requer paciência, persuasão e legitimidade por parte dos formadores: é necessário que quem orienta essas práticas tenha vivenciado metodologias ativas para convencer outros docentes de sua viabilidade, transformando a avaliação em um processo mais autêntico e significativo.
Ao final da sessão, a professora Valéria Arantes, diretora do Núcleo de Pesquisas em Novas Arquiteturas Pedagógicas da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), reforçou três pontos a respeito dessa jornada latino americana rumo às metodologias ativas:
Primeiramente, foi retomada a fala da professora Lea, do Peru, que defendeu uma formação docente humana e integral, destacando a importância do autocuidado para fortalecer a saúde emocional, a autoestima e o propósito do educador, já que a docência é, sobretudo, uma prática relacional.
Em seguida, com base no exemplo do Uruguai, ressaltou-se que a mudança curricular, por si só, não basta: é preciso transformar a cultura institucional de escolas e universidades, criando espaços de apoio, reflexão e experimentação. Por fim, o professor Carlos afirmou que, na Colômbia, a adoção de metodologias ativas representa um compromisso ético e social, ao promover a autonomia, a cidadania e a transformação consciente da sociedade.
“Esses três eixos, o humano, o institucional e o ético, me parecem fundamentais para pensar a formação de professores na América Latina. Somos uma região de contrastes, mas também de uma riqueza imensa em experiências, saberes e criatividade”, concluiu.





