Após prêmio de melhor estudante do mundo, jovem quer levar energia a 100 mil pessoas
Com mais de 3,5 mil inscrições de 94 países, Jeremiah Thoronka venceu o Global Student Prize e, nesta conversa com o Porvir, fala sobre o projeto, suas inspirações e os planos para o futuro
por Ana Luísa D'Maschio 24 de janeiro de 2022
Poucos dias depois do anúncio do ganhador do Global Student Prize, em novembro de 2021, o nome de Jeremiah Thoronka ganhou as ferramentas de busca e as redes sociais. No Brasil, a reportagem que anunciava a vitória do serra-leonino como melhor estudante do mundo, publicada pelo Porvir, alcançou uma das maiores audiências do ano no portal. Todos queriam saber mais sobre o jovem de 21 anos que, literalmente, iluminou a comunidade onde morava em Serra Leoa.
Nascido durante a Guerra Civil, Jeremiah viveu as dificuldades de uma infância e adolescência sem energia elétrica em casa. Todos os dias, a partir das 18h, seu bairro na periferia de Freetown (capital do país) enfrentava a escuridão total. Os moradores tinham de queimar carvão e madeira para conseguir iluminação e aquecimento. “Pude presenciar como as pessoas da minha comunidade adoeceram por causa da poluição e como as crianças lutavam para completar a lição de casa porque não tinham iluminação decente”, relembra.
A energia elétrica ainda é um luxo no país: com pouco mais de 8 milhões de habitantes, Serra Leoa (localizada na costa oeste da África) tem uma das mais baixas taxas de eletricidade em todo o mundo. Apenas 26% da população têm acesso à luz elétrica. Jeremiah conheceu a eletricidade de perto aos 10 anos, quando ganhou uma bolsa de estudos em uma das melhores escolas da região. E começava ali, ainda menino, um sonho que se transformaria em realidade: levar energia elétrica aos vizinhos, de maneira sustentável e acessível.
O projeto ganhou fôlego quando ingressou na African Leadership University, em Ruanda. Lá, criou o Optim Energy, sistema de energia cinética baseado exclusivamente no movimento dos pedestres para criar uma corrente de energia limpa.
Em 2021, o impacto de sua iniciativa, que levou luz a 150 famílias e 9 mil estudantes de Serra Leoa, deixou para trás outras 3,5 mil inscrições de 94 países (entre eles, três brasileiros na lista dos 50 finalistas) e lhe garantiu o primeiro lugar do Global Student Prize. Criado pela Fundação Varkey em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o prêmio reconhece o trabalho de jovens que promovem grandes mudanças nas formas de aprendizagem de suas comunidades locais, com um aporte de US$ 100 mil, sem contar a oportunidade de conhecer autoridades de seu país e palestrar sobre a iniciativa para outros estudantes.
“Quero fazer o que puder para contribuir com o esforço global contra as mudanças climáticas. Estou totalmente comprometido com o desenvolvimento da Optim Energy e tenho trabalhado para ampliar o fornecimento de energia em residências, escolas e hospitais”, contou Jeremiah, hoje especialista na área de energia, ao Porvir. “No momento, pretendo ajudar a gerar eletricidade para cem mil pessoas até 2030”, afirma. Confira a íntegra da entrevista:
Porvir: Você esperava ganhar o Global Student Prize? Como sua família e sua comunidade receberam a notícia?
Jeremiah Thoronka: Fiquei muito surpreso quando descobri que havia sido indicado para o prêmio, e, de verdade, não esperava ganhá-lo. Há tantos jovens inspiradores em todo o mundo fazendo coisas incríveis… Minha família ficou muito empolgada quando liguei para dizer que havia vencido, foi um momento muito emocionante compartilhar essa notícia com eles. Mas, para mim, a candidatura ao Global Student Prize, da Chegg.org, foi acima de tudo uma chance de trazer conscientização sobre os desafios energéticos que enfrentamos em Serra Leoa e nos conectar com uma comunidade global de jovens agentes de transformação. Sou muito grato ao Chegg.org e à Varkey Foundation por fornecer essa plataforma incrível para que eu e meus colegas pudéssemos compartilhar nossas histórias.
Porvir: Como tem sido a sua vida depois do prêmio? O que tem feito com o projeto?
Jeremiah: O Global Student Prize me levou a uma jornada incrível. Estou maravilhado com as conquistas de meus colegas finalistas e estamos sempre em contato. Devo dizer que fiquei bastante impressionado com todas as inovações apresentadas pela finalista brasileira Ana Julia de Carvalho.
O prêmio me permitiu me conectar com políticos importantes, e é ótimo ver os formuladores de políticas ouvindo os jovens. Fiquei muito lisonjeado quando Julius Maada Bio, presidente de Serra Leoa, me parabenizou pessoalmente pelo prêmio. Recentemente, quando estive em Londres, fui convidado a me encontrar com Sua Excelência Edward Turay (embaixador de Serra Leoa para o Reino Unido), o que foi uma grande honra.
Atualmente, estudo para o mestrado em Sustentabilidade, Energia e Desenvolvimento na Universidade de Durham, no norte da Inglaterra. Estou ansioso para aplicar o conhecimento que ganhei para levar a Optim Energy a um novo patamar, testando mais dispositivos para que possamos fornecer energia confiável e sustentável para as pessoas em Serra Leoa, em toda a África e na parte sul do planeta. No fim das contas, quero fazer tudo ao meu alcance para contribuir com o esforço global contra as mudanças climáticas.
