O que fazer para avaliar o tamanho das perdas na aprendizagem
Evasão de jovens do ensino médio pode causar distorções no Ideb, índice que mostra apenas a situação daqueles que estão matriculados. Além disso, diferenças regionais e sociais podem se acentuar devido a desigualdades no acesso ao ensino a distância.
por Fernanda Nogueira 10 de novembro de 2021
Os resultados do próximo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) devem trazer a medida das perdas na aprendizagem causadas pela pandemia de Covid-19 entre os estudantes que ficaram na escola e voltaram ao presencial. Com grandes diferenças regionais e sociais – às vezes entre alunos da mesma sala – é provável que as desigualdades fiquem mais evidentes, principalmente devido ao acesso que cada aluno teve ao ensino remoto durante o período de distanciamento social.
Além disso, o índice pode sofrer distorções, uma vez que mede apenas a proficiência dos matriculados e a evasão deve ser um dos maiores problemas no momento para a educação, principalmente no ensino médio. Por essa razão, só depois da divulgação dos dados será possível estabelecer novas metas, segundo especialistas.
Criado pelo governo federal para medir a qualidade do ensino nas escolas públicas, o Ideb é calculado a partir da combinação das notas das provas de português e matemática do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), aplicadas aos alunos do quinto e do nono ano do ensino fundamental e da terceira série do ensino médio.
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Com metas estabelecidas até 2021, o índice mostrou melhorias na educação, insuficientes, no entanto, para atingir o padrão de qualidade de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), principalmente no ensino médio. Nas redes estaduais, por exemplo, o índice cresceu de 3,5 em 2017 para 3,9 em 2019, mas ficou abaixo da meta de 4,6.
“O Ideb é uma conquista democrática desde 2005. Poucos países têm. Esse ano é bem-vindo fazer a prova do Saeb e ter a medida precisa da perda. Depois se discute como melhorar a métrica”, diz Mirela de Carvalho, gerente de Conhecimento do Instituto Unibanco.
‘Perda pedagogicamente gigantesca’
Estudos realizados durante a pandemia mostram que o tamanho do recuo na aprendizagem deve ser grande. Um deles é “Perda de Aprendizagem na Pandemia”, do professor Ricardo Paes de Barros, do Insper.
O estudo (clique aqui para baixá-lo) conclui que, em um ano, os alunos deixaram de aprender no ensino médio dez pontos na escala Saeb, o equivalente a cerca de metade do que aprenderiam no ensino médio inteiro. “Um ano de pandemia foi uma perda de um ano e meio de aprendizado. Essa perda é pedagogicamente gigantesca, dado que o que se aprende em um ano (do ensino médio) são sete ou oito (pontos na escala Saeb)”, explica o professor.
Com a volta ao presencial no final do ano, o professor afirma que o sucesso depende de quantos estudantes retornaram à escola. “O presencial é fundamental. Tem a grande vantagem de permitir que você faça ações complementares, que possam eventualmente recuperar alguma perda, mas o grande desafio é o aluno voltar.”
No retorno, as escolas têm que lidar com a dificuldade do estudante em se engajar na aprendizagem depois de tanto tempo longe. “Ele desaprendeu como se aprende”, diz Ricardo. Os professores têm o desafio de trabalhar com salas heterogêneas, com alunos em diferentes níveis. “Eles estão acostumados a lidar com uma certa heterogeneidade dentro da sala de aula, mas isso deve ter dobrado ou triplicado de tamanho. É muito mais difícil, por isso os professores têm que estar com uma boa formação.”
Dificuldades e desigualdades
Dados de um levantamento realizado na rede do estado de São Paulo confirmam as conclusões do professor Ricardo Paes de Barros. O estudo foi uma avaliação nos moldes do Saeb, aplicada pelo CAEd/UFJF (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora), a uma amostra de estudantes ingressantes no quinto e nono ano do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio. A avaliação identificou, em média, defasagens de um a dois anos letivos na aprendizagem dos estudantes.
“Foi notória a defasagem de aprendizagem principalmente no quinto ano do ensino fundamental, menor no nono ano e no ensino médio. Isso não significa que aprenderam mais. A defasagem foi maior no quinto ano porque os anos iniciais estavam crescendo muito no Brasil, acertando o passo. Houve queda grande nos sucessos escolares, na proficiência. No nono ano e no ensino médio, também teve queda, mas em termos de proficiência é menor porque o problema já era grande, principalmente em matemática”, afirma Lina Kátia Mesquita de Oliveira, diretora-executiva do CAEd/UFJF.
As dificuldades em matemática ficam bastante evidentes no ensino médio. “Os números revelam que o jovem que hoje (no início de 2021) inicia o último ano de sua trajetória escolar desenvolveu, em média, menos competências e habilidades de matemática do que aquele que concluía o nono ano há dois anos. Em língua portuguesa, o estudante atual do terceiro ano do ensino médio encontra-se um pouco à frente, com aproximadamente sete pontos a mais do que o jovem que dois anos atrás terminava o nono ano do ensino fundamental”, explica o estudo.
