Festival leva ciência para bares e restaurantes
Pint of Science aproxima cientistas do público em geral para discutir pesquisas e temas de influência no cotidiano, mas sem as formalidades do ambiente acadêmico
por Marina Lopes 17 de maio de 2018
Canecas de cerveja, petiscos e um papo sobre… ciência. Isso mesmo! Quem disse que o conhecimento científico não pode sair dos laboratórios para ocupar as mesas de botecos? Depois de três dias consecutivos, ou melhor, três noites, terminou nesta quarta-feira (16) o festival Pint of Science, que levou cientistas brasileiros para divulgarem suas pesquisas em bares e restaurantes de 56 cidades do país.
Longe das formalidades do ambiente acadêmico, entre um copo e outro (daí o nome do festival), pesquisadores se aproximaram do público para discutir assuntos como funcionamento do cérebro, levitação acústica de objetos, produção de vacinas, inteligência artificial, corrupção e notícias falsas. “Em uma palestra fora da universidade, o cientista não fica mais na posição de um professor. Ele está lá, com a cerveja na mão, para bater um papo com você, diz Natalia Pasternak Taschner, coordenadora do festival no Brasil.
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A proposta do evento é divulgar pesquisas e descobertas acadêmicas de forma clara, acessível e confiável, principalmente em um momento em que as notícias falsas se espalham com facilidade pelas redes sociais. “Tiramos o cientista de dentro da universidade, onde a população não vai, e colocamos em um lugar descontraído”, explica Natalia. “Existe uma demanda reprimida da população por ciência, uma demanda que não encontrava canal.”
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Neurociência e os efeitos da música no cérebro é tema de conversa no bar Capitão Barley, em São Paulo (SP)
Em São Paulo (SP), no bar Capitão Barley, a curiosidade por conhecimento científico reuniu uma plateia de quase 40 participantes, na segunda-feira (14), para entender mais sobre neurociência e os efeitos da música no cérebro. A conversa foi conduzida pela professora e pesquisadora Laiali Chaar, doutora em neuroplasticidade e neuroimunologia pela USP (Universidade de São Paulo).
Em quase uma hora e meia comandando a aula no bar, ela usou imagens e vídeos para tentar traduzir o conhecimento científico ao público leigo. “Hoje em dia a neurociência está em alta. Tem muita coisa de neurociência, mas poucos lugares têm informação confiável e a maioria dos artigos está em inglês”, sugere a pesquisadora para desmistificar a ideia de que o brasileiro não gosta de ciência. Na tentativa de tornar essas descobertas acessíveis para qualquer pessoa, hoje ela gerencia a página Tudo Sobre Controle Neural, que tem 30 mil seguidores no Instagram e 6 mil curtidas no Facebook.
“O que determina o gosto musical de uma pessoa?” “A música pode ser utilizada no tratamento de dores?” “Existem pesquisas que comprovam o impacto da música na terapia e reabilitação de pacientes?” Essas foram algumas das perguntas feitas por quem acompanhou a palestra. Entre os participantes, estavam desde músicos e pessoas que trabalham na área de fisioterapia até quem não tem atuação relacionada ao tema, mas está curioso para saber mais sobre o assunto. “Não é minha área de formação, mas eu sempre fui interessada no assunto. Adoro comportamento e o que motiva as pessoas a fazerem o que elas fazem”, conta a supervisora de projetos Laurisse Bizzarro, 31, que ficou sabendo do festival por uma página no Facebook.
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Atividade que aconteceu no Quiosque Colombina, Goiânia (GO) – Crédito: Divulgação / Pint of Science
Da Inglaterra para os botecos do mundo
Considerado um dos maiores festivais de divulgação científica do mundo, o Pint of Science surgiu em 2013, após os pesquisadores Michael Motskin e Praveen Paul, do Imperial College London, na Inglaterra, convidarem pessoas com Alzheimer, Parkinson, doenças neuromusculares e esclerose múltipla para conhecer laboratórios em que os cientistas realizavam pesquisas. Dessa experiência, veio a ideia de criar um evento para que os pesquisadores pudessem conversar diretamente com o público geral.
Em 2018, 21 países criaram uma versão própria do festival: Inglaterra, França, Espanha, Itália, Bélgica, Alemanha, Grécia, Irlanda, Holanda, Portugal, Rússia, Austrália, Cingapura, Tailândia, Brasil, Canadá, Costa Rica, México, Paraguai, Estados Unidos e África do Sul.
Na terceira edição brasileira do Pint of Science, que aconteceu pela primeira vez em 2015 por intermédio do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP, em São Carlos (SP), o número de cidades participantes também avançou de 22 para 56, passando a abranger municípios da região Norte, que antes não estavam envolvidos no festival.
Para o professor Adolfo Mota, coordenador do Pint of Science na região Norte, o festival é uma maneira de prestar conta ao público daquilo que é feito com os investimentos em pesquisa. E, segundo ele, não há restrição quanto aos campos de conhecimento representados no evento. “O que tentamos evitar ao máximo é pseudociência. Não limitamos por área do conhecimento. Queremos saber se aquela informação que vai ser passada para o público está baseada no método científico”, destaca.
Entre os temas que se destacaram na região Norte do país, ele destaca um debate sobre suicídio, em Marabá (PA), e uma conversa que conectou a filosofia contida no filme Avatar e os indícios científicos que consideram a possibilidade de conectar a inteligência humana com a inteligência da natureza, em Macapá (AP). Além disso, em diversos estados brasileiros, quase como uma metalinguagem, temas que trataram da fabricação de cerveja também atraíram a atenção do público na programação.
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Palestra do professor Alexandre Saron na Cervejaria Nacional, em São Paulo (SP) – Crédito: Divulgação / SENAC
Cerveja como proposta de ensino
Foi o caso do professor de engenharia de produção Alexandre Saron, do Centro Universitário Senac, que conduziu uma palestra na Cervejaria Nacional, em São Paulo (SP), para compartilhar a experiência de usar a fabricação de cerveja como proposta de ensino na engenharia de produção. “Para explicar os conceitos teóricos para o público em geral, fiz uma apresentação mais suave, com mais imagens”, indica o docente, que a partir da sua tese de doutorado verificou a possibilidade de trabalhar com a aprendizagem significativa no ensino superior. “Quem vai ao Pint of Science sabe que irá participar de um evento científico com uma abordagem descontraída”, conclui.