Com atividades de autoconhecimento, professora ensina Libras no ensino superior - PORVIR
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Diário de Inovações

Com atividades de autoconhecimento, professora ensina Libras no ensino superior

Do planejamento à avaliação do trabalho, veja como professora ensina a Língua Brasileira de Sinais para alunos de psicologia, educação física, direito e engenharia civil

por Maria Cristina da Silva ilustração relógio 4 de abril de 2019

Sou docente responsável pelo ensino de Libras (Língua Brasileira de Sinais reconhecida como língua pela lei 10.436) na UNIFENAS (Universidade José do Rosário Vellano), em Alfenas, no sul de Minas Gerais.

A disciplina de Libras é oferecida no curso de formação de professores de pedagogia, como disciplina obrigatória e nos demais cursos como optativa, ou ainda como modalidade de extensão. A experiência, aqui relatada, trata do ensino de Libras como optativa. Neste caso as turmas são compostas com aproximadamente 40 alunos de vários cursos.

A turma em questão é formada por alunos dos cursos de psicologia, educação física, direito e engenharia civil. Eles têm bases e experiências acadêmicas distintas, bem como diferentes expectativas diante da disciplina. Antes de aprender Libras, eles precisam se sentir acolhidos, incluídos e protagonistas no processo de inclusão de surdos e ouvintes para que a barreira comunicacional geradora de preconceitos seja superada. Como se trata de ensino de língua, ainda que em nível básico, o tempo mínimo estimado que proponho é de um semestre.

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Esclareço a eles que o objetivo desta disciplina é humanizar os atendimentos, estimular a relação com os sujeitos objetos de estudos através da comunicação com pessoas surdas por meio da Libras e, de surdocegas, por Libras tátil e, desta forma, promover a cidadania.

A fim de atingir os objetivos desta disciplina, inicialmente os alunos vivenciam experiências de autoconhecimento, da importância do Eu e do Outro na construção do Nós. Este processo é importante para que o docente tenha um conhecimento prévio do perfil da turma. A partir deste momento, é possível discutir questões individuais para a aceitação das diferenças em dinâmicas que levam em consideração o princípio de alteridade e da empatia inteligente, da exposição da cultura surda advinda da convivência com pessoas surdas, do conhecimento da fisiologia do ouvido e de como se dá o universo de imagens de quem se comunica por meio de sinais. Neste contexto, aborda-se a questão ética para a convivência considerando a diversidade humana.

Estudantes participam de atividades com olhos vendadosArquivo Pessoal

Estudantes participam de atividades com olhos vendados

A partir da compreensão do Outro, é possível explorar, por meio da literatura, a questão fisiológica da surdez e da surdocegueira e suas implicações na vida dos indivíduos, facilitando assim a compreensão dos sujeitos em questão.

Quanto à esfera política, o aluno deve ser exposto a textos sobre a legislação para que possa se inteirar das políticas públicas inclusivistas, aguçando assim sua criticidade e sensibilidade diante da responsabilidade social.

Desta forma, pode-se considerar que o aluno desenvolveu aportes necessários para aquisição da Libras, não apenas como disciplina acadêmica, mas também como interface que garante a acessibilidade comunicacional. Isso se dará de forma natural com o sujeito surdo e deve ser inserido de forma contextualizada valendo-se do alfabeto datilológico, dos parâmetros e da gramática durante o processo de aquisição de vocabulário. Essa mediação deve transcorrer no formato de oficinas de conversação entre surdos e ouvintes.

Há que se considerar que em todo o período de aquisição da Língua devem ser desenvolvido, concomitantemente, comportamentos inclusivistas que abordem temas referentes à acessibilidade e o respeito à diferença.

A avaliação deve ser processual e contínua com retorno avaliativo imediato para evitar vícios de linguagem e, por se tratar de uma metodologia participativa e colaborativa, não se deve penalizar “erros” e sim valorizar os acertos, de modo que os alunos sintam-se sempre estimulados a aprender mais.

Para o processo de aquisição da língua, adotei a metodologia ativa via técnica do role play, na qual alunos são estimulados a atuar em determinado contexto, interpretando papéis específicos e, a partir de simulação, espera-se que os alunos atuem de acordo com o esperado em sua situação real numa perspectiva learning by doing (aprendizagem na prática).

Para que tal perspectiva seja efetivada, em todas as aulas há presença do instrutor surdo legitimando a avaliação de forma processual e contínua que se dá na prática, próxima às situações reais do cotidiano da pessoa surda, sendo que os alunos desenvolvem atividades em duplas e/ou em grupos e se autoavaliam durante conversação com o surdo.

Com olhos vendados, alunos disputam partida de futebol para cegosArquivo Pessoal

Alunos participam de jogo de futsal com regras adaptadas para cegos

Durante o semestre, levo os alunos a perceberem a importância de promoverem a comunicação com a pessoa surda, visto que estes indivíduos estão em todos os segmentos da sociedade, com direitos e deveres, cujo êxito depende da superação da barreira comunicacional e, consequentemente, atitudinal.

A partir desta percepção, fruto de convivência/reflexão/convivência proponho aos alunos que pensem ações pautadas na viabilização de acessibilidade, que de alguma forma possam contribuir para a comunidade.

Desta forma, ao final da disciplina, eles apresentam material adaptado para pessoas cegas, tais como a proposta de construção de rampas móveis para pessoas com mobilidade reduzida, projeto arquitetônico para adequação de escola pública no município de Alfenas, esporte adaptado para cegos, vídeos que abordam o atendimento psicológico da pessoa surda; além de fazer interpretação em eventos e nas igrejas e a produção de cartilha informativa. E o que era para ser apenas o cumprimento de lei, é ressignificado e efetivado em ações transformadoras.


Maria Cristina da Silva

Graduada em letras, especialista em metodologia do ensino, em educação especial e em deficiência auditiva-surdez-Libras. Certificada em proficiência na tradução e interpretação de Libras-Língua Portuguesa-PROLIBRAS. Docente na Escola Municipal Antonio Joaquim Vieira. Docente na Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS), onde também ocupa os cargos de coordenadora dos cursos de pedagogia e de psicopedagogia institucional e clínica com ênfase na inclusão. Também possui mestrado em sistemas de produção na agropecuária pela Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS).

TAGS

aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem colaborativa, ensino superior, inclusão

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