Estimativas feitas pelo Instituto Unibanco com estados parceiros trouxeram informações parecidas. “É possível que os parceiros que estudamos mantenham o resultado de 2019 ou fiquem um pouco abaixo, mesmo aqueles com muito investimento. Foram quase dois anos sem aula ou com aula a distância”, afirma Mirela de Carvalho.
Assim como as últimas edições do Ideb já mostravam, as desigualdades entre regiões e estados devem continuar e podem aumentar, só não se sabe quanto. “Tem diferenças regionais grandes. Como a pandemia mudou isso, precisa de resultados. Será que o Norte baixou mais que o Centro-Oeste? É possível porque tem menos recursos, mais dificuldade de conexão. Por enquanto só podemos especular”, explica a gerente do Instituto Unibanco, que defende a importância da realização do Saeb neste ano e a divulgação do Ideb em 2022 pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira), responsável pelas provas e pelo índice.
Para o futuro, é preciso fazer mudanças no Ideb, de acordo com os especialistas. A principal delas é a inclusão no cálculo das crianças e jovens que estão fora da escola. “Este ajuste mostraria se o estado ou município está promovendo desenvolvimento para poucos e não para todos”, diz Mirela.
Avaliações combinadas
As avaliações que compõem o Ideb devem ser alinhadas às avaliações formativas, que trazem informações mais ágeis sobre a situação de cada aluno e permitem intervenções rápidas. “Para isso, a base para as duas deve ser a mesma, incluindo currículo, ensino, valores e objetivos de aprendizagem”, explica Mirela.
Sem auxílio do MEC (Ministério da Educação), estados e municípios atuam como possível para diminuir as perdas. “Poderia ter uma política nacional de orientação, formação, incentivo financeiro para os estados colaborarem com os municípios. Eles estão fazendo o que podem, mas estão no limite. Se o MEC coordenasse, orientasse, financiasse, ajudaria muito. Isso não existiu durante a pandemia, assim como na saúde”, diz a gerente do Instituto Unibanco.
A principal ação que estados e municípios podem fazer sem depender do MEC é trabalhar em colaboração, segundo a gerente. A troca entre Estados também pode funcionar como uma comunidade de aprendizagem.
Uma ferramenta que ajudou nas avaliações durante a pandemia foi a Plataforma de Apoio à Aprendizagem desenvolvida em parceria do CAEd/UFJF e de instituições do terceiro setor, com orientações pedagógicas e avaliações formativas, oferecida gratuitamente a gestores e professores das redes públicas de ensino.
“Se faz a avaliação formativa enquanto a aprendizagem acontece, pode medir as habilidades desenvolvidas, não desenvolvidas e em desenvolvimento, mapeia a aprendizagem e pode intervir. Se consegue isso, os resultados das avaliações somativas e dos períodos de escolaridade vão apresentar desempenho melhor. Traz avaliação para cenário importante na gestão da implementação curricular na escola”, explica Lina Mesquita de Oliveira.
Avaliações formativas realizadas pelo CAEd/UFJF e estados parceiros – 12 no total, como Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Maranhão – mostraram, segundo Lina, que será difícil levar todos os alunos de volta à escola, principalmente do ensino médio. Esta etapa da educação foi a que apresentou os menores índices de participação nas provas realizadas pelas redes. “Vamos lidar com um grande problema. Os secretários, as redes e a comunidade precisarão de política de envolvimento para a retomada das aulas presenciais.”
Planos de recuperação
As perdas causadas pela pandemia não devem atrapalhar as redes a receberem a complementação de recursos de 2,5% atrelada ao desempenho vinda do governo federal, que está prevista para começar em 2023, segundo o Novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Em primeiro lugar, falta ainda a regulamentação da lei e mais detalhes sobre como será feito o pagamento.
Além de melhorar as notas, a rede precisa cumprir outros requisitos para receber a suplementação, como seleção técnica de diretores, alta participação no Saeb, programas para redução de desigualdades socioeconômicas e raciais, implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), entre outras.
De acordo com Mirela, as redes vêm melhorando em gestão desde 2015. Passaram a trabalhar com metas de aprendizagem, com avaliações, apoio às escolas, implementação da BNCC e do Novo Ensino Médio. “Estamos em uma rota virtuosa de melhoria da gestão. Para sustentá-la, o desafio agora vai ser voltar para o presencial e recuperar a aprendizagem dos alunos que ficaram sem aulas por quase dois anos. Precisa fazer recuperação e aceleração da aprendizagem para voltar a uma trajetória virtuosa. Não dá para fazer muito a distância exclusivamente. Manter o presencial e ter um bom plano de recuperação dos alunos vai fazer a diferença para ter melhora e ver a suplementação do Fundeb aparecer em 2023”, completa a gerente.