Educação inclusiva: transparência na comunicação entre família e escola é fundamental
Ter abertura ao diálogo e clareza na comunicação com as famílias são posturas essenciais para que as escolas promovam a inclusão
por Ruam Oliveira 13 de março de 2023
Essa reportagem foi atualizada dia 15 de março de 2023
No dia 15 de março de 2023, Gabriel Dantas, ou somente Gabi como é conhecido pelos amigos e família, completa 12 anos. Ele tem duas irmãs: Maria Rita, de 10, e Cecília, de 5. Em breve, o time vai ganhar um reforço com a chegada de um irmãozinho. Filho de Marina Dantas, formada em estatística pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Gabi possui paralisia cerebral em decorrência de complicações na hora do nascimento.
Na semana em que ia completar dois anos, o Gabi ingressou na escola e lá ficou por 10 anos. Integrante de uma turma regular, foi neste espaço que ele construiu amizades, influenciou e foi influenciado pelo ambiente. “A escola não é só o resultado. Não é o que ele vai ser, mas o que ele é, a trajetória dele. É um lugar de proteção, de segurança e de aprender a viver em sociedade”, diz Marina.
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Para ela, a parceria entre a escola e a família foi fundamental para a inclusão do Gabi na participação ativa junto à turma. Eliane Ramos, professora, fonoaudióloga educacional e clínica e membra do NEPI – UFMS (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Inclusão, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), pontua que quando o assunto é o relacionamento entre escola e família, o estranhamento deve vir da ausência de abertura na comunicação.
Ela argumenta que as escolas ocupam um território e estão inseridas dentro da lógica e das demandas ali presentes. “A escola que está fechada ao diálogo com a comunidade precisa com urgência se abrir, e aquela que está aberta ao diálogo, precisa constantemente dessa forma de atualizar e de tornar o diálogo mais fluido e acolhedor, com a possibilidade não só escutar, mas de entender as demandas que as famílias trazem”, ressalta a fonoaudióloga.
“Não consigo pensar em uma escola democrática e inclusiva se ela não tiver uma relação direta com as famílias e isso inclui necessariamente os alunos que fazem parte das escolas.”
Eliane Ramos, professora e fonoaudióloga
Uma educação que se faz de fato inclusiva passa pela participação de diferentes atores da comunidade escolar. Eliane salienta: na relação com as famílias, é importante que a gestão apresente as diretrizes existentes na escola. Ela exemplifica que muitas vezes famílias apresentam solicitações para serem atendidas de uma determinada forma, mas a gestão escolar pode contribuir com esses pedidos apresentando de que maneira a escola funciona e como essas solicitações podem se encaixar.
“É um processo de escuta, mas também de esclarecimento e formação. Acredito que essas coisas não acontecem em momentos isolados, é preciso haver um fluxo. Quer dizer: como as famílias vêm para escola? Existem assembleias ou grupos? Se existem muitas famílias que se interessam pelo tema da inclusão, elas encontram espaço para se reunir na escola, para debater e organizar pautas para levar para a equipe gestora?”, questiona Eliane. “Isso tem que ser considerado todos os dias na construção da escola, não só no momento em que você tem um problema muito grave que quer resolver”, diz.
Comunicação clara e constante
Marina ressalta que, durante a trajetória escolar do Gabi, a proximidade com a gestão, professores e colegas de classe foi importante e necessária para a garantia da aprendizagem do garoto.
Com o fim do ensino fundamental 1, Gabriel precisou ser transferido de escola. Em uma das últimas conversas que teve com a diretora da antiga escola, Marina reflete o quanto lhe pareceu benéfica a troca que seu filho teve com o restante da turma. “É um direito do Gabriel estar na escola, e um direito dos amigos de escola do Gabriel terem ele na sala”, afirma.
Ela reconhece que a garantia do direito à educação que seu filho vivencia passa por questões de classe. Gabi sempre estudou em escola particular e atualmente, após alguns diálogos com a escola, uma professora de AEE (Atendimento Educacional Especializado) o acompanha como forma de auxílio nesta transição. Marina reforça que se trata de uma exceção, e que a decisão de trazer um outro profissional – que antes não fazia parte da rotina escolar do Gabriel – foi uma sugestão da gestão, comunicada de maneira muito transparente, o que para ela é o principal destaque quando pensa no relacionamento estabelecido com a escola.
“O Gabriel só estudou em escola regular desde os dois anos de idade. Quando ele era pequeno, houve um período em que a gente teve uma professora de apoio, mas depois a escola achou que não precisava mais. E nesse último ano dele, foi uma decisão quase conjunta nossa com a escola. Foi numa dessas conversas transparentes [em que a direção me disse]: ‘Olha, não é obrigatório, mas a gente viu muita criança de inclusão ter dificuldade nessa transição'”, relembra Marina.
