Professor precisa encontrar a beleza no mundo para motivar alunos, diz filósofo e educador espanhol
Em participação no Congresso LIV Virtual, Jorge Larrosa defende a importância da experiência durante o processo de aprendizagem
por Maria Victória Oliveira 26 de agosto de 2021
“É interessante que, no nosso mundo miserável, existem os crimes contra a propriedade e contra o corpo, mas não existem os crimes contra a alma e contra a beleza.” Se essa frase do filósofo e educador espanhol Jorge Larrosa faz você questionar a relação com educação, ele mesmo responde que trata-se quase de uma relação de causa e efeito.
Durante conversa na 3ª edição virtual do Congresso LIV Virtual, realizado nos dias 24 e 25 de agosto, Larrosa tratou da educação em seu sentido mais amplo.
Diretamente conectada com o tema do evento – “Sentir é Aprender” –, a mesa da qual participou, intitulada “Como a experiência nos afeta na educação”, trouxe seu entendimento sobre beleza e sua conexão com o mundo, e como ela é um meio fundamental para manifestar a educação e, assim, conquistar crianças e jovens que estão cada vez mais voltados “aos próprios umbigos”, ou seja, desinteressados pela escola.
Novas experiências
Professor de filosofia da Universidade de Barcelona, na Espanha, Larrosa tem dedicado seus estudos mais recentes a compreender a escola e a profissão docente. Diante de um cenário do que ele chama de colonização econômica e psicológica do vocabulário educativo – com o uso amplo de palavras como inovação, qualidade, recurso, competências e “aprender a aprender” –, ele ressaltou a importância do resgate de uma palavra antiga: experiência.
“A experiência está sempre colada à palavra formação, que se relaciona com a transformação do sujeito. Uma educação mais experiencial [voltada a experiência] seria uma educação mais vital, relacionada a viver mais intensamente, com uma vida mais viva, consciente, inteligente e interessante.”
Em seus estudos, o educador passou a encarar a experiência por outro ponto de vista, que não a transformação das pessoas, mas sim a atenção ao mundo. Dessa forma, é necessário “pensar uma escola mais rica em experiências, mas também pensar em experiências mais ricas no mundo.”
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A atenção e amor ao mundo
A ideia de que ninguém educa o outro ou se autoeduca, mas sim que as pessoas educam-se entre si pela mediação do mundo, segundo o filósofo e educador, está conectada ao processo de abertura de cada um para aquilo que está à sua volta. Assim, o sujeito deixa de ser o centro de atenção e desperta interesse por outros temas.
Larrosa cita uma frase da escritora e filósofa francesa Simone Weil – “O mundo é uma pátria porque é belo e pode ser amado por nós, e é a única pátria a que podemos aspirar nessa vida” – para reforçar a importância de professores que enxergam a beleza do mundo, pois essa é a única forma de transmiti-la para crianças e jovens e, consequentemente, despertar seu interesse.
“Cada professor vê beleza na sua disciplina: os de matemática nos teoremas, de química na tabela periódica dos elementos, de geografia na formação calcária na montanha, de história em um pedaço de cerâmica medieval. Todo professor sabe que esses pequenos elementos são capazes de revelar o mundo e se emocionam quando sabem que seu trabalho valeu a pena e quando são capazes de transmitir aos alunos esse amor. Então, só um professor enraizado na beleza do mundo, seja a língua, a música, os teoremas ou as montanhas, pode introduzir as crianças nessa beleza e nessa pátria que é o mundo”, comenta o filósofo.
Esse encantamento por parte dos professores está relacionado à forma como os objetos e matérias de estudo da escola devem ser interessantes em si mesmos, ou seja, pensar o tema de estudo do ponto de vista de sua beleza e capacidade de mover e emocionar, tirando os seres humanos do seu próprio centro de atenção.
“Descorporização” da escola
Em sua exposição, Larrosa também citou a problemática da suspensão das aulas presenciais diante da pandemia de Covid-19 considerando que as escolas sempre estiveram muito ligadas à ideia de presença e corpo.
“Essa ansiedade que nós temos de compartilhar o que amamos com que amamos, seja uma música, um poema, as montanhas ou uma criança mostrando uma borboleta para o pai, está muito relacionada a essa característica da escola, onde crianças e jovens têm que estar de corpo presente, compartilhando o espaço, a atenção e a materialidade com outros corpos atentos. A atenção e a beleza são maiores quando compartilhadas.”
Nesse contexto, o educador cita o processo de descorporização da escola, mas, ao mesmo tempo, reforça que, apesar da pandemia, a tarefa, missão e objetivos da instituição escolar continuam as mesmas: mostrar às crianças do que é feito o mundo, incentivando que elas se interessem por alguma coisa, já que o futuro do mundo depende, justamente, das crianças. Essa é uma das principais ideias trazidas na apresentação da revista “A Idade de Ouro”, criada por José Martí, jornalista e poeta cubano, para que crianças pudessem compreender a origem dos costumes e das coisas na América.
Portanto, apesar de muito se discutir a respeito de reinvenção, replanejamento, recuperação, reforma e repensar a escola, Larrosa destaca o ponto comum entre todas essas ações: o ato de fazer algo novamente expresso no prefixo “re”.
“Ao escrever o livro sobre ofício docente, aprendi que os elementos básicos do ofício do professor não mudaram quase nada. A preocupação está sempre relacionada com atenção e interesse, que as crianças estejam atentas no que estão fazendo, o que tem a ver com a responsabilidade de fazer as coisas bem e estar presente de corpo e alma naquilo que você faz. Isso me deixou bastante impressionado pois quando se trata da forma da escola e dos gestos básicos do ofício, há uma enorme continuidade no tempo. Nesse momento, o que estamos fazendo, mais uma vez, é repensar e recuperar os mesmos gestos, que têm a ver com chamar atenção às coisas que valem a pena e garantir que as crianças se interessem por algo do mundo”, completa o professor.