‘A educação positiva começa com professores conscientes em sala de aula’ - PORVIR
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Inovações em Educação

‘A educação positiva começa com professores conscientes em sala de aula’

Em entrevista ao Porvir, a pedagoga e educadora parental Maya Eigenmann, reflete sobre o conceito de educação positiva e reforça a importância de os docentes reconhecerem seus próprios limites e traumas para que eles não recaiam nas crianças

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por Ruam Oliveira ilustração relógio 23 de junho de 2023

A maioria dos adultos já ouviu, pelo menos uma vez, a frase: “Engole o choro”. Por trás dessa mensagem, contudo, pode estar escondida uma ordem para nunca chorar. Com o passar do tempo, essa determinação tem grandes chances de se tornar  uma incapacidade de expressar determinados sentimentos, como a tristeza ou a raiva, por exemplo. 

Com foco na educação positiva, que tem como premissas uma abordagem baseada na gentileza, a pedagoga Maya Eigenmann ressalta que não há como pensar ou criar projetos voltados à  educação socioemocional se educadores ainda estão lidando com essa ordem de “engolir o choro” ou se não sabem como expressar a raiva. 

O maior aprendizado vai acontecer quando o professor sente raiva e precisa lidar com essa raiva. Ele vai gritar com os alunos ou, percebendo que está sentindo dentro de si um vulcão querendo explodir, vai cuidar disso previamente?”, questiona. 

É comum que os adultos queiram trazer a criança para seu próprio universo, sem se dar a chance de ingressar no mundo delas. “Na escola, é uma ótima oportunidade de fazermos o exercício de irmos ao universo da criança, aprender sua linguagem e a visão de mundo que ela tem”, comenta a educadora.

Autora dos livros “A raiva não educa. A calma educa: Por uma geração de adultos e crianças com mais saúde emocional” e “Pais Feridos, Filhos Sobreviventes e Como Quebrar Esse Ciclo” (ainda não lançado), Maya avalia que a melhor forma de fazer com que as crianças aprendam sobre seu lado emocional é na prática e não com apostilas. “Não existe outro aprendizado mais rico, genuíno e orgânico do que esse.”

Maya é uma das convidadas do evento “Esperançar: encontros com o futuro no Conversas que Transformam”, promovido pela Árvore entre os dias 27 e 29 de junho. Para se inscrever gratuitamente, clique aqui. 

Confira abaixo os principais destaques da entrevista que Maya concedeu ao Porvir.

Porvir – A escola é um lugar de muitas descobertas e aprendizados. O que os adultos podem descobrir e aprender com as crianças?

Maya Eigenmann – Essa pergunta é interessante porque não é só sobre o que o adulto pode descobrir e aprender, mas sobre o adulto ter que aprender a entrar no universo da criança. Nós, adultos, temos a tendência de trazer a criança para o nosso universo, para que ela aprenda os nossos conceitos e o que é importante para os adultos. Na escola, é uma ótima oportunidade de fazermos o exercício de irmos ao universo da criança, aprender a linguagem e a visão de mundo que ela tem.

Porvir – De que forma a educação positiva pode ser estimulada dentro da sala de aula?

Maya Eigenmann – A educação positiva começa com professores conscientes em sala de aula. Não estamos falando de professores perfeitos, que nunca erram, mas de professores que sabem suas limitações, sabem quando está chegando ao limite do respeito, que conhecem seus traumas e cuidam deles para não projetá-los nas crianças. O primeiro passo é esse, porque professores conscientes em sala de aula promovem uma redução de danos. Se esses profissionais despertam para a educação positiva, eles não vão brigar com uma criança que está chorando ou está brava, por exemplo, porque ele entende que são sentimentos naturais e que seu trabalho é acolher. Isso pode acontecer mesmo que toda a cultura da escola seja tóxica para a infância. Esse profissional em sala de aula pode ser um redutor de danos e uma pessoa que amortece emocionalmente as crianças.

A pedagoga e escritora Maya Eigenmann. Foto: Divulgação.

Porvir – Como iniciar uma conversa sobre sentimentos com as crianças?

Maya Eigenmann – O início acontece com esse profissional que tem consciência dos próprios sentimentos. Não adianta propor um projeto socioemocional na escola se o adulto engole o próprio choro, não consegue expressar sua raiva de maneira saudável ou dissimula os sentimentos. O maior aprendizado vai acontecer quando o professor sente raiva e precisa lidar com essa raiva. Ele vai gritar com os alunos ou, percebendo que está sentindo dentro de si um vulcão querendo explodir, vai cuidar disso previamente? Ele pode, por exemplo, começar a pular no próprio lugar para movimentar o corpo e colocar essa raiva pra fora. A criança não vai aprender sobre sentimentos com apostila, mas vivenciando. Não existe outro aprendizado mais rico, genuíno e orgânico do que esse.

