Como lidar com o excesso de notícias difíceis na escola
Psicólogos e educadores ouvidos pelo Porvir orientam como abordar temas que contêm violência em sala de aula e sugerem ações propositivas para transformar o debate
por Ana Luísa D'Maschio 8 de novembro de 2023
Aos 14 anos, Madalena começou a se afastar dos amigos durante o intervalo da escola. Ficava em um canto, cabisbaixa, rolando a tela do celular, sem querer conversar com ninguém. Depois de passar alguns dias observando o comportamento da garota, a coordenadora decidiu puxar assunto. Com cuidado, sentou-se ao seu lado e perguntou se ela estava bem. Quis saber o que prendia tanto a atenção no aparelho a ponto de não aproveitar a pausa das aulas para descansar ou bater papo com os colegas. Madalena mostrou seu Instagram: seguia dezenas de contas de influenciadoras de moda que, agressivamente, falavam sobre o corpo magro como única forma de beleza. Madalena contou que se sentia feia, que não conseguia se olhar no espelho por se achar gorda, uma situação que a levou a evitar comer, chegando ao ponto de desmaiar por não querer ganhar peso.
A coordenadora, então, passou a ter conversas semanais com a estudante. Todas as quintas-feiras, a levava até sua sala para mostrar outras fontes de notícias sobre alimentação saudável, ajudando a menina a deixar de seguir as blogueiras e as páginas relacionadas à gordofobia que tanto faziam mal para sua autoestima. Sozinha, Madalena havia se tornado vítima do “doomscrolling”, neologismo em inglês que descreve o hábito de acompanhar compulsivamente notícias negativas e tristes na internet, sem se dar conta ou pensar criticamente sobre elas.
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Madalena é um nome fictício, mas a história é real, vivida pela educadora Ana Carolina D’Agostini, quando atuava como gestora de um colégio em São Paulo. “A raiz de todo o problema da aluna passava por esse bombardeio diário que ela tinha e a fazia se sentir inadequada, fora do padrão de beleza”, explica Ana, que também é psicóloga e, atualmente, trabalha como consultora do Instituto Ame Sua Mente e como gerente de conteúdo da Semente Educação. “Podemos mudar esse tipo de relação de consumo. Assim como pensamos nos alimentos que ingerimos, a informação é um alimento para o nosso cérebro. Temos de ensinar crianças e adolescentes sobre isso desde cedo”, recomenda.
Lidando com notícias difíceis no dia a dia
Como no caso de Madalena, o excesso de notícias ruins também pode provocar o que a psicologia chama de gatilho mental ou emocional, ou seja, a capacidade de desencadear sentimentos intensos (e na maioria das vezes negativos), como raiva, angústia ou medo, e até mesmo trazer à tona memórias desagradáveis sobre algo vivido.
Em tempos como os atuais, nos quais vivenciamos crises climáticas e extremismos nas escolas, guerras civis e crises humanitárias, sem contar a violência cotidiana, como abordar esses assuntos em sala de aula sem fugir da realidade, mas sem causar pânico?
“Não há como não falar sobre essas notícias, não há como deixar de entrar em contato com os sentimentos que elas causam. Mas precisamos ter um olhar crítico para entender os limites, e não consumi-las apenas de forma passiva”, sugere Ana. Ela reforça que o lado negativo é, evidentemente, muito mais forte, mas é preciso lembrar que há muita gente se mobilizando para transformar esses cenários.
“Quando falamos das enchentes, por exemplo, precisamos pensar: o que podemos fazer no nosso bairro e na nossa escola para colaborar com o meio ambiente? Somos sujeitos históricos, temos um nível de atuação. Claro, há pessoas em posições de liderança que podem tomar decisões muito maiores, mas todos podemos fazer algo. Lidar com assuntos difíceis passa por esse momento de proposição”, diz Ana.
De acordo com a psicóloga Elaine Alves, tudo sempre precisa ser muito claro com os estudantes: segredos e mitos não devem existir. “Quanto mais você fala de uma maneira natural, mais você permite que o outro possa se expor. Quando você não fala, o outro entende que se trata de algo proibido e ele silencia. Isso se torna perigoso”, explica.
É papel da escola abordar, por exemplo, a questão das guerras. É preciso ter entendimento histórico sobre os conflitos, diz Elaine. “Como isso nos acomete? Uma das consequências são as imigrações: quando são obrigados a sair do seu país, os imigrantes têm de abandonar tudo na vida. Como podemos recebê-los? Precisamos falar sobre questões ligadas à humanidade e à solidariedade. Se os estudantes não estiverem abertos para esse debate, podemos sofrer com preconceito, discriminação e bullying quando esses imigrantes vieram para as nossas escolas”, ressalta. “Precisamos adotar um novo jeito de olhar, pensando no acolhimento. Guerras não trazem nada positivo, mas é importante entender que podemos acolher pessoas em sofrimento intenso”, diz.
Estêvão Zilioli, coordenador de inovação do Colégio Super Ensino, de Ourinhos (SP), aponta o papel da humanização para trabalhar a empatia do aluno em relação a conflitos armados e desastres distantes de sua realidade. “Temos o desafio em manter a empatia desse aluno, privilegiado por não estar em uma situação de guerra ou de enchente, para que enxergue, de fato, aqueles que vivem essas situações.”
