A matemática como base para a ciência de dados e a integração de conhecimentos - PORVIR
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Inovações em Educação

A matemática como base para a ciência de dados e a integração de conhecimentos

O 3º Seminário Mentalidades Matemáticas discutiu a relevância da matemática para a era digital e o exercício da cidadania no século 21

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 4 de novembro de 2021

Aqui no Porvir você já conheceu como a matemática está presente no nosso cotidiano. O 3º Seminário Mentalidades Matemáticas, realizado no final de outubro pelo Instituto Sidarta, conectou o trabalho em sala de aula com pesquisas e discussões sobre dados e a era digital. Entender, prever e trabalhar com tecnologia demandará cada vez mais novas habilidades que, invariavelmente, estão conectadas à matemática.

Parte desse caminho a ser percorrido já está descrito na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). O documento destaca que é por meio da matemática que conseguimos criar sistemas que nos ajudam a compreender fenômenos, construir representações significativas e argumentações consistentes nos mais variados contextos. No evento online, especialistas como Roberto Imbuzeiro, pesquisador do IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), defenderam que o diálogo da escola com o mundo digital precisa ser mais constante.

⬇️  Infográfico: Todos podem aprender matemática

Para Roberto, o mundo contemporâneo precisa lidar com conceitos que não tem a ver somente com as realidades sensíveis – como os cheiros, percepções visuais, etc. –, pois é preciso pensar também no conceito de informação, cuja matéria-prima é uma quantidade cada vez maior de dados. Eles são gerados a partir do uso constante das redes sociais e do uso ininterrupto de aplicativos de mensagens instantâneas em dispositivos que captam e registram localização, movimentação e reações em tempo real. O estudante pode nem perceber, mas essa rotina revela a presença da matemática associada ao cotidiano e à realidade dos alunos.

“Ainda falta muito para ver um diálogo entre a matemática da sala de aula e essa era digital. É um assunto urgente”, diz Roberto. Para ele, estudantes devem entender a matemática para além do uso no mercado de trabalho e promover a inclusão digital não meramente para resolver lacunas digitais. Esses são elementos importantes para a promoção da cidadania no século 21  – compreender dados significa oferecer aos estudantes uma forma de ler o mundo e a realidade em que vivem.

Em um momento no qual as reformas curriculares buscam descompartimentar o conhecimento, o pesquisador do IMPA vê a possibilidade de que a discussão seja expandida a outras áreas, como a linguística. “Qualquer disciplina pode interagir com a matemática. É um campo vasto, importante e que ainda pode ser muito explorado”, afirma.

Sensibilização e pertencimento

Karla Esquerre, professora da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), trouxe ao seminário a experiência do projeto “Meninas na Ciência de Dados”, do qual é coordenadora. O primeiro passo para que estudantes (e particularmente as meninas) se interessem por essa área, segundo ela, é dar chance ao encantamento, uma vez que muitos e muitas se sentem inseguros e demonstram até mesmo repulsa.

Ela conta que, no início de 2019, quando o projeto chegou a turmas de ensino fundamental 2, uma outra questão tinha justamente a ver com o problema citado acima por Roberto: os estudantes não percebiam as conexões entre a ciências de dados, a matemática e as diversas áreas de conhecimento.

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No transcorrer desse processo de sensibilização, além de professores de matemática e ciências, o projeto buscou mostrar a docentes de educação física, arte, história e geografia como a matemática estava presente no dia a dia, nas diferentes manifestações artísticas e culturais.

“Quando a gente trabalha com temas ligados à casualidade, estudamos os movimentos de capoeira. Uma roda capoeira tem toda uma estrutura, com a música e o movimento de cada integrante. O que é uma relação de causa-efeito ali? O que é o movimento simplesmente casual? O que é para embelezar?”, exemplifica.

Neste ano, o projeto que está em escolas públicas ampliou o foco a todos os gêneros e passou a discutir questões como as dinâmicas que envolvem a cidade, com estudantes entendendo que os dados podem ser o estopim para mudanças sociais. Alguns recebem até mesmo bolsa de iniciação científica. “A partir de temas que eles têm interesse, passam a perceber todo um ciclo de levantamento, questionamento, perguntas e hipóteses baseadas em evidências. E repensar essas evidências.”

Espaço significativo

Qual a relevância da matemática na era digital? A resposta é: muita. Entre todos os zeros e uns da linguagem binária, essa espécie de idioma dos computadores, a matemática possui um lugar significativo no que é possível chamar de dimensão digital. Aqui quem explica o cenário é Hallison Paz, doutorando no Instituto de Matemática Pura Aplicada (IMPA) e criador do canal Programação Dinâmica, no YouTube.

“Na era digital, nosso mundo ficou mais complexo, porque o digital se tornou mais uma dimensão do mundo, mais uma dimensão das nossas vidas”, aponta Hallison, que vê algoritmos matemáticos intermediando muitas das nossas interações com o mundo e, consequentemente, impactando as nossas decisões e nossas vidas. E justamente por isso, defende que é preciso que os estudantes se dediquem a compreender o papel da matemática no desenvolvimento da sociedade para que possam exercer a cidadania de maneira plena.

Na mesma linha de pensamento, Jo Boaler, professora de Educação Matemática da Universidade Stanford (Estados Unidos) e criadora do programa Mentalidades Matemáticas, falou sobre a necessidade de desenvolvimento de um letramento de dados nas escolas, principalmente quando estudantes começam a interagir com redes sociais para que consigam diferenciar os fatos da ficção.

Para ela, um professor dos anos iniciais pode olhar a história ou a ciência a partir de dados e criar uma atividade que cubra todas as áreas do conhecimento. “Gosto que a ciência de dados seja apresentada como um curso ou carreira que pode ser seguida por qualquer pessoa. A matemática não é apresentada da mesma forma: ainda é vista como algo que somente algumas pessoas conseguem atingir altos níveis”, afirma.

A abordagem da matemática com foco em dados depende, no entanto, de mudanças nos currículos. Na maior parte dos países, diz a professora, o currículo de ensino médio não dá conta da discussão nos termos atuais. A convite de Steven Levitt, autor do livro e apresentador do podcast “Freakonomics”, Jo Boaler começou a fazer parte de um grupo de estudos que identificou que a maior parte das pessoas diz não usar no dia a dia cálculo diferencial, trigonometria e álgebra, mas análise de dados e dados são bastante citados. O resultado foi idêntico com um grupo de educadores.

Para quem acha que falar de dados é passar horas diante de planilhas do Excel, Jo Boaler, que também atua no desenho curricular de matemática da rede escolar da Califórnia, explica que esse campo da ciência apresenta informações criativas, em formatos divertidos, e não somente gráficos de linha ou de pizza. “É uma ótima forma de aumentar o letramento de dados”, diz. Durante o seminário, ela também apresentou o Dear-Data.com (Queridos Dados, em tradução livre), feito por dois designers, que coletaram dados durante um ano e enviaram cartões um para ou outro, compartilhando-os de forma bastante criativa.

“Estamos vivendo em um mundo cheio de dados por todos os lados. Será de extrema ajuda para qualquer aluno finalizar a escola sabendo interpretá-los, vendo seu sentido, pois estão em todas as profissões e na vida”, ressalta Jo Boaler.


TAGS

base nacional comum curricular, ciência de dados, gênero, interdisciplinaridade

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