O Futuro se Equilibra #013 – Juventudes no Centro
O podcast conversou com Paulo Carrano, membro do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, órgão vinculado à Universidade Federal Fluminense.
por Ruam Oliveira 27 de abril de 2022
Incentivar o protagonismo de adolescentes e jovens é uma tarefa que a escola pode e deve assumir para si. É por meio desse protagonismo estudantil que se pensa e torna-se possível planejar o presente e o futuro.
Como a escola pode atuar para fortalecer a autonomia dos jovens e garantir que eles se tornem cidadãos conscientes e protagonistas de suas histórias? Este episódio de O Futuro se Equilibra conversou com o professor Paulo Carrano, da Universidade Federal Fluminense, buscando responder a essa pergunta.
A história que contamos é do Vitor Manuel Araújo dos Santos, de 17 anos.
Apresentação: Tatiana Klix
Produção: Gabriela Cunha e Larissa Werneck
Edição: Gabriel Reis
Roteiro: Ruam Oliveira e Tatiana Klix
Concepção: Ruam Oliveira, Tatiana Klix e Vinícius de Oliveira
Apoio estratégico: Vinícius de Oliveira e José Jacinto Amaral
Direção de arte: Regiany Silva e Ronaldo Abreu
Música: Neffex, Joel Cummings, DivKid, Kwon e Corbyn Kites.
[início do episódio]
[Tatiana Klix]
Você está ouvindo O Futuro se Equilibra, o podcast do Porvir sobre Equidade na Educação.
O programa conta com o apoio do Instituto Unibanco.
[bg]
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
Já passamos da metade desta temporada. A cada novo episódio, sempre há um tema que nos leva a refletir sobre a situação atual da educação.
Quando a gente fala em equidade na educação, estamos falando sobre equilibrar a balança. Em pensar e planejar um futuro possível, no qual as desigualdades sejam reduzidas.
E para construir esse futuro, nós, adultos, precisamos estar engajados neste objetivo. E também olhar e ouvir as crianças, os adolescentes e os jovens.
O episódio de hoje é sobre isso, sobre protagonismo estudantil.
Eu sou Tatiana Klix, diretora do Porvir.
Sejam todas bem vindas, e bem vindos.
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
As juventudes são múltiplas. Nós no nosso mundo dos adultos nem sempre conseguimos entrar no universo dos jovens e entender o que pensam e o que sentem. Mas garantir equidade na educação passa por tornar a escola um ambiente que respeite e acolha as muitas juventudes, suas características, seus anseios, seus desafios, suas paixões, seu jeito de falar…
E para isso, a escola tem que ter uma postura aberta a compreender as juventudes
Vamos ouvir agora o relato do Vitor Manuel Araújo dos Santos, de 17 anos Ele tem sido bastante participativo na escola desde o ensino fundamental 1. Comunicativo, quando não era representante de turma, ainda assim fazia questão de levar os recados da turma para a coordenação.
Quem interpreta é o Rodrigo de Odé.
[início do relato]
[música de fundo]
A professora Solange, que era diretora da escola onde eu estudava no ensino fundamental, sempre dizia: alguns alunos mudam as escolas onde vão. E é isso que eu tô tentando fazer. Me chamo Vítor Manuel Araújo dos Santos e moro no bairro de Pimentas, em Guarulhos, São Paulo.
Eu sempre fui de conversar muito. Falo bastante. Acho que essa característica me ajudou a ser esse porta-voz da turma. Hoje eu tô no ensino médio, mas desde o fundamental um que eu fico nessa função de levar para a coordenação o que a sala está achando e tal.
Até o meu quinto ano, estudei na Escola Poeta Manuel Bandeira, aqui na periferia de Guarulhos. Lá eu era representante de sala. Tinha uma coisa chamada conselhinho e eu era o representante. Reunia as demandas da sala e levava para a coordenação.
Sempre falei muito, então quando não era o representante, era o mensageiro.
A escola trabalhava em um modelo de projetos, então era um pouco diferente. Só que isso também incentivava a gente a falar mais, a participar mais e a dar nossa opinião.