Porvir: Quem te inspirou no projeto de energia cinética? Quanto tempo você levou trabalhando nele?
Jeremiah: Há muito tempo me interesso por soluções de energia renovável, pois cresci em Serra Leoa, onde a energia é um luxo e apenas 26% da população tem acesso à eletricidade. Pude presenciar como as pessoas da minha comunidade adoeceram por causa da poluição e como as crianças lutavam para completar a lição de casa porque não tinham iluminação decente. Isso me levou a começar a pensar em uma maneira de gerar energia limpa e acessível. Comecei a trabalhar no Optim Energy há quase cinco anos, quando tinha 17 anos e era estudante da African Leadership University, em Ruanda. Mas não trabalhei sozinho. Eu estava cercado por uma equipe incrível de voluntários e recebi incentivo e apoio inestimáveis de meus amigos, familiares e professores. Sem eles, o Optim Energy não seria o que é hoje.
Porvir: Falando sobre inspiração, há algum professor ou alguma situação na escola que te fez ter segurança para criar o projeto?
Jeremiah: Sim. O Wilmot Johnson Cole, que era diretor da minha escola primária, me impulsionou a pensar criativamente sobre como superar as dificuldades. Ele foi uma das primeiras pessoas que me apoiaram para transformar minhas ideias sobre geração de energia renovável em realidade. Serei eternamente grato por seu incentivo.
Porvir: No Brasil, há mais de 2 milhões de pessoas sem energia elétrica. Como seu projeto poderia ser aplicado no país?
Jeremiah: Eu ficaria honrado se meu aparelho fosse usado no Brasil. Simplificando, meu dispositivo age como uma esponja e absorve energia das pessoas que passam ou do tráfego de carros. Ele não depende de mudanças climáticas para gerar energia, então pode ser aplicado em qualquer lugar do mundo. No momento, pretendo ajudar a gerar eletricidade para cem mil pessoas até 2030. É claro que ficaria mais do que feliz em me conectar com pessoas que possam me ajudar a alcançar meu objetivo ainda mais rápido, e espero que meu dispositivo possa servir em todo o mundo.
Porvir: Há muitos desafios e dificuldades em crescer em uma comunidade sem energia. Quais são suas principais memórias?
Jeremiah: Na minha infância e adolescência, a energia era um luxo. Tivemos que queimar carvão e madeira para iluminação e aquecimento. Eu vi como o smog fotoquímico estava causando problemas respiratórios para muitas pessoas em minha comunidade, e muitos de meus colegas estavam ficando para trás em seus trabalhos escolares porque não tinham iluminação decente. Também testemunhei os imensos danos que as mudanças climáticas causam em Serra Leoa, de enchentes a deslizamentos de terra. Mas também tenho lembranças felizes. Sempre recebemos a visita de amigos e familiares. Embora nossa casa fosse pequena, estava sempre cheia de amor.
Porvir: Como você se sente transformando a realidade de sua comunidade, e do seu país?
Jeremiah: Minhas experiências me fizeram perceber desde cedo que a mudança climática é um problema global impossível de ser resolvido sem que todos trabalhem juntos para uma solução. Eles me inspiraram a trabalhar para um futuro seguro de energia para a África e além. Sinto que tenho o dever e a responsabilidade de fazer tudo o que puder para contribuir para um futuro mais verde para minha comunidade e para o mundo.
Porvir: Quais são seus sonhos?
Jeremiah: Eu só quero fazer o que puder para contribuir com o esforço global contra as mudanças climáticas. Estou totalmente comprometido com o desenvolvimento do Optim Energy e tenho trabalhado para ampliar o fornecimento de energia em residências, escolas e hospitais. Os sistemas de energia em todo o mundo estão lutando para acompanhar a urbanização, e espero que meu dispositivo possa servir em todo o mundo. Seria incrível que meu dispositivo se tornasse um importante fornecedor de energia limpa e acessível em toda a África e no sul global.
Porvir: Quais qualidades um estudante deve ter para ser o melhor do mundo, como você?
Jeremiah: Eu não sou o melhor aluno do mundo. O prêmio foi criado como uma plataforma para destacar os esforços de estudantes de todo o mundo que estão causando um impacto real na aprendizagem, na vida de seus colegas e na sociedade. Há tantos estudantes fazendo coisas incríveis, e devemos celebrá-los. Eu simplesmente tive a sorte de ter acesso a uma plataforma, ao lado de tantos jovens inspiradores, para compartilhar minha história e minhas ideias. Acho importante que os alunos lembrem que o fracasso não define uma pessoa. O que importa é como eles se levantam e respondem ao desafio. Criatividade e firmeza também são importantes, assim como cercar-se de uma sólida rede de apoio. Ninguém pode resolver os problemas do mundo sozinho. Para isso, devemos trabalhar juntos.
Porvir: Quais atitudes a escola deve ter para preparar um futuro melhor aos seus estudantes?
Jeremiah: Acredito que aconselhamento e orientação são fundamentais, para que os graduados possam ter uma ideia clara de como podem aplicar as habilidades que aprenderam a uma carreira gratificante. As universidades devem garantir que os graduados tenham acesso a esses serviços.