Diálogo e aulas mão na massa estimulam frequência de turma do fundamental 1
por Luciene Mára de Lima 8 de junho de 2022
Sou professora na Escola Municipal Professor Mário Bergamasco, localizada em Jaguariúna, interior de São Paulo. Uma escola periférica, que atende a estudantes do 1º ao 9º ano, e conta com um perfil histórico de elevado número de faltas. Faltas estas que comprometem a aprendizagem ano a ano.
Mesmo com todas as intervenções feitas pela escola, antes e durante a pandemia, a reincidência das faltas continuava. Pensei em uma maneira de atuar neste contexto de uma forma na qual os próprios alunos quisessem quebrar este ciclo.
Minha turma é o 4º ano A. No início de 2022, fiz um levantamento de documentos, além de conversas com gestores da escola, para entender quais alunos apresentavam mais faltas e também o seu respectivo desempenho escolar. Organizei, já na primeira semana de aula, alguns momentos para conversar com esses estudantes, no intuito de identificar o motivo destas faltas.
Realizamos rodas de conversas, e eles foram convidados a dizer o que gostam e o que não gostam na escola, como se sentiam com o retorno das aulas presenciais, quais atividades preferem e os respectivos motivos, qual a importância da escola na vida deles… Ouvi respostas variadas e incríveis, como: “É chato vir na escola, porque tem que ficar escrevendo”, “Na minha casa eu brinco, aqui não dá tempo nem no recreio, prô!”, “Eu gosto só do parquinho”…
Ouvir as crianças me faz repensar no papel da escola enquanto educação para a vida. As falas e justificativas que eles deram realmente apontam para a necessidade de mudarmos o nosso formato de aula. Baseada nas falas da turma, com o apoio da gestão da escola e do Programa Escolas Criativas, venho buscando “quebrar muros e construir pontes”. Ainda bem que existem pessoas engajadas em mudar o ambiente escolar.
Passei, então, a oferecer ciclos contínuos baseados nestas questões, a fim de traçar a abordagem dos conteúdos curriculares com base nas curiosidades dos alunos. Além de só encontrar semelhanças entre curiosidades e vontades aliadas à aprendizagem, procuro oferecer práticas de fato relevantes, significativas e mão na massa para eles. O meu foco está em proporcionar aulas nas quais o conhecimento pode ser divertido, curioso e engajador ao mesmo tempo em que os próprios alunos consigam perceber a importância destas aprendizagens para a vida.
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Nas aulas da nossa turma, os estudantes se agrupam de formas diferentes: trabalham em duplas, trios, equipes maiores (dependendo da proposta das aulas, dos interesses e até das habilidades). Eles escolhem os agrupamentos em muitos momentos e, por vezes, eu escolho também com base nas necessidades. E quando eu escolho já não há dificuldade, pois aprendemos juntos a importância de não fazer sempre a mesma coisa e no mesmo formato: mudar as parcerias e estratégias é necessário, sempre.
As aulas envolvem criações com muita mão na massa, como carro de papelão para vestir, “dinheiro” personalizado para o mercadinho da turma, pinturas rupestres, ampulheta, localização na prática com Google Earth, enfim… São variáveis criadas a cada oportunidade do ouvir, do avaliar e se autoavaliar.
O carro de papelão, por exemplo, foi resultado de uma sequência de atividades envolvendo a música “Dirigindo meu carro”, da Xuxa: iniciamos ouvindo a música, reconhecendo as sonoridades e cantando. Em seguida, realizamos a escrita de alguns sons trabalhando as ortografias (regular e irregular) e também elencando lugares que poderíamos ir com o carro. A escrita, neste momento, não se tornou enfadonha, pois está dentro de uma proposta de imaginação e criatividade. Alguns alunos escreveram que iriam até a casa de um amigo ou vizinho, outros foram para outras cidades e houve quem desejou ir para outros países.
O trabalho com a música passou por problemas matemáticos, envolvendo medidas não convencionais e estimativa, escrita com segmentação convencional, uso de pontuações, compreensão textual e estruturas de gêneros, além de muita cantoria. A ideia de usar um carro de papelão para vestir surgiu dos próprios alunos, Como já era a aula de sexta-feira, combinamos que levariam os materiais e fariam em casa o próprio carro com o apoio dos pais, para que todos “viessem de carro” para a escola na segunda-feira, inclusive a professora. A diversão foi garantida e eu também preparei o meu carro para participar da brincadeira:
Nas aulas de história, com o tema “formação do povo brasileiro”, pude perceber que os alunos não estavam interagindo muito devido a abstração da temática. Propus, então, o desafio para a localização dos países em questão por meio do Google Earth no notebook. Em grupos, os alunos pesquisaram e localizaram os países em questão, mas a oportunidade gerou curiosidade e desejo de explorar. A aula de história passou a ser também aula de geografia, ciências, língua portuguesa e matemática:
Confesso que não é uma tarefa fácil. Seria mais simples seguir atividades com alunos enfileirados o tempo todo, realizando a mesma proposta sempre sem levar em conta seus interesses pessoais. Entretanto, escolhi não seguir o modelo de educação bancária, como ensinou Paulo Freire, e sim atuar como mediadora e “provocadora” das aprendizagens.
Para muitos, ainda parece que esta realidade em sala de aula é distante. Contudo, além de ser muito mais prazerosa, é também enriquecedora. Na turma do 4º ano A, tivemos não só a redução do número de faltas, como também a empolgação dos alunos em sala de aula e depoimentos na Reunião de Pais e Mestres, como: “Meu filho nunca gostou tanto da escola. Ele chega empolgado todos os dias”, “Minha filha não queria vir para a escola. Agora com as suas aulas ela me cobra todos os dias para não faltar. Não quer ir para a praia, pois vai perder as aulas”, “Estou muito feliz com a minha filha, pois ela era tímida e não tinha amigos. Agora ela sempre chega contando sobre o grupo e a atividade que participou”…
Estou abordando aqui uma inovação, ao meu ver, muito simples: aliar todos os recursos que temos na escola, independentemente se são muitos ou poucos, a um exercício de diálogo contínuo para com nossos alunos. As crianças querem encontrar seus espaços na escola e construir seu próprio caminho, mas para isso precisam do apoio de adultos prontos para auxiliar nesta jornada. Adultos alinhados e em parceria: professores, pais e gestores.
Aprender junto com o outro, baseado em interesses e curiosidades, não só garante a presença, mas torna o ato de brincar e imaginar como um valioso instrumento para a vida toda!
Luciene Mára de Lima
Cursou magistério, com graduação em letras e pedagogia. Tem especialização em educação ambiental, psicopedagogia e educação empreendedora. Professora alfabetizadora com experiência em gestão escolar, é formadora pelo PNAIC (Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa). Vencedora de prêmios nacionais de Educação, como o DAC (Desafio de Aprendizagem Criativa 2020) e Fundo Garagem Educação, em 2021. Responsável pela implementação de projetos relacionados à inclusão e à aprendizagem criativa na Rede Municipal de Jaguariúna. Atualmente, é professora e formadora no Programa Escolas Criativas.