Professora usa Pokémon Go para trabalhar conceitos de artes com alunos
Inspirados pelo jogo de realidade aumentada, estudantes criam “Mutantes” em sua escola e aprendem sobre colaboração, autonomia e o valor da arte
por Natalie Catlett 8 de dezembro de 2016
Durante as férias de julho, a febre do Pokémon Go explodiu no Brasil. Meus alunos voltaram às aulas falando sem parar sobre PokéStops e todos os lugares inesperados onde haviam encontrado Pokémons. Como professora de artes da escola, eu me senti completamente por fora. Tudo o que eu sabia era que o Pokémon Go é um game de realidade aumentada para celulares.
Enquanto desenhava na aula de artes, uma das crianças exclamou: “Vocês não vão acreditar onde eu encontrei um Pokémon ontem! Eu estava no hospital e capturei um deles perto de uma estátua do Albert Einstein”. Quando ouvi essa menção, percebi na hora que havia uma grande oportunidade de aprendizagem ali, afinal, o Pokemón Go o havia levado até um personagem ícone de nossa era.
Tudo ficou mais claro para mim quando esse mesmo aluno resolveu me dar umas aulas básicas sobre o jogo. Não demorou muito até que todos se unissem a nós nessa conversa. Conforme eles descreviam o game, fiquei pensando como o Pokémon Go poderia conectar-se a conceitos explorados nas artes, como apropriação artística; ocupação do espaço físico e arte dentro, fora ou sobre muros. Então, sugeri que fizéssemos algo inspirado no jogo, como a criação dos nossos próprios personagens. As crianças toparam na hora e então surgiu a ideia de desenhar mutantes em papel adesivo, dando origem ao projeto Mutantes GO.
Em pouco tempo, alunos de todas as outras séries já estavam envolvidos com o projeto, e os desenhos começaram a aparecer em todas as partes da escola, que se transformou em uma verdadeira galeria sem paredes, um legítimo museu a céu aberto. Os alunos começaram a rastejar sob mesas e bancos em busca de Mutantes. Objetos rotineiros do cotidiano de repente se transformaram em fontes de interesse.
Nós temos a tendência de ver a arte como algo estático e, geralmente, quando olhamos uma obra de arte, estamos acostumados a “ter os pés no chão”, conforme afirmou um aluno: “Eu queria que os museus fossem mais parecidos com o Mutante Go e nós tivéssemos que caçar as obras. Com certeza, seria muito mais divertido”.
Entretanto, houve uma mudança de clima quando um grupo de estudantes veio me dizer que dois alunos estavam retirando os Mutantes e jogando-os fora. Como professora, vi nesta situação uma oportunidade para discutir o próprio valor de uma obra de arte. Os estudantes sentiam-se fortemente conectados a seus desenhos e isso levou a uma discussão calorosa sobre autoria. Eles mostravam ter uma grande empatia com os Mutantes, reconhecendo a singularidade de cada obra de arte. Os alunos começaram a focar na solução e, ao final da discussão, já estavam confrontando o problema inicial com mais neutralidade.
Depois de um tempo, as crianças começaram a competir para ver quem encontrava mais Mutantes. O aspecto negativo foi o fato de eles terem ficado menos atentos aos desenhos em si. Decidi fazer uma intervenção para resgatar uma observação mais atenta. Fotografei alguns desenhos e criei um cartaz de “Procurados”, com imagens de quatro Mutantes e o desafio para encontrá-los. Enquanto algumas fotografias revelavam a superfície sobre a qual o papel estava colado, outras mostravam apenas o Mutante.
Grupos se reuniram ao redor dos cartazes e começaram a analisá-los. Os alunos demonstravam uma enorme capacidade de observação e interpretação. Certa vez, por exemplo, um deles disse: “Eu sei onde está esse. Está perto do bambuzal”. Outro respondeu: “Eu não sabia que tinha bambuzal aqui na escola”. A sensação de descoberta tomou conta do aluno que ainda não conhecia o espaço. Todas as manhãs os alunos se reuniam ao redor do cartaz de “Procurados” para o desafio do dia.
Em seguida, estudantes do 2º e do 3º ano começaram a fazer descrições em texto sobre onde encontrar seus Mutantes. Agora, todos tinham que interpretar o texto e procurar os desenhos com base nas informações escritas. Eles discutiram suas hipóteses de forma colaborativa, construindo novos conhecimentos antes de ir para a ação.
Como reflexão, alunos de todas as séries responderam à pergunta: no que o Mutante Go difere do Pokémon Go? Muitos mencionaram que ele não envolve tecnologia, deixando as mãos livres. Apontar as diferenças foi crucial. Isso lhes permitiu analisar e interpretar toda a sua experiência. Em uma sociedade onde as crianças são bombardeadas o tempo todo com imagens, e sempre existe uma tela entre duas pessoas, ter as mãos livres foi nitidamente um motivo de celebração. O projeto Mutante Go não tinha níveis, tinha desafios. Não tinha recompensas, mas contemplação e conquista. Não tinha captura – os alunos tinham apenas que criar, procurar, encontrar e, por fim, admirar.
Uma simples conversa sobre Pokémon Go se transformou nesta extraordinária experiência. É fascinante pensar que o tema de escolha das crianças foi “Mutantes”. Quando pensamos em mutantes, a palavra “transformação” logo vem à mente. Isso é exatamente o que o Mutante Go fez, alterando nosso ambiente cotidiano de forma atraente, criativa e lúdica. Os alunos enriqueceram tanto a nossa quanto a sua própria habilidade de observar o que é visível e procurar o que é invisível. Os Mutantes permanecem nas paredes e fora delas, como uma espécie de lembrete: nós precisamos e buscamos mudar.
Enquanto professores, devemos constantemente nos perguntar: O que os alunos estão explorando? Quais são as questões que estão se perguntando? Quais relações estão construindo? No dia em que esse projeto começou, eu havia planejado uma aula de desenho de observação. É desnecessário dizer que a iniciativa do Mutante Go liderada pelos alunos lhes ensinou muito mais sobre observação do que eu poderia ter imaginado ou planejado.
O Mutante Go permitiu que eles explorassem conceitos que têm um significado local e global, afiou suas habilidades de comunicação e os motivou a colaborar uns com os outros. O projeto trouxe confiança aos estudantes, lhes permitiu fazer uma “mutação” em nosso ambiente e, acima de tudo, aumentou a consciência deles sobre qual é o seu lugar na comunidade de forma mais ampla.
Natalie Catlett
Natalie Catlett é formada em Artes pelo Pratt Institute, em Nova York. Morou por vários anos nos EUA, onde trabalhou na área de livros infantis da editora Simon & Schuster e no canal Nickelodeon. Hoje vive em São Paulo, onde atua como arte-educadora e ilustradora. Trabalha na Beacon School, uma escola bilíngue (IB World School), de educação internacional, com identidade brasileira.