Alunos do ensino médio participam de simulações da ONU
Durante evento realizado em São Paulo, estudantes assumem o papel de diplomatas para negociar e solucionar conflitos internacionais
por Marina Lopes 11 de julho de 2016
Dentro de uma sala, representantes de diversos países discutem sobre como desenvolver a região do Sahel, na África. Ao lado, um comitê de segurança internacional se reúne para evitar conflitos nas ilhas Spratly, no mar do sul da China. Em outro espaço, delegados discutem problemas sociais contemporâneos e a situação carcerária mundial. À primeira vista, parece até um importante encontro internacional. Mas não. Ao invés de chefes de Estado ou líderes influentes, os participantes são estudantes do ensino médio, que se reúnem para simular reuniões de comitês especializados da ONU (Organização das Nações Unidas).
Na última semana, eles participaram da 7ª edição do SPMUN (São Paulo Model United Nations), que aconteceu entre 4 e 8 de julho, na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), em São Paulo. O evento segue os moldes das simulações que tiveram origem com encontros de alunos de ciência política e relações internacionais de algumas universidades norte-americanas, como Harvard e Berkley. Ao longo de cinco dias, quase 500 alunos de escolas públicas e privadas se dividiram em 13 comitês para debater questões atuais e históricas em torno da temática “Comunidades Imaginadas: Estado e Exclusão na Sociedade Internacional”. Com a missão de representar diferentes países, eles tiveram que se colocar no papel de verdadeiros diplomatas para negociar e solucionar conflitos no cenário internacional.
Entre os comitês, uma discussão acalorada ocorre no Conselho da União Europeia, que precisa elaborar uma estratégia para solucionar a crise dos refugiados. “Não podemos escolher os refugiados. Temos que aceitá-los”, argumenta o delegado da França, representado pelo estudante Iago de Padua Grillo Souza, 17, do terceiro ano do Colégio Olimpo. Ao lado de outros colegas, ele veio de Brasília (DF) para participar da simulação. “Tivemos que buscar vários documentos do Conselho da União Europeia e fomos na embaixada perguntar o posicionamento da França sobre o tema”, conta Iago, ao falar sobre foi a preparação para a simulação.
Durante os debates, ele diz que os participantes ampliam a sua visão de mundo e trabalharam diferentes habilidades. “Você desenvolve bastante a sua oratória e aprende a resolver problemas de uma forma muito rápida”, exemplifica o estudante, já que bom discurso e raciocínio estratégico são fundamentais na hora de defender posicionamentos e fazer acordos diplomáticos. Quando um comitê “entra em crise”, também é necessário muito jogo de cintura para contornar a situação.
A portas fechadas, um comitê histórico de 1648 discutia a Paz de Westphalia, um conjunto de tratados diplomáticos que colocaram fim à Guerra dos Trinta Anos. Em um clima de tensão, ninguém poderia entrar ou sair da sala até que terminasse o momento de crise, criado propositalmente pelos organizadores do evento. “Os diretores observam como está o comitê e fazem essa intervenção. Todo comitê tem uma crise porque é legal. Às vezes pode ter até duas, depende da dinâmica”, explica Hermano do Amaral Pinto Neto, 21, secretário-geral administrativo da SPMUN.
No sétimo semestre de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Hermano participa da organização do evento, que é composta por estudantes universitários de diversas áreas. Eles são responsáveis por dividir os comitês, planejar o encontro, elaborar materiais de apoio para os estudantes do ensino médio e tantos outros detalhes logísticos.
O universitário conta que, embora o encontro de simulação seja custeado pelas inscrições, no valor de R$ 160, bolsistas e estudantes de escolas públicas são isentos de pagar qualquer taxa. Por meio de uma parceria com a prefeitura de São Paulo, por exemplo, a Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, de Cidade Tiradentes, bairro da zona leste, levou nove estudantes.
No terceiro ano do ensino médio, os colegas Angelo Rodrigues, 17, e Giovana Donelli, 17, do Oswaldo Aranha, já estão participando da SPMUN pela terceira vez. “Aqui você vai abordar temas que normalmente não conversaria com alguém e vai ter vários pontos de vista”, menciona Giovana, que representou o Brasil no comitê do Conselho de Direitos Humanos para debater sobre intolerância religiosa na sociedade contemporânea.
“Eles saem daqui com a vontade de mudar o mundo. Não é mais apenas o bairro deles”, cita a professora de geografia Ana Assunção, que acompanhava os jovens. “Você vê o quanto é importante o aluno estudar isso e entender que ele não vive apenas no seu bairro, mas faz parte de um mundo”, ressalta, ao mencionar que as simulações no modelo da ONU ajudam os estudantes a perceber como os direitos humanos estão inseridos na vida deles, como eles convivem com as diferenças e entram em acordos.
Há três anos, após participar pela primeira vez da SPMUN, a professora também conta que eles quiseram levar o modelo de simulação para o cotidiano da escola, onde debateram e questionaram sobre o sinal. Posturas como essa, de levantar questionamentos e assumir o protagonismo, refletem um pouco da ideia do encontro. “O aluno é colocado em uma função de proatividade, em que a autonomia dele é estimulada. Não é um sistema de exposição, que professor expõe e o aluno absorve. Ele é colocado em um papel de destaque, leva os conhecimentos que adquiriu e questiona. Esse é justamente o aspecto pedagógico do evento”, afirma o secretário-geral acadêmico Iago Torres da Rocha, 22, estudante do quinto semestre de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília).
Nas simulações, os estudantes assumem o papel de delegados de diversas nações, ampliam o seu repertório e aprendem de forma contextualizada. “A gente aprende muito história, começa a pensar no passado e no presente. Para vida, a gente também leva a oralidade, de falar e não ter medo de se posicionar”, opina Henrique Evangelista, 18, da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Professor Derville Allegretti, localizada em Santana, na zona norte de São Paulo. Aluno do terceiro ano do ensino médio integrado com o curso técnico de magistério, ele participou do encontro no Comitê Histórico do Tratado de Versalhes, acordo de paz assinado após o fim da Primeira Guerra Mundial.
Diferente do seu colega de escola, a aluna Isabella Mendes, 16, do segundo ano, escolheu participar do comitê de imprensa, que tem a tarefa de relatar os acontecimentos e decisões que ocorrem em todas as salas. “Só quem realmente está aqui consegue perceber o quão inovador isso é pra gente”, diz.