Qual o papel da educação no futuro que queremos?
No painel de abertura do Encontro com o Porvir, debatemos os motivos para inovar na educação, a importância do currículo, as barreiras internas enfrentadas e os incentivos para persistir na mudança do modelo de ensino
por Ana Luísa D'Maschio 6 de maio de 2024
O “Encontro com o Porvir: um dia de aprendizagem, conexão e reconhecimento para educadores que transformam a educação”, que foi realizado neste sábado, 4, na Camino School, em São Paulo (SP), marcou as novidades do Instituto Porvir. “Quando completamos dez anos, refletimos sobre nossa trajetória e entendemos que ela continuava fazendo sentido para inspirar os professores, mas que poderíamos ir além, ajudar mais. Decidimos, então, sistematizar um espaço de aprendizagem, conexão e reconhecimento”, disse Tatiana Klix, diretora do Porvir, em referência ao Prêmio Professor Porvir e à criação das comunidades do Porvir no WhatsApp, que atualmente reúnem mais de 4 mil inscritos.
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Para debater o futuro da educação, a mesa de abertura “O papel da educação na construção do futuro que queremos”, contou com a participação dos educadores Letícia Lyle, diretora da Camino School e conselheira do Porvir, Cláudio Marques da Silva Neto, diretor da Escola Espaço de Bitita, da rede municipal de São Paulo, e Débora Garofalo, professora e gestora em inovação e em projetos estratégicos na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. A mediação foi de Tatiana Klix, diretora do Porvir.
O Encontro com o Porvir contou com o patrocínio de Nubank e Wings Educação e apoio de Camino School e Companhia na Educação.
Confira como foi a transmissão do evento
Coragem para mudar
Reconhecida internacionalmente pelo acolhimento aos estudantes imigrantes e suas famílias, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Espaço de Bitita levou oito anos para homenagear a escritora Carolina Maria de Jesus, a Bitita, em seu nome. Antes, o espaço, localizado no bairro do Canindé, onde a autora de “Quarto de Despejo” morava, levava o nome de Infante Dom Henrique. “Ele era uma pessoa de família nobre portuguesa, que organizou o tráfico de escravizados da África. A história forjou esse sujeito. Acredito que a escola não pode se calar, deve fazer um currículo que vai restabelecer o que deve ser lembrado”, afirmou Cláudio, que definiu o Encontro com o Porvir como um momento de saber socializado.
Leia o artigo do diretor escolar Cláudio Marques da Silva Neto no Porvir
– O que precisa mudar para escolas serem acolhedoras a alunos imigrantes
Para o diretor, que recentemente foi condecorado como Cidadão Paulistano pela Câmara de Vereadores de São Paulo pela sua contribuição à educação pública, não é possível pensar em uma educação sem refletir sobre o modelo de sociedade que aspiramos. “Precisamos pensar em que sociedade queremos no futuro e na escola que queremos para o futuro e, neste sentido, precisamos olhar para a escola na perspectiva de seus territórios”, disse. Ele ressaltou que a escola deve olhar para os sujeitos, construir identidades e sensibilizar a todos para os dramas da humanidade.
Entender as especificidades dos territórios, aliás, são dores que as políticas públicas precisam vencer, reforçou Débora. “A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é um documento maravilhoso, que não conseguimos colocar em prática. Ontem mesmo, em uma formação, ouvi de uma professora que nunca tinha ouvido falar no documento. É preciso fazer políticas públicas de apoio, fomento e formação de onde essa rede está e para onde ela quer ir”, ressaltou.
Um caminho para a formulação das políticas públicas, de acordo com Débora, é ouvir quem está na ponta. “Para a educação dar certo, temos de abraçar a sociedade. Ter um evento como esse, que celebra a educação, é muito importante. Educação é um ato político. É investimento para que a gente possa andar como país.”
Respeito ao currículo local
Letícia também abordou o cuidado que a gestão deve ter com o currículo, com a metodologia e a formação para os professores. “A valorização que você dá para o seu professor é urgente. Para mim, o futuro da educação é a escola, é o espaço que a sociedade preservou – ainda que mal preservado muitas vezes – no qual a gente pode construir essa sociedade do futuro.” Para a gestora, não se pode esquecer da seriedade do papel que a escola tem.
Débora Garofalo também ressaltou o papel de uma escola significativa, que reconhece e valoriza os educadores. “Quando olho para o futuro da educação, penso na redução das desigualdades sociais ainda muito presentes na sociedade, para que as crianças possam ter o direito de sonhar. Quero que essa educação possa colocar a nós, professores, no centro do processo. Não existe futuro se a gente não reconhecer e valorizar os professores em uma escola significativa e envolvente”, afirmou.
Letícia manteve a mesma linha de pensamento. “O que faz a criança se sentir amada é o professor; o espaço da escola que vai sendo, cada vez mais, o espaço que as crianças não encontram na escola, não encontram ressonância na sociedade. As escolas precisam ser mais humanas, olhar para a inteireza do ser humano e para aprendizagem”, relatou. “O estudante precisa se sentir visto para aprender, com conteúdo significativo.”
Persistência e resistência diárias
Claudio cita, ainda, os índices que medem a qualidade de educação do Brasil, como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). “Minha escola nunca está entre as melhores, mesmo com os nossos estudantes entrando em universidades públicas. Qual a base de medição dessas provas? Como ter uma escola com 40% de imigrantes e ter nota máxima em língua portuguesa?”, perguntou. Para contextualizar, ele citou uma reportagem que aborda as boas escolas que o Ideb não vê. “Minha luta é contra o sistema”, resumiu.
Claudio contou ainda que, há 12 anos, encampou uma nova luta, desta vez voltada para construir um centro de educação integral na mesma rua do Espaço de Bitita, mas que a prefeitura se recusa a ceder o terreno, que hoje é depósito de sucata. “Entrei com uma denúncia no Ministério Público Federal. Conseguimos a verba em 2017 e perdemos o financiamento”, lamentou.
Ele citou, ainda, uma frase do professor Oscar Vilhena, diretor do curso de Direito da FGV (Faculdade Getúlio Vargas), que guia sua maneira de dirigir a escola: não basta a escola ser democrática, ela tem que promover a democracia. “No Espaço de Bitita, nosso mote é a democracia. Os estudantes recebem os visitantes para mostrar a escola, há articulação entre o currículo geral e local. É preciso sempre trazer esse currículo para o seu contexto”, ressaltou Cláudio.
Por lá, os professores criam roteiros de aprendizagem, para que assumam protagonismo de seu trabalho intelectual. “Devemos convencer professores a assumir seu protagonismo, trazerem suas fontes e contar como elas os inspiram.”
“Não há nada mais radical do que o amor de um educador pela educação e pelos estudantes. Você compra uma briga com o Ministério Público por alguém que não é seu parente”, comentou Letícia, reforçando a resiliência de Cláudio e de outros gestores de escolas públicas.