Sociedade e governo se unem para conectar escolas nos EUA
Iniciativa ConnectED nasce a partir de mudança em fundo de telecomunicações para liberar bilhões de dólares para equipamentos, recursos digitais e formação de professores
por Vinícius de Oliveira 24 de agosto de 2015
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, é dono de uma das frases mais elucidativas para descrever a urgência por melhorar a conectividade na educação básica: “Em um país onde esperamos Wi-Fi gratuito com nosso café, por que não podemos ter em nossas escolas?”. Assim como acontece no Brasil, os gargalos para levar internet sem fio às salas de aula nos Estados Unidos são enormes, mas até pouco tempo atrás o país vivia uma ilusão alimentada por planilhas que informavam que 100% das escolas estavam plenamente conectadas.
Essa informação, no entanto, não se sustenta no mundo real. A ONG Education Superhighway, que criou um teste gratuito de velocidade de conexão para alertar sobre o problema, mostrou que, em 2013, 63% das escolas não possuíam internet de qualidade para as necessidades atuais e que 40 milhões de crianças estão ficando atrasadas. As informações coletadas pelo aplicativo também permitem dizer que a internet que chega às instituições de ensino é semelhante à doméstica, mas com 100 vezes mais usuários disputando o acesso. Para que providências sejam tomadas, os dados são repassados a governos, redes de ensino e gestores escolares, para que eles tenham clareza de suas deficiências.
O primeiro passo para virar o jogo veio com a revisão do significado de conectividade. Seriam consideradas escolas conectadas somente aquelas que tivessem conexão de internet sem fio dentro da sala de aula. Da noite para o dia, o número caiu para 30% – número similar ao obtido pela Education Superhighway –, pois descobriu-se que o acesso ficava restrito à parte administrativa, e o governo finalmente pôde ter uma noção mais clara de como a internet era usada nas escolas.
Essa foi uma das primeiras medidas adotadas por Richard Culatta, diretor do Escritório de Tecnologias Educacionais (Office of Educational Technology), órgão ligado ao Departamento de Educação, quando assumiu o posto, em 2011. “Assim que tivemos consciência do tamanho do problema, tomamos a atitude de ir à FCC [sigla em inglês para Comissão Federal de Comunicações, órgão análogo à Anatel], com o apoio do presidente, e obter financiamento para melhorar a conectividade”, afirmou Culatta em entrevista ao Porvir.
Como o Congresso está sob o comando do Partido Republicano, de oposição, o governo previu que seria impraticável tentar realocar verbas por meio de leis. A saída então foi liberar US$ 8 bilhões por meio de uma alteração nas regras do maior programa educacional americano, chamado E-Rate. Criado em 1997, ele é alimentado por uma taxa paga por empresas de telecomunicação e é usado para custear a conectividade em bibliotecas, escolas primárias e secundárias. Esse mecanismo é o núcleo do programa ConnectED, uma iniciativa para fomentar práticas educativas apoiadas na tecnologia.
Lançado em 2013, o plano busca levar até 2018 no mínimo 100 Mbps (megabits por segundo) por cada mil estudantes (100 kbps por estudante) – a meta é 1 Gbps por 1000 alunos – para dentro das escolas e bibliotecas. “Nós vivemos em uma era digital, e para ajudar nossos alunos a avançarem, precisamos ter certeza de que eles têm acesso à tecnologia de ponta”, disse o presidente dos EUA na época do lançamento do programa. Culatta explica que a decisão pelo mínimo de 100 Mbps não foi um acaso e encontra justificativa no tipo de aplicação que empresas parceiras planejam levar até as escolas. “Queremos que eles não fiquem apenas lendo texto em uma tela, mas realizem simulações interativas, mexam com ferramentas de colaboração e multimídia”, diz.