Uma vez, no ensino fundamental 1, lembro que tivemos uma discussão interessante. A gente ia lá para bagunçar, né. Aquela coisa de gente jogando bolinha de papel, coisa de criança. E aí a gente se reuniu um dia para discutir se aquilo estava certo e o que a gente podia fazer para as pessoas pararem de jogar bolinha de papel molhado no teto do banheiro.
Não era mais uma coisa de “quero mais tempo de parquinho”, a gente estava pensando em como cuidar da escola. A gente começava a pensar em como melhorar o mundo…
Depois dessa escola, eu consegui uma bolsa para estudar em uma escola particular que fica um pouco mais longe da minha casa, mas as memórias do Manuel Bandeira são muitas.
Esse modelo de trabalhar com projetos teve muito impacto. Eu tinha meu projeto, meu amigo tinha o dele de mitologia grega e tal e todo mundo era muito empenhado em mostrar sua opinião, dividir com a turma suas ideias e até pensar em organização.
Eu mudei de escola e aqui as coisas são diferentes, né?Mas tenho certeza que não só eu, como outros colegas que passaram pelo Manuel Bandeira, carregam essa vontade de transformação e de compartilhamento. De pensar projetos e correr atrás para realizá-los.
A gente quer mais do que passar no vestibular, sabe?
Sabe qual é a maior mentira inventada na história da humanidade? A de que o jovem não quer nada e que não tem interesse em nada. Isso é uma coisa que vem dos adultos.
Eu sei que quando a gente for adulto é provável que a gente não saiba o que os jovens do futuro vão querer. Mas essa ideia de que o jovem não quer nada é só porque a gente não tem os mesmos interesses dos adultos. Mas se os adultos incentivam os jovens, eles acabam percebendo que a gente tem potencial.
Eu acho que a escola podia pegar os interesses dos jovens e incentivá-los a pesquisar mais sobre, sabe?
Não faz sentido o aluno ter que ouvir regras sem poder dar sua opinião. Quando a gente percebe isso, tudo muda. Ter uma escola que me incentivou a pensar, projetar e compartilhar continua fazendo toda diferença.
Hoje eu estou com 17 anos e é nessa fase que o sistema decidiu o que a gente tem que fazer da nossa vida. Estou com uns planos aí de ser professor. Quero dar aulas de história.
A educação mudou a minha vida e nada mais justo do que eu usar a educação para mudar a vida de outras pessoas. E também quero ter a minha vida mudada pelos meus futuros alunos.
[música de fundo]
Como professor eu vou tentar todos os dias entrar na sala de aula e fazer diferente. Promover autonomia dos alunos na hora de construir a própria história. Eu sei que não vai ser fácil, porque vou entrar num sistema fechado. Mas com o tempo e com jeito a gente vai se mudando.
Hoje eu sei que lecionar de verdade é respeitar as individualidades de cada aluno. Se meu aluno gosta de videogame eu vou encontrar um jeito de ensiná-lo falando sobre videogames.
Essas pequenas individualidades, que são tão ignoradas pelo mundo, eu entendo graças a oportunidade que tive de poder compreender a pluralidade das pessoas.
O Mandela disse que a educação é a arma mais poderosa que existe para mudar o mundo e eu acredito nisso.
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
O conceito de juventudes foi mudando ao longo do tempo. Inclusive a ideia de não ser apenas “Juventude”, mas entendê-las de forma plural. Juventudes mesmo.
Nem todos os jovens vêm do mesmo contexto social, da mesma região ou tiveram as mesmas experiências. Então é necessário tratar essas juventudes com a pluralidade que elas representam.
[Paulo Carrano]
Nós temos representações sobre de onde eles vêm, nós temos representações sobre onde eles moram, nós temos representações sobre a cor da pele, numa sociedade racista é muito fácil uma primeira imagem, que ele chega a ser uma imagem deletéria, estigmatizada do jovem e da jovem negra, nós temos que combater essas imagens alienadas que nos chegam.
[Tatiana Klix]
Esse é o Paulo Carrano, professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, membro do Observatório Jovem do Rio de Janeiro da UFF .