“É um direito do Gabriel estar na escola, e também um direito dos amigos de escola do Gabriel terem ele na sala”
Marina Dantas, mãe de Gabriel
Alfabetizado na escola regular, Gabi faz uso de comunicação alternativa – que como o próprio nome sugere é destinada a pessoas que não se comunicam por fala ou sem escrita funcional –, e dá sua opinião sobre a profissional de apoio. Um de seus pedidos é que os professores regulares olhem diretamente para ele e não para a professora que o acompanha, como aconteceu em algumas ocasiões. Marina destaca que esse é também um desafio. Nem todos os docentes estão preparados para lidar com pessoas com deficiência e, em muitos casos, ignoram-nas.
Confiança mútua
Ana Paula Patente, especialista em educação especial e inclusiva e criadora da Comunidade Educadoras Inclusivas, reforça a necessidade de que a escola seja sempre clara na comunicação, uma postura valorizada pela mãe de Gabriel.
“Embora possa parecer desafiador, é fundamental que escola e família estabeleçam uma relação de confiança mútua para garantir o sucesso escolar do estudante da educação inclusiva. E a chave para o estabelecimento dessa confiança é a clareza na comunicação”, diz Ana Paula. “Uma comunicação eficaz, transparente e honesta cria um ambiente seguro para que familiares e professores se sintam à vontade para compartilhar informações, preocupações e expressar suas opiniões sem reservas”, ressalta.
A especialista destaca que dificilmente as famílias compartilham informações pessoais e delicadas se não estão se sentindo com confiança para tal. E, nesse sentido, é importante que a escola demonstre acolhimento e respeito com as informações recebidas.
“Do mesmo modo, o professor de um estudante com deficiência não alcançará êxito se não tiver acesso às informações que competem à família compartilhar e que são decisivas para identificar as características singulares e únicas do estudante. Certamente o Plano de Desenvolvimento Individual do estudante, o PDI, ficará comprometido e o professor terá dificuldades em individualizar o ensino e desenvolver estratégias de ensino personalizadas”, comenta.
Entre as grandes dificuldades enfrentadas na relação entre escola e famílias, Eliane aponta que está a construção de um plano comum de atendimento educacional especializado, de acessibilidade, que unifique essas áreas e que esteja, de fato, voltado para a inclusão. Para ela, não ter esse tipo de plano faz com que as ações acabem perdendo continuidade.
Exercício de empatia
“Acho que tem que ter uma aproximação dos pais não só pelo Gabriel, mas pelas minhas filhas sem deficiência também. A criança não é segmentada, no sentido de que essa é a parte escolar dela, essa é a parte social, essa é a familiar… A criança é um todo. E essa parceria de poder estar próximo da escola pensando em conjunto é bom para toda criança”, afirma Marina.
Ana Paula pontua que é nessa troca que a escola aprende com a família e a família aprende com a escola sobre aspectos que são muito importantes como necessidades individuais, o potencial de cada estudante, quais são as melhores estratégias e como criar ambientes de aprendizagem inclusivos que beneficiam a todos os estudantes, com ou sem deficiência.
Embora possa parecer desafiador, é fundamental que escola e família estabeleçam uma relação de confiança mútua para garantir o sucesso escolar do estudante da educação inclusiva.
Ana Paula Patente, especialista em educação especial e inclusiva
De maneira geral, tanto Ana Paula, quanto Eliane, destacam que a postura da escola, sem exceção, deve ser a de compreender que todos os estudantes têm direito igualitário à jornada de aprendizagem. Em se tratando especificamente dos estudantes da educação especial, Ana Paula faz um adendo: “Cada escola deve adotar uma postura intencional e reflexiva sobre suas ações educativas para que os estudantes público-alvo da educação especial possam, cada vez mais, ter experiências exitosas em seu processo de escolarização”.
Eliane também comenta que um outro exercício é sempre o de questionar “de que maneira cada um quer ser recebido”. Levando esse exercício de empatia em primeiro plano, é possível que as escolas se organizem de maneira a lidar com as demandas apresentadas com acolhimento.
Os desafios são muitos, todos passíveis de reflexão. Marina conta que suas preocupações agora recaem sobre o futuro do Gabi. “Eu não consigo pegar uma referência de uma criança como ele para olhar como foi, como que deu certo ou não deu, porque é um contexto diferente. Há 50 anos, essas pessoas estavam em casa e não na escola.”
Antes de partir para uma nova instituição, o Gabi fez um discurso de agradecimento à escola onde estudou em nome de sua turma. Agradeceu às famílias, à comunidade escolar, aos amigos e à escola que os ajudou a construir o futuro. “O 5º ano foi parceria, risada, força, somos livres para voar”, escreveu.
Essa reportagem foi atualizada dia 15 de março de 2023