Professor precisa ser ouvido antes de acolher alunos na volta às aulas
Entenda como traduzir o acolhimento em práticas consistentes a partir de recomendações de especialistas em educação
por Thiago Varella 7 de julho de 2020
A sociedade, o MEC (Ministério da Educação), as secretarias e até mesmo as escolas já discutem datas, protocolos sanitários, modelo híbrido de ensino e outras medidas para o retorno presencial das aulas. Mas, diante de tanto debate, será que os professores estão preparados para acolher os estudantes depois de tanto tempo em casa?
De um lado, os estudantes vão trazer inúmeras questões emocionais para a escola. Muitos vão ter perdido parentes por causa do coronavírus (COVID-19) ou os pais ficaram desempregados, o padrão de vida pode ter sofrido uma queda brusca, enfim, os problemas são diversos.
Mas do outro lado, os professores também tem seus próprios problemas. Além da demanda do trabalho remoto para o qual não foram preparados , existe ainda a outra parte da jornada, que inclui cuidar da casa e dos filhos.
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Mariana Breim, diretora da plataforma Vivescer e de desenvolvimento integral do Instituto Península, coloca no topo da nova lista de volta às aulas a necessidade do educador desenvolver empatia. “Isso significa que o professor precisa olhar para o aluno no lugar de vulnerabilidade que ele vai chegar e se reconhecer da mesma maneira. Não existem respostas corretas, mas ele é o adulto que vai se relacionar com a criança”, disse.
Esse trabalho, segundo Marina, encontra respaldo na própria BNCC (Base Nacional comum Curricular), que coloca a empatia como uma das 10 Competências Gerais (baixe infográfico do Porvir) a serem desenvolvidas ao longo da educação básica. Mais do que uma explicação teórica, é algo que pode ser desdobrado em diversas situações no ambiente escolar.
“Como é que eu crio uma escola mais empática? Por que eu quero empatia e colaboração se as crianças estão o tempo todo enfileiradas, se o professor é o que está lá na frente o tempo inteiro ditando as regras e os alunos não participam, não tomam decisões, não escolhem e não se responsabilizam por nada. É muito difícil que a cooperação seja trabalhada num ambiente desses”, avalia.
Com educadores vendo o ritmo de trabalho dobrar em casa, Mariana reconhece que o superpreparo esperado para uma situação como esta será difícil de ser realizado. Por isso, aposta na flexibilização como alternativa para enfrentar os desafios dessa volta às aulas como nenhuma outra já enfrentada pelos professores.
“É flexibilizar rotinas, tempos e espaços para incluir o lugar de acolhimento e rituais para receber as crianças. Isso tudo vai ajudando os pequenos e os próprios professores a elaborar melhor o que viveram”.
Para Telma Vinha, professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e doutora em educação, os professores não estão preparados para essa acolhida simplesmente porque ninguém está.
“O professor não está preparado e está precisando de cuidado. Este está sendo um período único e estressante. A escola não pode minimizar o que está acontecendo e pensar em apenas dar conta de repor o conteúdo. No primeiro momento, tem que cuidar do trauma. É preciso que a escola seja um espaço que ajude o professor a lidar com o luto, com os problemas da relação”, afirmou.
A volta às aulas, que deve ocorrer em algumas redes públicas e privadas ainda durante a pandemia, pode ser comparada à reabertura de uma escola depois de uma tragédia local, como um terremoto ou uma enchente, só que em nível nacional. Por isso, Vinha afirma que nesta situação de trauma, de luto e de sofrimento, o papel inicial da escola é de acolher e desenvolver empatia.
Mais do que ser o responsável por repor todo o conteúdo pedagógico perdido e, digamos, correr atrás do tempo perdido, o professor vai precisar, mais do que nunca, olhar para o aluno de forma integral. Isso significa ter que dar voz aos alunos, por meio de círculos de diálogo, atividades de expressão de sentimento, produção de textos e outras ferramentas.
Outra responsabilidade será a de apoiar estudantes a reorganizar sua dinâmica de vida, com horários fixos e um ritmo de aulas que não é visto desde meados de março. Uma coisa é estudar em casa, outra, completamente diferente, vai ser voltar a assistir aulas na escola. “É importante criar uma rotina de novo na escola. (Enquanto estão em casa) os estudantes perderam isso, acordam tarde e comem qualquer coisa”, afirmou.
