Escola israelense estimula a soberania do estudante
Em ambiente colaborativo, alunos da instituição democrática têm autonomia e liberdade para organizar seu próprio currículo
por Redação na Rua 18 de junho de 2014
Do Centro de Referências em Educação Integral
“A escola não confere liberdade aos seus estudantes, ao contrário, ela não nega a liberdade que nasce junto com cada pessoa. Assim, liberdade não é uma aquisição e ela não tem pré-requisitos a não ser o respeito pelo próximo e o acordo das regras elaboradas coletivamente.”
Foi a partir deste pressuposto que, em 1987, um grupo de pais e educadores criou uma escola democrática em Hadera, municipalidade do distrito de Haifa, em Israel. A proposta era organizar um espaço de ensino que garantisse o direito de escolha do estudante no que e em como aprender, bem como na experiência cotidiana de um coletivo democrático. Em funcionamento desde então, a escola hoje pertence ao sistema educacional israelense e atende crianças e jovens de quatro a 18 anos de idade; algumas delas com dificuldades de aprendizagem e com deficiência e necessidades específicas.
A Escola Democrática de Hadera, segundo Yaacov Hecht, um de seus fundadores, deve fazer com que a criança se sinta capaz, sinta que alcançou seus objetivos. E que se ela passa a acreditar em si mesma, ela pode aprender o que quiser, ela sempre abraçará o conhecimento. Por isso, todo o sistema é organizado de forma a gerar o entusiasmo do aluno pela aprendizagem, acreditando que ele é livre em suas escolhas e que os professores estão lá para apoiá-lo a concretizar seus desejos.
Liberdade e decisão coletiva
Baseada na teoria de pensadores como Jean-Jacques Rousseau, Martin Buber, Carl Rogers, e Janush Korczak, a iniciativa é estruturada de forma a garantir que não exista uma cisão entre a vida na cidade, em comunidade e a vida escolar. Para isso, todas as decisões são tomadas em uma espécie de parlamento, em que pais, educadores e estudantes têm a mesma voz e o mesmo poder de voto.
Dividida em comitês, a comunidade escolar é responsável pela organização diária de todo o funcionamento da escola, dispondo, inclusive, sobre o orçamento da instituição. Juntos, todos decidem como e onde investir, respeitando os projetos individuais de cada estudante e as necessidades do grupo como um todo. Ao mesmo tempo, há um comitê disciplinar que reúne todos os atores da escola e que tem a responsabilidade de “julgar” os casos que desrespeitam as normas construídas pelo coletivo. Na ideia de promover a justiça social como um valor estruturante da aprendizagem, a escola trabalha com estratégias de mediação, buscando que todos participem de processos conciliatórios e responsáveis.
Fortalecida pela Declaração dos Direitos do Homem, a escola de Hadera respeita o que chama de soberania dos estudantes, apoiando-os a agir de forma autônoma. Para isso constrói um ambiente colaborativo em que todos são co-responsáveis e co-partícipes da vida do outro. Para permitir que os estudantes possam participar ativamente desse processo, a escola desenvolve um currículo baseado na autonomia do indivíduo, convidando-o a agir de forma crítica e a tomar decisões.
Aprendizagem
A existência de disciplinas, classes e turmas é substituída pela proposta de que o ensino e aprendizagem acontecem em todos os espaços da escola, individual e coletivamente. Desde que entram na escola, na etapa equivalente à educação infantil, os estudantes, em diálogo com seus educadores, escolhem em quais aulas participam, quais atividades irão realizar e quais espaços irão frequentar.
Compreendendo as especificidades de cada fase do desenvolvimento do estudante, as crianças e adolescentes são divididas em pré-escola e elementar I (de quatro a oito anos de idade), elementar II (de oito a 12 anos) e colégio (de 12 a 18 anos). Paralelamente, as crianças com necessidades específicas e síndrome de down participam tanto das turmas de sua faixa etária, quanto de segmento complementar, chamado Yahad.
Cada estudante tem um mentor, um professor designado da escola que irá acompanhar seu desenvolvimento, acompanhá-lo em suas escolhas, motivações de aprendizagem e processo avaliativo. Em todo o processo, o aprender fazendo, a aprendizagem por projetos individuais e coletivos e o aprender “errando” são motivações pedagógicas constantes.
Assim, da pré-escola ao 3º ano (equivalente ao 2º brasileiro), as crianças transitam livremente pelo prédio respectivo a sua faixa etária e podem escolher entre o espaço do brincar, o espaço da criatividade (onde podem produzir arte, leitura, operações matemáticas, etc livremente), o espaço do aprender (repleto de livros para que possam estudar sozinhos) e o espaço das aulas oferecidas a eles. As aulas, baseadas nos conhecimentos necessários para a leitura, escrita, matemática, humanidades e ciências, são organizadas de acordo com as necessidades do grupo e de cada criança. Assim, cada atividade tem um tema específico e contempla um assunto dentro do determinado campo do conhecimento.
