Aprendizagem criativa estimula a alfabetização e amplia contato com a matemática
Educadoras de Jaguariúna (SP) provam que é possível ensinar leitura, escrita e trabalho com quantidades e operações matemáticas partindo dos interesses dos estudantes
por Maria Victória Oliveira 4 de abril de 2023
“Às vezes eu fico observando que uma mesma atividade pode ser abordada na linha tradicional ou na linha da aprendizagem criativa, e essa única mudança faz uma diferença estrondosa no envolvimento e engajamento dos alunos”, defende Luciene Mára de Lima.
Foi a partir dessa crença de que a aprendizagem criativa parte da descoberta, da exploração e da curiosidade dos alunos que a professora alfabetizadora com experiência em gestão escolar e gestora, orientadora, articuladora e formadora no Programa Escolas Criativas na rede municipal de Jaguariúna (SP) decidiu trabalhar alfabetização com o ensino fundamental 1 a partir de uma abordagem de projetos, utilizando princípios da aprendizagem criativa.
Com a proposta Alfabetização com a Mão na Massa, Luciene defende que “criar oportunidades relevantes e engajadoras para que as aulas possam se basear nos interesses dos alunos e, ao mesmo tempo, no currículo, é possível e essencial”.
Nesse sentido, ela parte de uma escuta ativa dos principais temas de interesse de seus estudantes que, em seguida, se dividem em duplas para trabalhar diferentes formatos de textos. A partir das leituras, eles devem escolher qual projeto desejam realizar e, no caderno, escrever uma lista de palavras com os materiais necessários para tirar a ideia do papel. “Eles se jogaram na leitura e registro e buscavam ajuda para saber se a escrita estava adequada ou não”, aponta Luciene.
A educadora cita que pontos fundamentais da proposta foram a escuta ativa, etapa essencial para conhecer melhor seus estudantes e alinhar as paixões e interesses apresentados junto ao currículo, e também o uso da abordagem de projetos.
“Não faz muito sentido para os alunos ou para os adultos se debruçar a escrever e revisar palavras, frases e textos que não estejam conectados com suas paixões. É muito interessante observar a dedicação deles quando estão envolvidos com a temática da aula. Tenho feito essas escolhas porque percebo o quanto ficam motivados a buscar o conhecimento. A aula se torna muito mais prazerosa para eles e para mim.”
Criando e recriando massinha
Luciene provou que é possível trabalhar textos, leitura, escrita e alfabetização com atividades mão na massa. E quanto à matemática? Para ensinar seus alunos do terceiro ano do ensino fundamental sobre operações como dobrar e triplicar, Virgínia Aparecida da Silva Adabo, pedagoga e formadora-mestre do Programa Escolas Criativas no município de Jaguariúna (SP), encorajou os jovens a colocar a mão na massa – literalmente.
Ao notar o interesse da turma por brincar de massinha em uma das rodas de conversa, a educadora decidiu promover uma oficina de criação de massinha, a fim de ensinar, durante o processo de confecção do material, operações matemáticas. Depois de uma roda de conversa inicial sobre a produção da massinha, os estudantes pesquisaram receitas caseiras, e então teve início a preparação.
“Nessa exploração, enquanto professora mediadora, fui realizando questionamentos referente às medidas de capacidade apresentadas na receita e como poderíamos dobrar ou triplicar a mesma receita. Assim, além do manuseio de medidas e quantidades, os estudantes puderam explorar também noções de raciocínio multiplicativo”, explica.
Para Virgínia, adotar a aprendizagem criativa para ensinar sobre matemática e operações básicas aos estudantes teve um efeito positivo do que se fossem utilizadas abordagens ditas mais “tradicionais”, uma vez que colocar o estudante como protagonista de seu processo de aprendizagem e explorar situações do cotidiano são estratégias que tornam a aprendizagem mais significativa.
“Cada vez mais vemos a importância de propor ações e atividades que sejam prazerosas e significativas para os alunos. Nessa visão, a aprendizagem criativa proporciona a imersão dos estudantes em contextos significativos, práticos e que geram memórias afetivas. Com estratégias mão na massa e partindo de bons questionamentos e reflexões, estimulando e desafiando, garantimos a aprendizagem de forma divertida e efetiva”, aponta.
Engajamento e participação: estratégia central
As iniciativas pedagógicas das duas professoras apresentadas acima têm diversos pontos em comum, como o uso dos quatro P’s da aprendizagem criativa (projetos, paixão, pares e pensar brincando), e um deles é o uso da estratégia de projetos.
Lançar mão de ferramentas como escuta ativa dos estudantes, incentivar sua participação e engajamento, além de produções concretas aplicando o conhecimento são quase como princípios da aprendizagem criativa, que, por sua vez, facilita o processo de mobilização de saberes de áreas do conhecimento, o que fica ainda mais em evidência a partir de situações de aprendizagem significativas para os estudantes, como explica Thais Eastwood, articuladora pedagógica da RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa).
“O ponto-chave é a forma como os conteúdos serão problematizados pelo professor, quais são as provocações feitas ao estudante e qual é o espaço proporcionado para a liberdade criativa. A construção de projetos apoia as construções mentais em um processo ativo de descoberta, investigação, exploração e constante compartilhamento de ideias. Os conhecimentos e habilidades são mobilizados em um contexto que faz sentido imediato para o aprendiz, mas que é aberto o suficiente para expandir o que é aprendido para as outras áreas da vida”, aponta.
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Ao considerar, então, o interesse dos estudantes nas propostas pedagógicas, o engajamento é facilitado e eles tendem a continuar as explorações e descobertas mesmo depois da aula, além de aproximar os aprendizados da escola de suas vivências de vida.
Segundo Thais, propostas pedagógicas que incentivam a aprendizagem por descoberta, experimentação e investigação também proporcionam outra visão sobre o erro, que torna-se mais um resultado da experiência e indicativo para tentar outro caminho, e o compartilhamento de ideias, que acontece a todo momento, não só ao fim do projeto.
Leo Burd, pesquisador no MIT Media Lab (EUA) e um dos coordenadores da RBAC, contribui ao defender que as construções, explorações e compartilhamentos contextualizados no âmbito da aprendizagem criativa possibilitam aos estudantes se conectarem de forma mais pessoal às temáticas da atividade, propiciando uma aprendizagem mais profunda e duradoura que vai além da sala de aula.
Pegando o exemplo dos projetos das professoras de Jaguariúna apresentados acima, Leo afirma que, não raro, a alfabetização e o aprendizado matemático são feitos de forma muito abstrata e distante da realidade dos alunos. “A aprendizagem criativa, ao trabalhar a construção de projetos concretos e significativos, ajuda os estudantes a se conectarem com o que está sendo aprendido e a enxergarem como a escrita e a matemática podem contribuir para a compreensão e a construção do mundo em que vivemos.”
Trata-se, portanto, como explica Leo, de mudar a forma como as ideias são apresentadas aos estudantes, transformando a lógica de conteúdos que parecem forçados e não relevantes. Na aprendizagem criativa, os conceitos ganham outra dimensão quando podem ser explorados de forma mais livre ou como parte da construção de algo que faça sentido. “O próprio processo de criação com materiais diversos favorece o aprendizado mesmo para aqueles estudantes que têm mais dificuldade com as abordagens mais expositivas e teóricas”, exemplifica.