Outro traço marcante da iniciativa diz respeito à enorme mobilização nacional pelo ConnectED. Além de conversas com sindicatos, líderes educacionais e associação de pais, foi decisivo o comprometimento de empresas como Adobe, Apple, AT&T, Autodesk, Coursera, edX, Microsoft e Sprint, que prometeram investir cerca de US$ 2 bilhões em equipamentos, software e programas de formação de professores. “Não foi da noite para o dia. Conseguimos uma carta assinada por CEOs [presidentes-executivos] de todo o país, que dizia: ‘Se não tivermos conectividade na sua escola, não teremos alunos formados prontos para trabalhar em nossas empresas. Isso foi muito poderoso’.
O ConnectED também direciona suas atenções à formação de líderes educacionais, para que eles saibam o que fazer quando a tecnologia puder ser usada de forma plena dentro da sala de aula. Nos EUA, os distritos escolares têm administração descentralizada e o governo federal não tem poder de obrigar uma escola ou uma rede a adotarem determinadas regras. Novamente a saída foi construir compromissos. Uma equipe do Escritório de Tecnologias Educacionais viaja para reuniões com esses gestores para explicá-los quais dispositivos e softwares devem comprar, como decidir sobre a política de privacidade e qual é a melhor estratégia para formar professores que vão trabalhar em uma classe conectada. “São coisas como melhorar a comunicação com pais de forma digital, promover ensino personalizado, usar a tecnologia para acabar com a inequidade e ajudar a apoiar crianças com problemas de acessibilidade”, diz Culatta. Por meio dos encontros, já foram obtidas 2 mil assinaturas que podem transformar a vida de 15 milhões de estudantes.
Também como no Brasil, as respostas ao ConnectED não são imediatas. Após um início dedicado à mobilização e de cadastros para destinação dos fundos adicionais, o governo dos EUA prevê que no segundo semestre do ano todas as escolas terão dinheiro para ligar todo o prédio à internet sem fio e as diferenças ficarão mais claras para todos. A previsão é que o total de investimentos em 2015 chegue a US$ 470 milhões e 30.000 escolas sejam atendidas. Por enquanto, o diretor diz que a coisa mais forte a ser mostrada são as histórias de mudança contadas no site do Escritório de Tecnologias Educacionais. “Criamos o tech.ed.gov/stories porque há escolas em que você fica maravilhado ao entrar e diz ‘Isso é incrível!’, mas mesmo assim a escola vizinha pode ser a pior do mundo só porque a gente não captura e compartilha o que está funcionando’.
Dois exemplos de políticas para melhorar conectividade nos EUA
Boulder Valley, Colorado
Desafio: O distrito de Boulder Valley, no estado do Colorado, sempre teve um orçamento limitado para tecnologia na educação, com equipes técnicas reduzidas e conexão via DSL que não suportava o tráfego de dados de 56 escolas e 30 mil alunos. A conectividade era tão limitada que só era possível ligar poucos dispositivos simultaneamente, o que impedia qualquer uso pedagógico mais avançado.
Solução: A administração local levantou US$ 300 milhões por meio da negociação de títulos educacionais para melhorar a infraestrutura de internet, sendo US$ 20 milhões exclusivamente para o projeto e construção da rede fibra ótica para escolas e prédios públicos. Com esse novo ambiente, foi possível levar novas ferramentas digitais para todas as escolas e adotar o ensino híbrido, com um nível de personalização que antes era impossível.
Iowa City, Iowa
Desafio: O distrito escolar de Iowa City, no estado de Iowa, com 12 mil alunos em 42 escolas, vive um rápido crescimento no número de matrículas. Com a integração de tecnologia às atividades em sala de aula, a rede de internet logo se mostrou insuficiente. Isso ficou ainda mais claro quando o distrito firmou um acordo com a Universidade de Iowa para aulas via videoconferências.
Solução: Uma rede própria de fibra ótica. A cidade destinou uma conexão exclusiva para os serviços públicos e as outras ficaram para o distrito escolar, sem custos. Esse rearranjo.