Os adultos são os responsáveis não apenas por pensar e estruturar as aulas oferecidas, mas também por articular agentes da comunidade (pais e educadores voluntários) que possam apoiar as necessidades das crianças. Todo o processo é negociado e a criança se desenvolve em seu próprio ritmo, de acordo com a motivação que tem em aprender determinado conhecimento. Por exemplo, quando um estudante quer ler uma história, ele precisa, conseguir compreender as letras, as sílabas, as palavras. Portanto, ele, a partir do seu desejo, irá participar das aulas e atividades que o apoiem nesse processo.
Na etapa elementar, as crianças podem escolher entre espaços de criatividade e costumização (para artes e performances), áreas de descanso e conversação, além das aulas de conteúdos e espaços de estudo independente e de encontro com seus mentores. Além disso, eles são convidados a participar da cozinha escolar, e junto aos educadores organizam a alimentação de todos os estudantes da escola.
No colégio, equivalente aos ensinos fundamental II e médio no Brasil, os estudantes são convidados a participar de diferentes “espaços de vivência”, como espaço de construção colaborativa, espaços de comitês (gestão escolar), parlamento, campo de esportes, centros de aprendizagem e o “pátio escolar”, onde, segundo a escola, as maiores aprendizagens acontecem. Lá os estudantes podem ensinar seus colegas, conversar, escutar música, discutir a política local, ler um livro, experimentar a vida com todos os conhecimentos integrados.
Nas aulas da turma Yahad, que atende jovens dos 18 aos 21 anos de idade, os estudantes participam de todas as atividades da turma, e ainda de atividades específicas, com aulas com currículo adaptado às necessidades específicas que apresentam, com foco em apoiá-los a ter uma vida independente, com especial atenção à vida social, familiar, além de aspectos do mundo do trabalho e sexualidade. Uma vez por semana, os estudantes participam de atividades práticas trabalhando em um Kibbutz da região.
Além dos espaços destinados às turmas, a escola conta com um Centro de Projetos, Iniciativas e Aprendizagem que apoia os estudantes para que suas ideias – práticas ou teóricas – possam ser concretizadas. Neste espaço, os alunos aprendem e discutem como colocar em prática suas propostas, que muitas vezes contam também com apoio e interlocução de pessoas de fora da comunidade escolar.
Há também um centro de artes, para que os estudantes possam consolidar seus conhecimentos em artes sozinhos ou em grupo, um centro de fotografia, para que os interessados possam aprimorar a linguagem ou se familiarizar com ela, um centro de música, para que os estudantes conheçam as ferramentas necessárias para se aproximar do tema, tocar um instrumento ou ainda montar uma banda, uma biblioteca, um centro de carpintaria, e um centro de ciências, com laboratórios, duas salas de aula, um centro de leitura, uma estufa e um pequeno zoológico.
Em todos os ambientes especiais, os estudantes de diferentes idades transitam livremente e são convidados a colaborar juntos, ora participando de aulas específicas, estudando, desenvolvendo projetos ou simplesmente estudando.
Avaliação
E, novamente seguindo a perspectiva da autonomia, todos os processos são avaliados continuamente em uma construção dialógica entre o educando e seu mentor, professor de referência. O estudante se autoavalia e objetiva novas metas para alcançar ou objetivos para rever.
Principais resultados
Todas essas atividades foram construídas ao longo do tempo e sistematizadas com o objetivo de alcançar novas escolas, e viabilizar outros modelos educacionais. Dada a solidez da proposta, a Escola Democrática de Hadera se tornou um exemplo nacional e internacional pela reformulação da estrutura escolar e foi, inclusive, em 1993, palco da primeira conferência internacional sobre o tema. A atividade acontece anualmente, sediada cada vez por um país diferente.
Com o passar dos anos, a escola foi reconhecida pelo governo e passou a integrar o sistema nacional de educação, dando espaço para outras escolas ao seu molde, respeitando as especificidades de cada comunidade. Yaacov Hecht, um dos responsáveis pela iniciativa, hoje, coordena uma rede de 26 escolas, em 12 cidades de Israel. A proposta ainda avançou para a concepção de cidades educadoras, mobilizando a relação entre as unidades e a comunidade do entorno.
Em Hadera, por exemplo, foram construídos centros de aprendizado que atuavam junto ao poder público, seguindo as metas estipuladas pelo prefeito da cidade. Essas metas foram levadas até os estudantes, mostrando quais espaços seriam construídos pela prefeitura e quais já existiam e poderiam ser utilizados pelas crianças e jovens. Como um dos resultados, na mesma cidade há hoje uma usina elétrica onde funciona um centro de aprendizagem no qual todos que desejam aprender eletricidade “verde” podem recorrer a ela.
Veja o vídeo com a explicação de Yaacov Hecht sobre educação democrática:
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