Para combater estereótipos, professora realiza projeto que valoriza histórias de mulheres
Em Boa Vista (RR), alunos de ensino médio criaram sites para contar e reconhecer histórias de mulheres da comunidade. Professora planeja 100 entrevistas e museu virtual
por Rutemara Florencio 25 de março de 2021
Sou professora de história há 20 anos e tenho o costume de construir com meus alunos projetos que tragam temas socialmente relevantes e que dialoguem com o presente.
Em 2018, desenvolvi com minhas quatro turmas do terceiro ano do ensino médio da escola estadual Presidente Tancredo Neves, em Boa Vista (RR), o projeto “Histórias das Mulheres em Roraima”, que tinha como objetivo principal trazer as mulheres como protagonistas e inverter o que era encontrado a respeito da temática na mídia. Eu sentia a necessidade de estudar as mulheres enquanto sujeito histórico.
A motivação inicial do trabalho surgiu de observações minhas ao longo dos anos como professora e pesquisadora. Em primeiro lugar, percebi que hoje não existem materiais didáticos que colocam a mulher em posição de destaque, então surge daí uma primeira vontade de conversar sobre o tema com os alunos.
Uma segunda questão partiu do que os alunos enxergavam na mídia. Ao pesquisar sobre a temática em 2018, as primeiras notícias que apareciam no Google falavam sobre violência contra a mulher. Então por que não subverter essa imagem e abordar trajetórias de vida e o sucesso?
Para isso, planejei uma sequência didática que culminou em um projeto prático de entrevistar mulheres que carregavam posições de destaque em Roraima. A partir das conversas – gravadas em vídeo, o trabalho dos estudantes era transformar essas histórias em textos que relacionavam os acontecimentos de vida das entrevistas com as mudanças da sociedade.
Além da pesquisa, a ideia era também construir um material didático que pudesse ser usado por outras pessoas – inclusive professores e alunos dos anos seguintes. Para isso, os alunos organizaram quatro documentários em vídeos e quatro sites contendo as histórias das mulheres retratadas no projeto. Em 2019, eu mesma utilizei esse material com minhas turmas de terceiro ano em alguns trabalhos, sempre com a ideia de traçar o aspecto histórico de Roraima por meio dessas histórias.
Para chegar até a fase das entrevistas, os alunos passaram por um trabalho de pesquisa realizado dentro da sala de aula, que garantiu o aprendizado da metodologia de pesquisa científica. Como fundamentação teórica, eles leram o livro “História das Mulheres no Brasil”, organizado pela historiadora e professora Mary Del Priore. Os materiais didáticos também serviram como fonte para garantir que era uma temática que de fato precisava ser trabalhada.
A partir disso, construi com eles um projeto de pesquisa, estabelecendo conceitos como objeto de pesquisa, objetivos gerais, objetivos específicos, metodologia. O passo seguinte envolveu a escolha das nossas personagens, indicadas pelos próprios alunos, a partir de conhecidos ou de entrevistas. Conversamos com 41 mulheres que carregam trajetórias que valiam a pena ser contadas. Orientei a montagem do roteiro para as entrevistas, como se portar e como conduzir as conversas – abordando assim conceitos da história oral. Também acompanhei todas as entrevistas, pois aquele processo também estava sendo avaliado.
Para organizar esse projeto, criei um grupo de WhatsApp com os alunos. Dessa maneira, conseguimos manter um contato mais direto mesmo fora da sala de aula. Nesse espaço, eu disponibilizei materiais extras e os estudantes tiravam dúvidas ao longo de todo o processo.
Foi um processo longo – começamos a conversar sobre o tema em julho de 2018 e encerramos o projeto em março de 2019 – que não conseguiu atingir o objetivo inicial de entrevistar 100 mulheres. De qualquer forma, o resultado da pesquisa foi apresentado para as famílias em um evento no auditório do Conselho Regional de Medicina de Roraima, no qual os alunos receberam até troféus pelo trabalho bem feito. Após toda essa trajetória, fui vencedora do Prêmio Educador Nota 10 de 2019.
Hoje percebo que, para além de todo o conhecimento teórico, o projeto também trabalhou conceitos como a empatia, trazendo uma carga socioemocional ao que foi construído. Um dos objetivos do trabalho era também abordar a micro história, trazendo a disciplina para a realidade dos alunos.
Ao conversar com mulheres próximas, que carregavam histórias de vidas parecidas com as deles, os alunos se enxergavam nelas e me diziam isso “Se ela conseguiu, eu também consigo”. A grande questão foi a reflexão que o projeto gerou, o grande feito foi fora da sala de aula, não dentro dela.
Uma das histórias que mais marcou os alunos, foi a trajetória de Maria das Dores Pereira – fundadora da Associação Mães Anjos de Luz – instituição social que hoje atende mais de 9 mil pessoas com deficiência. Com uma vida marcada por dificuldades e pelo abandono, a história de superação de Maria mostra para mim – e para os alunos, que é sim possível ressignificar sua história de vida e encarar desafios que parecem grandes demais. Se não fosse pelo projeto, essa trajetória jamais teria chegado até nós.
Apesar de, por hora, estar afastada da sala de aula, tenho como objetivo concluir esse projeto. A ideia é terminar de entrevistar as 100 mulheres, nosso número inicial, e conseguir um patrocínio para montar um museu digital que preserve todas essas histórias.
Rutemara Florencio
Licenciada em História, é especialista em História do Brasil e educação a distância, além de mestra em Educação (2011). Atua na educação básica, ensino superior e em formação de professores desde 2002, em Roraima. É também professora de escola pública em Roraima desde 2002 e vencedora do Prêmio Educador Nota 10 de 2019.