Causos e cordéis emocionam professor e alunos no sertão da Bahia
Para estimular a leitura e discutir gêneros textuais, professor desenvolve projeto que resgata histórias orais de moradores de Paripiranga
por José Souza dos Santos 9 de fevereiro de 2018
Ler e escrever, hoje em dia, para a maioria dos alunos é atividade pouco atraente. Portanto, é preciso inovar e trazer estratégias para incentivar a prática. Mas como ativar esse prazer de ler, diante de tecnologias altamente atrativas e das redes sociais, que encantam os adolescentes e ocupam grande parte do tempo deles? Como trabalhar com alunos de 8º ano, em turma de 29 alunos, de uma escola do campo da cidade de Paripiranga (BA), com condições precárias em sua estrutura física e carente de recursos tecnológicos? Esses questionamentos me motivaram a desenvolver o projeto Cordelize a Vida e Valorize sua Cultura.
As aulas começaram e era tempo de quaresma. Nas semanas dedicadas à preparação para a Páscoa, aqui no sertão nordestino, muitas lendas e causos são contadas. Seres fantásticos visitavam nossa sala através dos relatos dos alunos. Luzernas, Alma Penada, Lampião e Lobisomem estavam presentes. Aproveitei para entrar na conversa e comecei a contar alguns causos que meu avô relatava. Em seguida, propus um passeio pelas histórias da comunidade para descobrirem outros causos que ainda eram desconhecidos por eles.
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A turma gostou muito da ideia e foi em busca de resgatar alguns causos da comunidade com as pessoas mais antigas da região. Descobri que essas histórias chamavam muita a atenção deles pelo fato de termos uma identidade cultural marcada pela literatura oral de avós, bisavós e outros antepassados.
Atribuí aos alunos a tarefa de conhecer a própria cultura com mais profundidade. Minha primeira estratégia foi discutir o modo para abordar as pessoas. A entrevista foi o gênero escolhido para o início dos trabalhos. Expliquei que seria necessário saber se posicionar diante do entrevistado, considerar e anotar as palavras, na forma como fossem ditas. Por isso, discuti com eles sobre a linguagem coloquial e a culta, tratei das marcas de oralidade e do respeito que devemos ter pela maneira de cada um se manifestar linguisticamente, além de explicar os fatores que influenciam as diferentes formas de falar a nossa língua. Pedi também que eles elaborassem as perguntas que iriam fazer às pessoas da comunidade.
Na segunda parte do projeto, fizemos dois textos, um causo, em equipe, a partir da coleta de histórias da cultura lendária da região, e depois um cordel, em atividade individual. Essas propostas levaram os alunos a um passeio da oralidade à escrita. Foi aí que surgiu certa resistência, porque alguns consideraram que seria trabalhoso e que não conseguiriam escrever. Não desanimei, porque percebi que a adversidade era apenas reflexo da dificuldade natural que tinham na prática da leitura e escrita.
Para levantar o ânimo da turma e fazê-los aderir com gosto às atividades, anunciei que os produtos finais seriam divulgados. A ideia era que os cordéis fossem transformados em livrinhos autorais e expostos na biblioteca da cidade. Também planejamos uma tarde de autógrafos. A partir dessa estratégia, a motivação para produzir aumentou.
Porém, sabia que a atividade seria um desafio para eles, já que mexeria com dois gêneros diferentes. Com o causo, trabalhamos com o texto em prosa para que os alunos aprendessem a dividir parágrafos e pontuar coerentemente. Com o cordel, desenvolvemos versos, que são textos mais leves. Ao final, os alunos aprenderam a ler com mais motivação, por conta das rimas e por ser também um texto musicado. Esse gênero os ajudou a usar a entonação e, posteriormente, os auxiliou na aprendizagem da pontuação.
Uma das grandes marcas do nosso projeto foi a emoção. Os entrevistados contaram às crianças que costumavam sentar ao redor do avô para ouvir essas histórias, mas que e lamentavam que essa cultura não exista mais, pois a televisão roubou o espaço dos contadores. Expliquei para os alunos que existem os leitores ouvintes e que seus avós talvez tivessem sido esse tipo de leitor, por não saberem ler ou não terem tido a oportunidade de estudar.
Uma aluna deu uma linda e solidária sugestão, de que poderíamos gravar os cordéis em um CD para presentear a uma aluna cega, que estuda na escola. Contextualizando a ideia da estudante, outro colega de turma nos contou que a ideia dela tinha tudo a ver com o surgimento do cordel, no século 5, em Lisboa, quando Dom João V criou uma lei em que permitia os homens cegos negociarem esse tipo de gênero na feira.
Confesso que fiquei emocionado com essa e outras atitudes dos alunos. Eles já estavam inteiramente envolvidos no projeto e davam conta de informações importantes para o desenvolvimento dos trabalhos em sala. Diante dessas sugestões, acrescentei mais uma ação: o audiolivro. Além dos livretos de cordéis, eles gravaram seus textos e o livrinho foi acompanhado por um CD, que foi entre para uma aluna da nossa escola e para outros estudantes da cidade com deficiência visual no dia da exposição final dos trabalhos e da sessão de autógrafos.
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José Souza dos Santos
Professor efetivo de língua portuguesa. Licenciado em letras vernáculas e pós-graduado em estudos linguísticos e literários. Tem experiência profissional em ensino superior a distância. Foi um dos palestrantes no Seminário Internacional do Escrevendo o Futuro, em 2015.