[Paulo Carrano]
Uma instituição como a escola, que nasce uma vocação moderna de criar uma unidade social. Ou seja, tanto que nós falamos em aluno, a ideia de universalidade, que é algo positivo, ou seja, nós temos uma instituição, a escola, que nasce com a função de unificar cultura, de unificar valores em torno de uma ideia de República. Então, a escola nasce muito marcada pela ideia da unidade, pela ideia de uma identidade comum e que não é algo negativo em si. Um país com a dimensão continental que tem que ter o Brasil é importante que este tenha uma unidade, universalidade em torno daquilo que se espera do cidadão, da cidadã, da apreensão de conhecimentos e valores.
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
O Professor Paulo conta que a escola tem um papel importante nessa construção de identidade e que é muito importante saber dialogar com as novas gerações.
[Paulo Carrano]
É um desafio para educadores e educadoras. Compreender o que é ser jovem hoje, ou seja, um sujeito que tem um campo de autonomia muito maior do que as outras gerações já teve, que têm expectativas muito maiores que os seus pais ou seus avós tiveram, mas que enfrenta enormes dificuldades para realizar essas aspirações e construir o seu próprio campo de possibilidade. Está muito interessante falarmos de futuro e só controla o futuro. Só consegue planejar o futuro, quem tem um mínimo controle sobre seu tempo presente.
[Tatiana Klix]
E é isso: os jovens de hoje convivem com demandas muito diferentes das gerações passadas. E a escola pode ser esse espaço onde eles podem se entender.
E não só se entender, como também serem ouvidos. O Vitor disse que há uma visão errada sobre os jovens não saberem o que querem. Na verdade, eles sabem, só precisam
[Paulo Carrano]
[música de fundo]
É ser ouvidos. As jovens querem ser ouvidas. Há depoimentos do tipo: eu gostaria pelo menos que os professores me olhassem nos olhos. Ou seja, há então aí m chamamento dessa juventude de que ela seja reconhecida no sentido mais amplo possível. São alunos, são alunas, mas também são sujeitos culturais completos, com uma vida que antecede a escola, tanto uma vida relacionada com a sua origem social familiar, como uma vida dos grupos culturais dos quais eles e elas participam. Então é um desafio formativo também para todos nós que trabalhamos com a juventude.
[Tatiana Klix]
E o caminho para a equidade, a maneira como o futuro se equilibra, depende deste espaço dado aos jovens.
[Paulo Carrano]
Nós podemos fazer um esforço para saber o que é ser jovem hoje, e para isso é preciso sinceramente, ouvir, dialogar, escutar, compreender. Nós cometemos, muitas vezes, alguns equívocos que acabam prejudicando o diálogo.
[Tatiana Klix]
[música de fundo]
Existem professoras e professores que estão na casa dos trinta ou até menos que isso. Ainda assim, em relação às gerações mais jovens, de quinze ou vinte anos, há um tempo longo, que muda completamente a maneira de ver o mundo e de pensar o futuro.
A sugestão do professor Paulo, de recorrer ao diálogo, é um caminho necessário. É preciso adotar uma escuta ativa e sincera.
[Paulo Carrano]
[música de fundo]
É um desafio que eu diria mais formativo, né, e ético, político também dos professores e professoras no diálogo com a juventude. Ou seja, se abrir para escuta,
[música de fundo]
[Tatiana Klix]
Dar oportunidade de diálogo e de escuta aos jovens é trabalhar a autonomia de cada um.
[Paulo Carrano]
Então essa dimensão fundamental para inserir o tema do protagonismo assim nós não introduzirmos esse debate mais geral da missão da escola para a democracia e da cidadania, nós podemos ter o protagonismo, ou a noção de protagonismo como uma ferramenta pedagógica esvaziada de sentido profundo. Isso acontece muitas vezes isso. O uso do termo protagonismo, que é um bom termo, um bom conceito, passou a ser usado de maneira banal.
[Tatiana Klix]
Ou seja, é trabalhar o protagonismo para fortalecer a cidadania incutida nas juventudes.
[Paulo Carrano]
Na ciência política se fala em participação no seu sentido fraco, onde os sujeitos participam, mas não influenciam na tomada de decisões e participação no seu sentido forte, onde sujeitos, ao participarem dos debates públicos, ao participarem da construção do bem comum Influenciam positivamente na tomada de decisões.
