Como a Gates Foundation conecta professores e startups
Henry Hipps, executivo da ONG, diz que é importante pensar na oferta e na demanda para construir um ecossistema no qual as melhores soluções entrem na sala de aula
por Vinícius de Oliveira 1 de setembro de 2015
Com quase 100 mil escolas e 3,5 milhões de professores, os Estados Unidos encontram um desafio enorme para levar inovação à sala de aula. Apesar de ter capital circulando em quantidade e velocidade muito maiores que no Brasil, as dimensões do país, a estrutura administrativa descentralizada e a burocracia tornam o mercado de soluções tecnológicas fragmentado, o que deixa milhões de alunos distantes de um ensino personalizado.
Para ampliar as oportunidades de todos os estudantes e professores, a Bill & Melinda Gates Foundation atua de diversas maneiras no setor educacional, seja por meio de doações, investimento em empresas ou em rede de escolas. No Brasil para participar da terceira edição do Transformar, Henry Hipps, executivo da ONG (Organização Não-Governamental), participou de reunião na sede da Fundação Lemann que contou com a participação de Porvir/Inspirare, empreendedores e representantes de fundos de impacto social.
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Na conversa, o Hipps detalhou como a Bill & Melinda Gates Foundation procura atuar tanto na oferta quanto na demanda. Em educação, isso significa olhar para empresas que produzem tecnologia e também para o que acontece na outra ponta, com escolas e distritos, tanto os mais inovadores, já aptos para receber plataformas ou aplicativos, ou aqueles que precisam de um trabalho de conscientização. “Estamos começando a olhar para o meio da curva e entender como podemos apoiar a criação de escala para trabalhar com o que acreditamos. É um grande desafio levar transformação à escola e ao professor médios e fazer com que eles adotem inovação”, diz.
Segundo o executivo, assim como acontece em outros países, nos EUA as instituições de ensino gastam milhões sem saber como as soluções digitais vão impactar o jeito de ensinar e de aprender. “Elas são comandadas por educadores que se preocupam mesmo com as crianças, mas não sabem nada sobre negócios, ou também por burocratas, que também não entendem nada do assunto”, diz.
Para o representante da Bill & Melinda Gates Foundation, a melhor forma de combater o desperdício de dinheiro público é buscar a capacitação para que a negociação com fornecedores aconteça em outro patamar. E é aqui que a Gates Foundation se posiciona, tentando conectar a demanda e a oferta para que um gestor tenha condições de abordar um desenvolvedor de maneira mais incisiva: “Isso é o que precisamos. Se você conseguir fazer e entregar com esse nível de serviço, eu posso comprar”.
Estudos
Com o objetivo de fazer um raio-x da situação dos distritos escolares, a organização realizou um estudo quantitativo e qualitativo chamado Teachers Know Best (Professores sabem melhor), que foi apresentado por Hipps no Transformar 2015. Além de elencar os aplicativos favoritos da comunidade escolar e segmentar os professores de acordo com o nível de uso de tecnologia, os dados mostram onde estão os buracos no desenvolvimento e de penetração dos softwares educacionais, como aqueles voltados à alfabetização, que existem em número menor que os de matemática, nos Estados Unidos.
Com o estudo em mãos, a ONG criou um desafio de US$ 5 milhões para fomentar a criação de plataformas que ajudem alunos a melhorar a escrita. Entretanto, Hipps afirma que a estratégia é ir além da injeção de capital e fazer um trabalho de conscientização. “Parte do papel dos investidores de impacto social não é só o dinheiro, mas ter a capacidade de identificar empresas e criar oportunidades”, analisa.
Um outro benefício do Teachers Know Best foi jogar luz sobre o que funciona ou não na opinião dos próprios professores. Entre outros destaques, os dados mostraram docentes buscam em primeiro lugar ferramentas que poupem tempo de aula e que tornem tarefas como correção de prova mais rápidas e fáceis. “Uma das coisas interessantes é que professores, assim como acontece com quaisquer outros profissionais, tendem a avaliar melhor as coisas que eles mesmos construíram. Por terem se envolvido com o processo de seleção, isso deve ser considerado melhor. Só que às vezes não é”, alerta.
O Teachers Know Best também serviu como alicerce a outra pesquisa, denominada Teachers Wallets (Carteiras dos professores), que tem como objetivo mostrar o que acontece quando é dado ao professor poder para decidir quais ferramentas comprar. “É um estudo que ajuda a explicar o que está errado no mercado educacional. Muitas pessoas dizem que os processos de licitação são uma droga e que por isso as coisas não funcionam. Na verdade, é muito mais complicado que isso”.
Segundo Hipps, ao longo da curva de adoção de soluções digitais, mesmo quando os professores dizem querer mais ferramentas, existem algumas cujas características eles jamais vão usar. “Os mais inovadores vão usar, mas eles são só uma parte do mercado, influente, mas relativamente pequena”.
Escolas
Como nem sempre as inovações chegam no formato e na velocidade desejadas, algumas escolas, cansadas de esperar pela movimentação do mercado, têm decidido criar suas próprias plataformas. Esse é o caso de instituições como Summit, KIPP Chicago, Merit Prep, e Intrinsic Schools.
“Um dos casos mais interessantes é o da Summit, localizada na Baía de São Francisco [no estado da Califórnia]. Eles olharam ao redor e fizeram da maneira certa. Não começaram pelas ferramentas, mas pela mudança do modelo pedagógico e do jeito com que a escola funciona. Para o mercado, também foi excelente, porque isso ajuda a ditar o ritmo e faz com que as pessoas entendam o que é possível”. Segundo Hipps, a Summit tem um projeto bem-sucedido graças a sua localização privilegiada, onde é possível encontrar desenvolvedores que se preocupam com a educação. “Eles não só estão construindo novas ferramentas, mas também trazendo fornecedores”, descreve.
Integração
Para facilitar o encontro de professores e empreendedores, o Departamento de Educação dos EUA tem criado polos de inovação em diferentes regiões do país. Segundo Hipps, esse é um dos mecanismos ideais para encontrar distritos que estão fazendo um trabalho relevante. “Eu amo essa ideia. Esses polos ajudam na qualificação de empreendedores ao mostrar como são as práticas e quais são as ferramentas necessárias”, diz.
Em um conselho aos representantes de fundos e aos empreendedores presentes à reunião, Hipps reforçou a ideia de que a maior parte do problema não é a injeção de dinheiro. “Precisa ser feito um trabalho na demanda para mudar o jeito que as coisas são compradas e implementadas e valorizadas”. Do contrário, segundo ele, o setor pode assistir à criação de uma bolha em que muitas empresas tentam fazer as mesmas coisas, que correm o risco de nunca chegar às mãos dos professores. Com o tempo, investidores podem seguir para outro caminho e os estudantes saírem perdendo.