É evidente que o professor não tem ou precisa ter formação para ser terapeuta e, para Vinha, nem é essa a ideia. O principal, segundo a professora da Unicamp, é transformar a escola em um espaço de escuta e de apoio mútuo, que necessariamente inclui o corpo docente.
“Se esse espaço não for na escola vai ser onde? É preciso compartilhar, contar fragilidades e ser acolhido. E para isso tem que planejar. Tem que fazer um planejamento de ações para poder ter esse cuidado”, explicou.
Todo esse planejamento de ações para a acolhida aos alunos precisa partir das escolas e, preferencialmente, das secretarias de educação.
“Tem que ser um projeto institucional da escola. Isso não pode ser um projeto individual. E aí, do mesmo jeito que as secretarias se organizaram para o ensino remoto, o indicado é que as próprias secretarias cuidem para inspirar as escolas sobre qual caminho seguir”, disse.
Vinha explica que esse planejamento pode ser feito desde já, com ferramentas online. Para a professora da Unicamp, o mesmo cuidado que os professores terão com os alunos, os coordenadores já podem ter com os docentes, montando círculos de diálogo com os professores para que eles se abram e discutam os problemas.
Outra forma de engajar os professores é dando um sentimento de pertencimento a eles. Para Vinha, é importante que nada seja imposto como decreto, mas que os docentes sejam incluídos.
Professores já estão acolhendo alunos
Os professores podem não estar totalmente prontos para acolher os alunos, mas, mesmo no contexto das aulas online, eles já estão amparando seus estudantes. Essa é a opinião de Edmea Oliveira, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), doutora em educação e especialista em cibercultura.
Por meio das interfaces digitais, como os professores já estão escutando seus alunos, já que muitos trazem, mesmo para as aulas online, suas questões familiares, como a perda de pessoas queridas ou as dificuldades materiais impostas pela pandemia.
Oliveira concorda que, na volta à sala de aula, mais importante do que o conteúdo será a escuta aos estudantes. “Quando você fala do acolher no retorno à sala de aula presencial, aí é necessário realmente parar com toda essa discussão de conteúdo e aproveitar essas duas primeiras semanas como uma grande acolhida, um grande abraço que a escola tem que dar nesses alunos do ponto de vista simbólico. É criar dinâmicas de grupo onde esses alunos possam ouvir e falar”, afirmou.
Segundo a professora da UFRRJ, os professores já têm uma certa experiência nisso, já que se deparam com fatalidades no seu cotidiano em sala de aula, como a violência do bullying, casos eventuais de mortes ou outras fatalidades.
Para Oliveira, outra questão que precisará ser colocada na volta às aulas é o auxílio de outros profissionais na escola, o que ela chama de “interdisciplinaridade de pessoas”.
“Lamentavelmente, os sistemas públicos em geral excluíram alguns profissionais importantíssimos na escola, como, por exemplo, os orientadores educacionais, psicólogos, assistentes sociais. É momento de recuperar essas profissões. É momento de fazer gestão de competência nas escolas, porque, mesmo que você não tenha um psicólogo, você pode ter alguém formado em psicologia, um professor, um técnico que possa, nesse momento, mobilizar algumas competências”, explicou.
Escolas mais humanizadas
Para o psicoterapeuta Leo Fraiman, especialista em Psicologia Escolar e mestre em Psicologia Educacional e do Desenvolvimento Humano pela USP, a escola vai precisar ser humanizadora na volta à sala de aula. Os professores vão ter de ser tratados como gente, e não como máquina, por meio de debates, conversas e a construção de um projeto de vida.
“As escolas vão precisar formular estratégias para esses professores, como a formação de um comitê de saúde mental, outro de recolhimento de boas práticas de docência. Enfim, na escola, agora, vamos ser todos alunos, uns dos outros e da vida”, afirma.
Segundo Fraiman, cuidar do fator humano vai ser essencial para que o professor tenha uma volta mais suave. “Vamos todos voltar angustiados. Você sai da angústia com a fala ou o ato. Falar sobre ela, escrever sobre ela, refletir sobre ela é fundamental”, disse.