A escola não é a única responsável pela segurança de crianças na internet
Para garantir um uso seguro é preciso esforços da escola, da família, do Estado e também das plataformas digitais
por Ruam Oliveira 6 de fevereiro de 2024
Saber como se portar na internet é uma habilidade essencial para todos, independentemente da idade. Estar ciente dos benefícios e perigos do universo online permite o uso responsável das ferramentas digitais.
Neste 6 de fevereiro, Dia Internacional da Internet Segura, o Porvir conversou com Rodrigo Nejm, doutor em psicologia e consultor em educação digital e proteção online, sobre a postura que a escola deve adotar na orientação de crianças e adolescentes sobre a internet.
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Ingressando cada vez mais cedo nas redes sociais, muitas crianças não percebem riscos a danos e violências as quais estão expostas no ambiente virtual. Além de atuar com os estudantes, Rodrigo aponta que a interlocução com as famílias é fundamental. “É a escola estimulando que a formação sobre segurança digital oferecida aos estudantes chegue às famílias pelos próprios estudantes”, diz.
Ele alerta contra o incentivo excessivo ao uso de telas na primeira infância. “A gente já tem evidências para dizer que isso não necessariamente é bom e não é essa prioridade que uma escola para a primeira infância precisa oferecer”, aponta. Rodrigo participou recentemente da segunda temporada do podcast ‘de 0 a 5’, produzido pelo Porvir, e que tratou sobre o uso de tecnologia na educação infantil. Ouça aqui.
Confira a entrevista na íntegra:
Porvir: Como podemos definir o que é a internet segura para crianças?
Rodrigo Nejm: É difícil definir, mas o que podemos considerar é que a internet é um ambiente onde crianças e adolescentes passam muitas horas. É preciso que pensemos nessas experiências e na presença digital deles, tomando todos os cuidados de segurança que teríamos em outros ambientes de vida e relacionamento. Isso significa educá-los para que saibam reconhecer situações de risco e o que fazer caso sofram algum dano ou violência.
As crianças pequenas precisam estar acompanhadas durante o acesso a esses espaços digitais, especialmente quando ainda não têm a capacidade de identificar os riscos e os danos por si mesmas. Portanto, é fundamental que os adultos monitorem ou até evitem essa presença digital das crianças muito pequenas, especialmente nos primeiros dois ou três anos de vida.
Porvir: Muitas crianças utilizam a internet sem mediação ou supervisão de familiares. Quais os riscos envolvidos?
Rodrigo Nejm: Muitas crianças, de fato, usam a internet sem a mediação ou supervisão das famílias, o que é preocupante. Especialmente quando a gente pensa na primeira infância. Segundo recomendações da Sociedade de Pediatria, tanto no Brasil quanto internacionalmente, crianças até dois anos de idade não devem ter contato com telas – isso inclui televisão, com ou sem acesso à internet.
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Conforme a criança vai crescendo, depois dos cinco ou seis anos de idade, ela pode ganhar alguma autonomia. Contudo, essa autonomia deve ser acompanhada de supervisão constante e, idealmente, do uso de controles parentais. Várias plataformas de celulares e tablets oferecem esses controles para auxiliar as famílias.
Porvir: A escola pode atuar de alguma maneira para formar as famílias sobre esse tema?
Rodrigo Nejm: Primeiro, é necessário cuidado para que a escola não se torne um lugar de incentivo ao uso de telas na primeira infância. Havia uma onda de algumas escolas promoverem a ideia de que a presença de muita tecnologia na educação infantil era positiva. A gente já tem evidências que sugerem que isso não é necessariamente bom e que não deve ser a prioridade de uma escola para a primeira infância.
O foco deve estar no espaço de convivência, no contato com a natureza, no relacionamento interpessoal, no estímulo à criatividade, na interação com as artes, com o próprio corpo e principalmente com outras crianças. Portanto, menos tecnologia é melhor na primeira infância e na educação infantil.
Porvir: Como isso pode ser feito? Poderia exemplificar?
Rodrigo Nejm: A escola infantil desempenha um papel muito importante nessa formação das famílias sobre esse tema, e essa orientação deve se estender por diversas idades e etapas educacionais, desde o ensino fundamental 1 e 2 até o ensino médio.