[Paulo Carrano]
A base de uma sociedade democrática é o conhecimento de si e a consideração pelo outro.
Você faz isso em condições de isolamento, se fazer sem condições de participação, com essa dimensão da participação profunda de tomada de decisão, de tomar partido, no sentido de se envolver numa esfera pública democrática que muitas vezes falta instituições que, ou ser cerceiam o envolvimento e participação, porque ocupam todo o tempo livre com tarefas ou instituições que criam simulacros de participação, não permitindo que a participação atinja, por exemplo, nós importante das tomadas de decisão que influenciam a vida da escola, como por exemplo horários, conteúdos, uso dos recursos públicos e por aí vai.
[Tatiana Klix]
E tudo isso tem a ver com equidade. A participação de jovens no âmbito escolar possibilita que entendam que também podem participar fora dos muros da escola.
Estamos em período pré eleitoral. Enquanto preparamos esse episódio há uma movimentação para incentivar que jovens entre 16 e 18 anos tirem o título de eleitor.
E nessa tarefa, a escola pode ajudar:
[Paulo Carrano]
[música de fundo]
Primeiro reconhecer que ser cidadão é sujeito de direitos. Veja o caso, por exemplo, das mulheres. Até bem pouco tempo, mulheres não votavam. Qual é o limite que as mulheres têm uma sociedade como a nossa hoje, de auto determinar o seu próprio corpo? Então, discutir o tema dos direitos, ou seja, ser cidadão, é alguém que é reconhecido numa determinada sociedade como um sujeito detentor de direitos. Esses direitos não são assegurados para todo o sempre.
[música de fundo]
[Paulo Carrano]
O segundo elemento é que não há cidadania sem participação. Acho que aí estão o coração da pergunta de vocês, da preocupação do programa. Como será o protagonista? Como ser um sujeito participante? Se envolveram a cidadania sem participação, sem envolvimento. É preciso criar locais adequados, os canais e as formas democráticas de participar. É preciso ouvir o outro. É preciso argumentar e argumentar com consistência. É preciso respeitar o limite societário dos direitos humanos. A escola não pode, por exemplo, admitir um debate aonde eu destruo a imagem do outro para que o argumento seja tornado válido.
[Tatiana Klix]
E o que mais podemos pensar para entender a importância da participação e do protagonismo das juventudes?
[Paulo Carrano]
Por fim, para participar, imbuído da ideia de que estou participando na sociedade democrática, eu preciso estar imbuído de valores democráticos. Eu preciso ter esses valores como bases da minha atuação, porque senão seu apenas têm direitos o reconheço que têm direito se eu apenas participam, mas eu não participei imbuído de valores democráticos, eu posso participar no sentido de uma prática fascista, de destruição do outro, de hierarquização do meu corpo em relação ao outro. Então, é preciso participar mais imbuído dos valores democráticos. E o que é participar em busca dos valores democráticos? É pensar no melhor para si, mas também o melhor para o bem comum. Essa esfera pública democrática a escola tem muita dificuldade de fazer, até porque a própria instituição escola, talvez não tem autonomia para fazer isso. Ele precisa conquistar a autonomia. Se ela fizer isso junto com os seus estudantes, eu acho que ela vai mais longe.
[Tatiana Klix]
[música de fundo]
O Futuro se Equilibra é o podcast do Porvir sobre Equidade na educação e conta com o apoio do Instituto Unibanco.
Obrigada professor Paulo pela conversa! Agradeço também ao Vitor, um jovem muito inspirador, por dividir sua história com a gente e ao Rodrigo pela interpretação.
Larissa Werneck e Gabriela Cunha produziram esse episódio, que foi editado por Gabriel Reis. Eles três são a podmix.
O Ruam Oliveira escreveu este roteiro junto comigo.
Não deixe de seguir o podcast para não perder nenhum episódio.
No porvir você encontra diversos materiais sobre participação e protagonismo estudantil. O endereço é porvir.org
Eu sou a Tatiana Klix, obrigada pela escuta!