O cuidado deve ser redobrado quando professor e suas turmas são moradores das áreas associadas à notícia. “Quando falamos de crise climática, por exemplo, quem dá aula na Região Norte está sofrendo com a seca; quem está na Região Sul vivencia os desastres naturais com as chuvas. Uma recomendação nesses casos é trazer dados relacionados ao tema. Especialmente para as turmas que podem estar diretamente envolvidas nessas situações, eu teria esse cuidado de trazer mais dados e menos matérias que sejam personificadas, pois os alunos já estão muito ansiosos”, sugere.
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O papel da educação midiática
Facilitador do EducaMídia – iniciativa do Instituto Palavra Aberta que tem por objetivo fornecer suporte e ferramentas para que crianças e jovens desenvolvam habilidades para consumir informação de forma segura – Estêvão propõe, ainda na temática da educação ambiental, que os professores levem à sala pesquisas diversas sobre a alteração das chuvas e notícias que façam relação com a temperatura global. “Debater as metas que o país já conseguiu cumprir e os cuidados que as nações estão tendo pode mostrar que o desfecho não será necessariamente catastrófico.”
Para as crianças pequenas, inclusive, é preciso ainda mais cuidado na maneira com que as informações mais difíceis são transmitidas. “A mãe de um aluno me contou que, quando quebrou o filtro da casa, ele achou que a água do planeta tinha acabado, pois a professora disse que isso iria acontecer. Quando abriu a torneira e não tinha água, o menino entrou em desespero. Eles tornam tudo muito concreto”, exemplifica Estêvão.
Preparo antes de abordar alguns temas
Coordenadora do Niped (Núcleo de Intervenções Psicológicas em Emergências e Desastres), Elaine Alves e sua equipe atuam em escolas que recentemente atravessaram episódios de extremismo. Ela sugere que os professores façam rodas de conversa semanalmente para perguntar como a turma se sente. “Tenho feito isso nas escolas que foram atacadas. Alguns são mais quietos. Mas sempre tem aqueles que se colocam e isso estimula os outros a participar e também falar sobre temas muito difíceis, como suicídio ou automutilação”, comenta.
Ela pondera, no entanto, que os educadores precisam estar preparados e treinados para abordar essas temáticas, seja pelas secretarias municipais e estaduais de ensino, seja por meio do apoio de grupos de pesquisadores e psicólogos. Estêvão também considera que o professor deve fazer uma análise prévia para entender se tem condições de trabalhar esses temas, que podem mexer muito no que se refere ao ponto de vista sentimental.
“Funcionários, professores, alunos e famílias, todos ficam muito impactados com os ataques nas escolas; algo que era raro se tornou um pouco mais comum. São temas e notícias que geram grande comoção”, diz Estêvão. Neste sentido, ele também sugere que a abordagem esteja voltada às maneiras de prevenir esse tipo de violência, bem como à criação de um ambiente escolar mais acolhedor.
Ana Carolina D’Agostini segue a linha de raciocínio de Estêvão. “Quando se fala de violência na escola, isso é a ponta de um iceberg. Fala-se de convivência, de bullying, de sofrimentos invisibilizados. É preciso pensar em um plano de ação para melhorar a convivência na escola”, complementa. “Promover debates de maneira respeitosa, nos quais cada um possa falar e se sentir ouvido é importante. Crise climática, violência nas escolas e guerras são coisas que infelizmente acontecem, e não podemos impedir. Mas podemos sentir como esses assuntos nos tocam e pensar criticamente para que o mundo possa tomar outros rumos também”, reflete Ana Carolina.
Ofereça – e procure – ajuda
O simples fato de perguntarmos a alguém como essa pessoa está se sentindo e se colocar à disposição para conversar pode fazer muita diferença. “Seja só para ouvir, seja para compartilhar que você também sente dificuldade em ler todas essas notícias, isso é uma ferramenta poderosa. A atitude cria um espaço seguro para que a pessoa fale como se sente, e o senso de comunidade e de pertencimento é altamente protetivo para a saúde mental”, diz a psicóloga Ana Carolina.
Os especialistas ouvidos pelo Porvir também orientam: não tenha medo de pedir ajuda quando as coisas não estão bem, e isso vale também para os educadores. Além de consultar a equipe da escola para entender possíveis encaminhamentos, há canais gratuitos de apoio, tanto para estudantes quanto para professores, que podem ser um passo nessa busca por apoio. Ana Carolina recomenda três deles:
- Pode Falar: Canal online de ajuda em saúde mental criado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) para jovens entre 13 e 24 anos. O projeto funciona todos os dias, exceto domingos e feriados, das 10h às 22h. Fora deste horário, a página recomenda o acesso ao CVV (Centro de Valorização da Vida), que oferece atendimento pelo telefone 188 (24 horas e sem custo de ligação), por chat, e-mail e pessoalmente.
- Mapa da saúde mental: O site reúne serviços públicos de saúde mental disponíveis no país, além de serviços de acolhimento e atendimento gratuitos ou voluntários realizados por ONG e instituições filantrópicas.
- Ame Sua Mente: De atendimentos emergenciais à situações de violência, o site traz um mapeamento de diversos serviços de saúde mental no Brasil.