Favela Hacker leva aprendizagem criativa a escola pública do RJ
Formações para professores e alunos usam materiais de baixo custo para apresentar conceitos de programação, eletrônica e mídia
por Daiane Brasil 24 de julho de 2019
Fui capturada pela produção cultural que envolve a educação. Tudo que eu faço na vida está ligado à escola. Quando era adolescente, participei de um projeto de bairro-escola em Nova Iguaçu de educação inovadora que envolvia a cidade como um todo. Era a escola para além de seus muros. Bebi nessa fonte de forma irreversível e hoje só sei viver se for dessa forma: tudo é escola e a gente aprende em qualquer lugar.
Minha relação com a educação é essa, vim de formação de professores, cheguei a dar aula por algum período, mas logo fui entendendo que meu papel era mostrar que a educação pode acontecer em qualquer canto. Dentro da produção cultural, eu comecei a entender como é possível fazer com que uma criança tenha acesso à tecnologia da forma mais barata possível.
E o favela Favela Hacker tem tudo a ver com isso. Trata-se uma iniciativa do eLABorando (espaço de (co)criação, experimentação e aprendizagem com foco na educação e cultura inclusivas) e a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. A gente pensa, cria e reproduz metodologias ativas inclusivas para o CIEP (Centro Integrado de Educação Pública) Antônio Candeia Filho, em Acari, que virou nossa escola de aplicação a partir de uma parceria nossa com o antigo diretor da instituição. O convite era para uma formação com os professores, mas dissemos que gostaríamos de fazer isso com os alunos também.
A gente parte da criança, de coisas do cotidiano e de suas vivências. A partir daí, trazemos um elemento novo. “Por que não usar um motor ou um led?”, pergunta que serve para mostrar que elas já têm contato diário com muitos componentes de tecnologia de forma leve, seja em brinquedos, no videogame e em um monte de outros lugares. Cinco minutos após a apresentação que fazemos quando chegamos à escola eles já estão familiarizados e criando coisas novas.
Para mim isso é o mais impressionante, mesmo considerando que a escola está na periferia do Rio de Janeiro, em uma região com um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano entre os bairros do Rio de Janeiro (RJ) – Acari, onde fica a escola, registrava em 2018 IDH de 0,72 contra 0,97 da Gávea; ao nascer, uma pessoa de Acari tem expectativa de vida de 63,93 anos, enquanto no Jardim Guanabara esse número chega a 80,47 anos.
A gente montou três laboratórios dentro da escola com equipamentos e mobiliários que tínhamos em um dos nossos espaços no centro da cidade. Levamos tudo ao CIEP. Montamos um laboratório mão na massa com equipamentos como máquina de solda e impressora 3D. Além deste, junto com a secretaria, reorganizamos o laboratório de informática para aulas de programação e atividades de Scratch, e um terceiro vai ser uma sala para produção de um jornal da escola, em uma parceria com o ECO da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que começará com turmas do 6º ano.
A gente entendeu que o projeto daria resultado desde a primeira interação. Foi em um dia que a secretaria reservou para o planejamento dos professores e levamos uma formação na prática. Tínhamos acabado de fazer um material chamado “Partes do rio” e pedimos para que professores do 5º ano fizessem uma pesquisa sobre o Rio Acari, que corta a favela. Levamos material de sucata e, em uma roda, cada aluno foi apresentando o que descobriu a partir de histórias de familiares, de vizinhos ou de pesquisa na internet. A partir disso a gente realizou 30 minutos de reconhecimento do material com LEDs, baterias e motor. Depois criamos o planejamento para a construção da maquete (veja o plano de aula), que ficou com 3 metros e teve uma parte levada para a Campus Party Brasil, realizada em São Paulo.
Agora fazemos formações tanto com professores quanto com as crianças. Todas as quartas-feiras atendemos as professoras que mostram os conteúdos. A gente busca referências, e elas passam para as crianças. Sempre buscamos reaproveitar materiais, como equipamentos eletrônicos, ou materiais trazidos de casa pelos alunos.
O diferencial do nosso projeto é a criatividade. As crianças estão totalmente preparadas para criar. A gente preparou a escola para isso e temos trabalhado com as professoras. É deixar de lado a rigidez de que a resposta tem que estar certa 100% do tempo. Foi a partir da ponta, com os estudantes, que a transformação começou a acontecer. Eles começaram a se interessar e as professoras perceberam que esse era o caminho para melhorar tanto a relação das crianças com a escola quanto com a aprendizagem.
Na escola, hoje a gente faz microscópio com lente de leitor de DVD, que nasceu após formação com as professoras com o Conector Ciência, que têm um projeto de ciências incrível. É hackeamento de processos, materiais e metodologias para que a gente consiga chegar a uma educação pública de qualidade.
* Daiane Brasil integra a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa, uma iniciativa parceira do Porvir
Daiane Brasil
Educadora e maker do grupo eLABorando, atua diretamente na escolha dos materiais e soluções em eletrônica básica, mecânica e link com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a partir da metodologia em Aprendizagem criativa. Professora de formação, com uma experiência relevante em produção cultural atuei em gestão pública como Diretora do Teatro Carlos Gomes e Ziembinski da Rede Municipal de Teatros, do município do Rio de Janeiro (2015-2017) e coordenadora das oficinas Culturais da Cidade de Nova Iguaçu - Atuando na efetivação da integração em as ações de Cultura e Educação (2011-2012) Programa Bairro-Escola. Fundadora da ONG Laboratório Cultural, fundada (2009) com expressiva atuação na formação de jovens periféricos em linguagens artísticas.