Na aula de matemática, por que não responder ao estudante com uma outra pergunta?
Professora de ensino superior e de educação básica mostra como é possível ensinar uma matemática que deixa de lado a repetição para se tornar mais divertida e profunda
por Dilce Cardoso 30 de agosto de 2021
Além de dar aulas para estudantes da rede pública de Arroio do Sal e para alunos de pedagogia na Faculdade Antonio Meneghetti, em Restinga Sêca, ambos municípios no Rio Grande do Sul, dedico parte do meu tempo para a formação de professoras e professores na rede pública de ensino em um projeto que tem como objetivo central levar o professor(a) a compreender a matemática de um jeito diferente.
Uma vez por semana, nós nos reunimos por duas horas e meia para estudar métodos de ensino que ampliem nossa visão no ensino da matemática. Usamos como base as abordagens de Mentalidades Matemáticas, que são uma forma de mostrar a matemática mais aberta, criativa e visual. A neurociência também é estudada, pois ela diz que qualquer pessoa é capaz de aprender matemática em altos níveis. Os encontros acontecem na Escola Municipal Governador Leonel Brizola em Arroio do Sal, com professores da educação infantil e dos anos iniciais, local em que os docentes atuam.
Os professores, principalmente dos anos iniciais, acabam reproduzindo alguns traumas de matemática sofridos durante a própria formação e isto às vezes é passado aos alunos inconscientemente. Trabalhamos para que isso não ocorra, e eles possam mudar seu relacionamento com a matemática. Ao todo, trabalho com 16 docentes que atuam entre a pré-escola e o quinto ano.
Além do currículo que precisamos desenvolver aqui na rede, incluo sempre atividades que mostram a matemática de um jeito mais visual e concreto. Existem técnicas e metodologias que acabam revelando uma matemática divertida, que envolve jogos, mas não se pode aprender matemática apenas por meio de jogos. Tudo o que os estudantes aprendem precisa ser profundo e por meio de conceitos. Só que esse conceito tem várias maneiras de ser transmitido.
Leia mais:
- Baixe infográfico: Todos podem aprender matemática
- Para nova abordagem matemática, docente deve rever hábitos e a própria história de aprendizagem
- Mitos afastam alunos da matemática. Como a escola pode virar o jogo?
Na prática com os professores, acho importante incentivá-los a não entregar logo a resposta assim que o estudante faz a pergunta. Pelo contrário, incentivo que eles devolvam com uma outra pergunta, assim o aluno será capaz de elaborar melhor o pensamento e, por consequência, desenvolver uma mentalidade de crescimento.
Este projeto de formação começou durante a pandemia. Nossos alunos tinham certa defasagem, que é natural, porém com o cenário pandêmico ela ficou ainda mais severa. Por exemplo: alguns estudantes, em 2019 que estavam no segundo ano, hoje estão no quarto, tiveram pouco avanço na aprendizagem. O nosso trabalho visa recuperar essas perdas e, a partir dessa constatação, junto com a Secretaria de Educação, elaboramos um projeto piloto de formação que tem previsão de durar, pelo menos, mais dois anos.
Assim como acreditamos que o ensino da matemática é importante, também queremos com esse projeto olhar para a área de linguagens. Recentemente, a colega Ana Paula Teixeira, professora e mestranda na área, fez uma parceria comigo para pensarmos em uma formação que junte as duas áreas. Vamos pegar essas duas pontas: a alfabetização na área das linguagens e o letramento matemático.
Além da formação, que possibilita que os docentes apliquem em sala de aula as abordagens de mentalidades matemáticas, estamos aplicando uma avaliação diagnóstica agora com as crianças e repetiremos novamente no fim do ano para olharmos os avanços conquistados.
O principal ponto da formação está em trabalhar com os docentes os conceitos matemáticos, para que eles sejam capazes de orientar os estudantes. Os professores sabem resolver e armar uma conta, mas nem sempre entendem os porquês daquela conta ser assim, e então vão reproduzir em sala de aula a matemática mecânica que aprenderam.
Trabalhando com professores de diferentes etapas de ensino, percebo algo que acontece tanto com quem está atuando no ensino fundamental, quanto no ensino médio, que é trabalhar em “caixinhas”. Por exemplo: trabalhei a soma, agora vou trabalhar a subtração e depois a multiplicação e a divisão. Porém, o estudante de hoje não quer trabalhar de forma compartimentalizada e vejo que há uma certa dificuldade de alguns professores em ligar o conteúdo ao contexto dos estudantes. Queremos dar aos professores opções para que ele saiba que existem outras maneiras de trabalhar os conceitos matemáticos de forma contextualizada e vários métodos para resolver um algoritmo.
Independentemente do estágio em que se esteja ensinando, queremos propor um ensino de matemática de maneira profunda. Mais do que fazer com que o estudante realize uma lista de vinte exercícios seguidos, fazer apenas dois e de forma que ele pense profundamente sobre o assunto.
Antes disso, há um processo a ser realizado com os docentes, trabalhando as mentalidades para que eles possam mudar suas crenças em relação à matemática. Alguns já começaram a fazer isso, e nós incentivamos que persistam nessa nova caminhada.
Conheça e faça parte da rede de educadores Mentalidades Matemáticas
Dilce Cardoso
Mestre em ensino de matemática pela Universidade Franciscana (Santa Maria/RS), especialista em psicopedagogia institucional (Universidade Castelo Branco/RJ) e em educação matemática (Universidade do Sul de Santa Catarina/SC). Tem graduação em matemática pela Universidade Luterana do Brasil. É docente na Faculdade Antonio Meneghetti (Restinga Seca/RS), no curso de Pedagogia, e professora de matemática na Escola Estadual José de Quadros (Arroio do Sal/RS). É líder do grupo de educadores Google de Arroio do Sal e integrante da Célula Sul que estudam as Mentalidades Matemáticas no Brasil.