Porvir – Como os professores e professoras podem modificar suas práticas pedagógicas pensando em tornar o relacionamento com as crianças algo mais respeitoso? 

Maya Eigenmann – Os primeiros passos para modificar as práticas em sala de aula não passam tanto pelo racional ou pelo planejamento. Tem muito mais a ver com como esses profissionais são conscientes dos próprios gatilhos e traumas, de como administram e expressam seus próprios sentimentos. Tudo o que a gente fizer sem essa consciência estará sendo feito a nível superficial. Se quero fazer um trabalho que realmente seja profundo, redutor de danos e que ensine, preciso passar por um processo de autoconhecimento para estar em sala de aula.

Porvir – De que maneira famílias e escolas podem trabalhar juntas em busca de uma educação não violenta

Maya Eigenmann: Acho que o que alivia a família e dá vontade de estar na escola são o senso de pertencimento na escola e a informação. Tive escola por sete anos e uma coisa que fazia, mesmo não tendo contato com a educação positiva ainda, era promover palestras informativas de um jeito muito acolhedor, organizando as salas em rodas de conversa e não em fileiras, ouvindo e tirando dúvidas dos pais, acolhendo as famílias. É ter essa ação de chamar para perto, para fazermos juntos. Se eu me sinto pertencente, quero colaborar. E se conseguimos construir essa cultura na escola, a criança vai estar crescendo no melhor ambiente escolar possível.

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Porvir – Os adultos, por vezes, reproduzem com as crianças agressões que eles próprios vivenciaram na infância. Qual a principal ferramenta para quebrar esse ciclo?

Maya Eigenmann- Acredito que sejam três questões fundamentais para quebrar um ciclo de violência. Primeiro, informação: passar para as famílias as informações a respeito de agressão e como isso influencia o desenvolvimento infantil. Em segundo lugar, autoconhecimento: levar os adultos a refletirem sobre a própria vivência e não por uma perspectiva adulta, porque o adulto tende a racionalizar e pensar “quando era criança, eu apanhava porque merecia”, mas a criança que apanhou não pensava assim. Quando essa criança apanhou, naquela época, não pensava que os pais estavam fazendo o melhor, ela só estava assustada. É preciso levar os adultos a essas reflexões. E em terceiro lugar: senso de comunidade. Reunir todos para falar sobre a educação que recebemos e em como isso nos impactou. É preciso ouvir as histórias desses pais, acolher, compartilhar, ouvir opiniões diferentes, mas que é um começo de abertura.

Porvir – Você se mudou para o Brasil aos 19 anos. Sua infância e adolescência na Suíça foram marcadas pela educação positiva? Como via esse assunto na escola?

Maya Eigenmann: Embora tenha crescido na Suíça, minha educação não foi nem um pouco marcada pela educação positiva, tanto dentro de casa quanto na escola. Passei por professores extremamente desrespeitosos, que usavam muito adestramento e o reforço positivo e negativo em sala de aula. Também tive professores maravilhosos, mas não posso dizer que foi especialmente marcado pela educação positiva.

Porvir – Durante sua experiência como pedagoga, você reconhecia a aplicação educação respeitosa e positiva? Quando decidiu pesquisar mais sobre o tema?

Maya Eigenmann: Infelizmente, quando me formei em pedagogia e tive escola, não conhecia a educação positiva ainda. Inclusive tenho contato com vários pais daquela época que acompanham hoje o meu trabalho, e é muito legal esse reencontro. Mas comecei a pesquisar a respeito depois da minha segunda gravidez, quando fui mãe da minha filha. Só quando ela nasceu que comecei a me aprofundar no tema.

O que é educação positiva?

O termo surgiu em 1980 a partir de um conceito feito pela terapeuta Jane Nelsen com base nas teorias da psiquiatria e psicologia apresentadas por Alfred Adler e Rudolf Dreikurs.

Essa abordagem está focada em uma abordagem mais sutil e na gentileza na criação infantil. O objetivo do trabalho é encorajar as pessoas a serem mais bondosas, respeitosas e resilientes.

A educação positiva é também conhecida como educação parental e foca na importância de criar conexões com os outros, sendo a infância uma fase fundamental para a construção desse relacionamento.

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competências para o século 21, educação infantil, socioemocionais

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