O foco deve estar no espaço de convivência, no contato com a natureza, no relacionamento interpessoal
A vida digital dos estudantes precisa ser pauta constante das reuniões com as famílias, seja para discutir proteção ou para explorar oportunidades. A escola pode estimular as famílias a compartilharem mais experiências na internet com seus filhos, promovendo o conhecimento mútuo das práticas online, Além disso, é importante que as famílias sejam incentivadas a desenvolver uma leitura crítica e aprendam juntas dicas de segurança, até porque as pesquisas mostram que muitos estudantes ensinam os seus pais e avós como usar a internet. Esse diálogo é muito importante. É a escola formando as famílias e estimulando que a formação sobre segurança digital chegue para ao lar pelos próprios estudantes.
Porvir: As crianças estão tendo acesso a redes sociais cada vez mais cedo. Como professores da educação infantil podem falar sobre os perigos do uso excessivo de redes sociais com crianças dessa etapa de ensino?
Rodrigo Nejm: Um aspecto importante do uso excessivo é pensar que plataformas de redes sociais são feitas com tecnologia para estimular o máximo de engajamento dos usuários, inclusive de crianças e adolescentes. Essas plataformas empregam recursos de persuasão no design, o que é muito questionável. Vários países estão processando as empresas de redes sociais porque têm evidências agora de que foram investidos milhões de dólares para criar funcionalidades que mantêm os jovens excessivamente conectados. Esse fenômeno pode resultar em exposição a conteúdo violentos e perigosos para a saúde mental e física. Além disso, esse excesso pode prejudicar o sono e o desempenho acadêmico dos jovens.
Porvir: De quem é a maior responsabilidade por essa mediação de uso?
Rodrigo Nejm: A gente não pode deixar de dizer que as empresas também têm uma responsabilidade. Elas sabem que existem crianças utilizando suas plataformas, mas não se empenham o suficiente, nem investem o necessário para minimizar a presença desses jovens em idades inadequadas. Sabemos que, muitas vezes, o objetivo é aumentar o lucro, o que leva à maximização do tempo de uso. Isso é muito cruel com as crianças e os adolescentes mais vulneráveis que não podem contar com o apoio das famílias.
Às vezes, as políticas públicas não abordam esse problema, tornando-se muito perigoso onerar apenas as famílias ou as escolas, sem responsabilizar também as próprias empresas de tecnologia. Portanto, esse é um cuidado compartilhado, de responsabilidade da família, da escola, do estado e também das próprias empresas de tecnologia. Estas últimas precisam investir mais em esforços educativos para o uso seguro da internet. Isso inclui um esforço de mudança no próprio produto da plataforma, que pode ter maior escala e maior eficiência.
Às vezes, as políticas públicas não abordam esse problema, tornando-se muito perigoso onerar apenas as famílias ou as escolas, sem responsabilizar também as próprias empresas de tecnologia.
Porvir: Privacidade, por exemplo, é um tema muito importante a ser discutido. De que forma a escola pode trabalhar de forma lúdica esse tema, sem fazer uso de argumentos que podem causar medo nas crianças?
Rodrigo Nejm: O tema da privacidade é fundamental e está previsto na lei geral de proteção de dados no Brasil. A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), no âmbito da cultura digital, aborda as formas de tratar esse tema nos vários anos – do ensino fundamental até o ensino médio. Há ainda um esforço importante no complemento da BNCC sobre Computação na Educação Básica, que inclui vários dispositivos interessantes para trabalho em sala de aula, como a discussão sobre ética e direito no mundo digital, temas que já fazem parte do currículo escolar.
Porvir: Poderia citar alguns exemplos?
Rodrigo Nejm: Uma dica é partir de temas do cotidiano. Qualquer pessoa que usa a internet, mesmo que não use rede social, faz uma pesquisa no Google ou tem um e-mail. Podem surgir perguntas como: Você tem uma rede social? ou você já comprou alguma vez alguma coisa numa loja online? Você que já fez uma compra na farmácia, já parou para se perguntar por que que pedem o CPF? E aí você pode ir juntando exemplos do dia a dia e ir pensando a relação que tem da privacidade com o cotidiano. Você pode comparar com os segredos e as informações sobre você que escolhe pra quem você conta.
A privacidade tem tanto uma dimensão individual quanto uma dimensão institucional. Imagine se um estranho tirasse uma foto sua e a colocasse no outdoor da cidade. Você se sentiria confortável se estivesse em uma foto de que não gosta? Teria essa pessoa o direito de fazer isso? Na própria escola, vale discutir qual é o termo de privacidade do uso das fotos dos estudantes nas atividades, assim como o que as donas de plataformas digitais podem fazer ou não com seus dados e os conteúdos que você posta na internet.