Do oxente para o uai: um intercâmbio de saberes entre estudantes de Minas e Pernambuco - PORVIR
Emmanuela Silva/Arquivo pessoal

Diário de Inovações

Do oxente para o uai: um intercâmbio de saberes entre estudantes de Minas e Pernambuco

Professora do ensino fundamental trabalha história, arte e língua portuguesa por meio da troca de saberes e de materiais entre duas escolas de estados diferentes

por Emanuella Fernanda Beserra da Silva ilustração relógio 19 de maio de 2023

A distância entre Carpina (PE) e Montes Claros (MG) é de mais de 1,6 mil quilômetros. Via BR-116, são quase 25 horas de estrada. Mas para as turmas do 5º ano da Escola Municipal Bela Vista, em Pernambuco, e da Escola Professora Hilda Carvalho Mendes, em Minas Gerais, a lonjura não representa qualquer problema. Melhor ainda: rendeu uma troca de cultura e de saberes inédita para os estudantes. 

O projeto “O sim do oxente para o uai – a resposta para o intercâmbio artístico e cultural de Carpina (PE) e Montes Claros (MG)” nasceu de um convite da professora Cassia Cilene Barbosa de Souza, da escola mineira. Temos um grupo do Prêmio Educador Nota 10, do Instituto Alpargatas e logo que surgiu a ideia, não pensei duas vezes. Contei com a professora Andréa Cristina Gomes Milo Simões para criar a prática pedagógica realizada em 2022 que compartilho abaixo. 

As cartas dos alunos de Minas Gerais chegaram primeiro, pelo correio. Supercuriosas, cada criança da minha turma recebeu uma delas. E, para respondê-las, não trabalhamos apenas com o texto – estendemos as atividades para algo ainda maior em sala de aula. 

Para trabalhar geografia, localizamos Montes Carlos no mapa. Na leitura das cartas recebidas, as crianças mineiras contavam sobre uma mascote da escola, uma boneca chamada Hildinha. Conhecê-la foi nossa próxima ação: para isso, fizemos uma videochamada, que se desdobrou em um exercício ligado à produção de histórias ficcionais. Propus aos meninos e meninas que apresentassem a Hildinha a nossa cidade e a diferentes locais do nordeste brasileiro, como as principais praias da região. O resultado foi um livro individual, escrito e ilustrado pelos alunos, intitulado “As aventuras de Hildinha”. Todas as obras foram apresentadas à escola. 

Clique na foto abaixo para ver a galeria de imagens:

Agendamos mais uma chamada em vídeo, para que os estudantes pudessem seguir trocando. Todos tiveram a oportunidade de se apresentar e identificar os autores das cartas, mas sentiram falta da Hildinha nesse bate-papo. Como estávamos passando por um período de chuvas que destruíram muitas cidades nordestinas, nosso bem-estar foi um dos interesses das crianças. 

Estávamos no mês junino e as festas de São João são muito tradicionais, especialmente aqui no Nordeste. Por isso, minha turma filmou suas ruas e suas casas, mostrando como investimos na decoração e na comida típica. Os alunos também enviaram vídeos preparando as receitas em casa, com convites para participar das festas e experimentar os pratos. 

A merenda da escola também ganhou destaque, quando apresentamos pratos aqui da região, como o mungunzá (canjica branca de milho) e o cuscuz, que fazem parte do nosso cardápio. A cozinheira da nossa escola mostrou o preparo e registramos tudo, inclusive as crianças apreciando as delícias no intervalo.

Familiares e amigos dos alunos, que viajavam para municípios próximos de Carpina, faziam questão de registrar as festas juninas locais: shows, quadrilhas e os trajes coloridos foram gravados e compartilhados para que a turma de Montes Claros pudesse sentir a alegria da festa que realizamos por aqui. 

Também montamos uma caixa com objetos característicos das nossas festas juninas para enviar para Minas Gerais. No pacote, colocamos estandartes coloridos, uma boneca articulada da Hildinha junina, lamparinas, peneiras com decoração artesanal e muitos cordéis. Os sabores não poderiam ficar de fora, por isso mandamos os tradicionais bolos de rolo e doces de guarabira (espécie de goiaba). 

De Montes Claros, recebemos vídeos sobre o folclore da cidade, com cortejos e desfiles de grupos que contam a história da colonização do Brasil. O grupo Marujada representou os europeus em suas caravelas; os Catopês representavam os negros que foram escravizados para o trabalho e os Caboclinhos representavam os indígenas. Nós nos encantamos pelas práticas e organizamos aulas para tratar do assunto, com o apoio da Associação de Catopês de Montes Claros. Fizemos uma releitura da festa para que todos conhecessem a rica cultura. 

Dividimos com eles as nossas apresentações de maracatu e frevo, nosso desfile de 7 de setembro. E, para encerrar as atividades, realizamos, no dia 15 de setembro, uma tarde de autógrafos na escola para que as crianças assinassem seus exemplares de “As aventuras de Hildinha” para famílias, amigos e comunidade. Mães, pais e responsáveis foram convidados a escrever a biografia de seus filhos, que acompanhava o livro e, na cerimônia, cada um leu a homenagem para as crianças.

Também recebemos uma caixa da escola de Montes Claros, com artesanatos locais e ingredientes típicos, como o pequi, doce de leite e goiabada. A embalagem ainda trazia um atlas geográfico e cultural da cidade, o livro “Zezinho Catopê”, que narra o universo folclórico do Mestre Zé Expedito, conhecido por ter atuado por mais de 60 anos nos grupos folclóricos da cidade e das Festas de Agosto. Ganhamos, ainda, cartas nominais a cada aluno e dois bonecos representando o que foi bastante marcante neste intercâmbio: uma boneca da Hildinha e um boneco do menino Catopê.

O que mais me motivou a buscar essas inovações no projeto foram as atividades trabalhadas de várias formas. Promovemos oportunidade para todos, com memórias que ficarão por toda a vida. Buscamos promover a cultura de paz, a cidadania global e a valorização da diversidade cultural, bem como a contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável, garantindo a abordagem do ODS 4 (Objetivo do Desenvolvimento Sustentável), que trata da educação de qualidade. 

Na correspondência, pudemos observar a evolução dos meios de comunicação, pesquisar a cultura e a culinária nordestina e valorizar os saberes vindos de Montes Claros. Além de estudar história, geografia, artes e português, a troca de experiências promoveu a inclusão social, cultural e digital dos participantes, e ampliou o interesse cultural dos meus alunos, ampliando suas visões de mundo por meio da aprendizagem com novas culturas e realidades. 

O projeto deixou um legado bonito, que compartilho aqui com as palavras que ouvi de uma mãe: palavras de uma mãe: “Se a gente não pode viajar, a cultura vem até a gente”.

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Emanuella Fernanda Beserra da Silva

Formada em pedagogia pela FALUB (Faculdade Luso-Brasileira), é professora polivalente do 5º ano da Escola Municipal Bela Vista. Venceu o Prêmio Educador Nota 10 do Instituto Alpargatas, em 2022, pelo projeto.

TAGS

aprendizagem baseada em projetos, cultura, educação mão na massa, ensino fundamental, Finalista Prêmio Professor Porvir, Prêmio Professor Porvir

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