Professor usa linguagem do palhaço para turma perder medo de errar
Visitas do palhaço estimulam os estudantes a assumirem pequenos riscos em busca da aprendizagem
por Varlei Xavier Nogueira 11 de dezembro de 2019
Tudo começou quando eu ainda era criança. Com 8 ou 9 anos, mais ou menos, fui chamado à lousa para resolver uma conta de matemática. Após errar várias vezes, a professora bufou, virou os olhos, tomou o giz da minha mão e resolveu a conta com brutalidade. Aquela memória voltava à minha mente sempre que resolvia uma conta de matemática.
Mais tarde, trabalhando como inspetor de alunos e fazendo faculdade de letras, comecei a recitar poesia na escola com as crianças e este trabalho foi ganhando desenhos e características teatrais. Fui estudar teatro por conta disso e acabei me formando ator. Tendo o contato com a linguagem do palhaço e percebendo o trabalho dos palhaços de hospital, fiz a seguinte pergunta: “Se tem palhaço em hospital, por que não tem palhaço na escola?”
Eu percebia muitas vezes que a escola estava doente, vivendo situações de violência, de agressividade e principalmente um olhar de não aceitação da possibilidade e do ato de errar. Via cada vez mais que o processo de ensino formal e tradicional desenvolve nas crianças um medo, um pavor incontrolável de errar.
Comecei então a brincar que o medo de errar é uma doença degenerativa, que incapacita a criança de assumir pequenos riscos e, por conseguinte de aprender, por gerar um senso de incapacidade e impotência diante do novo.
Comecei a realizar este trabalho na rede pública, por volta de 2007, visitando aulas de colegas e minhas próprias turmas como palhaço. Mas ao visitar a sala de aula, o objetivo do palhaço não era ensinar, e sim aprender, já que o palhaço é o arquétipo que mais representa a falibilidade humana.
Percebi logo que esse trabalho tinha um impacto altamente positivo na dinâmica da sala de aula. Notei ainda que quando eu estava sozinho, nas minhas próprias aulas, a atividade fluía com menos qualidade, pois a mediação do professor e o contraponto que o palhaço fazia em relação a ele eram significativos.
Em 2013, já na rede particular, fiz proposta para a direção do antigo Colégio Central Casa Branca, hoje Centro Educacional Solaris, de implantar o programa nas turmas do ensino fundamental com visitas semanais. Em contato com a sala de aula periodicamente, o trabalho ganhou amplitude e pude aprofundar a metodologia de trabalho, que passei a chamar de “Palhaço Aprende”. Em 2016 pude atuar em outras duas escolas como “Palhaço Aprendedor”, além de treinar minha esposa, que além de professora, também é atriz e palhaça, para atuar na escola particular onde ela atua em Diadema.
Hoje, coordeno um programa que conta com outras três Palhaças Aprendedoras, que atuam no Centro Educacional Solaris, onde estou como coordenador de projetos e programas.
A metodologia em si funciona de acordo com alguns protocolos a serem seguidos pelo palhaço ao adentrar o ambiente da sala de aula. Em primeiro lugar, assim como um palhaço de hospital, o palhaço não invade a sala de aula sem pedir a autorização. Em sua entrada, o “Palhaço Aprendedor” bate à porta da sala, saúda a turma e pede licença. Neste momento, além de apresentar um comportamento gentil, o palhaço observa a turma, fazendo uma leitura inicial de como as crianças estão, de como a aula está funcionando a até mesmo se há alguma criança demonstra medo de palhaço, fator muito importante a ser observado na primeira visita. Em caso de percepção de uma criança assustada, o espaço na criança precisa ser garantido e nunca se deve avançar em direção a uma criança com medo.
Ao entrar na sala, “O Palhaço Aprendedor”, pergunta ao professor onde deve sentar e após sentar-se questiona à turma o que está acontecendo na aula, o que está sendo feito. Ao fazer isso, o palhaço, em primeiro lugar, redireciona a autoridade e a gestão da turma ao professor e se coloca disponível ao processo de ensino-aprendizagem.
A partir daí, a cada interação, que, neste caso, depende da proposta do professor, pois o palhaço se adapta à atividade do dia, busca o que chamamos em nossa metodologia de “Melhor Erro Possível”, um erro que possui características singulares e que pode ser vetor de uma aprendizagem significativa.
O erro proposto pelo palhaço precisa, em primeiro lugar, ser contextualizado, fazer parte daquele conteúdo, ter relação direta com o que está sendo trabalhado e discutido, caso contrário é só mais uma gracinha e, convenhamos que aluno que faz palhaçada todo professor já tem; o erro também precisa ser identificável, e preferencialmente pela criança; por último, o erro precisa ser solucionável, ou seja, a criança precisa ser capaz de solucionar o erro proposto pelo palhaço.
Cada erro proposto pode ser apenas um erro de compreensão, de conceito ou ser um erro de procedimento. À medida que o trabalho vai acontecendo, a criança vai naturalmente entendendo que errar é uma etapa da aprendizagem, passando assim a assumir pequenos riscos em busca da aprendizagem e vendo o ato e errar com mais leveza.
Varlei Xavier Nogueira
Iniciou sua carreira como inspetor de alunos. Formou-se em letras e em teatro. Com 20 anos de carreira, já atuou na educação pública, privada e no terceiro setor como professor, educador social, professor de teatro e coordenador de projetos de aprendizagem autodirigida. É criador da Metodologia Palhaço Aprende, que leva a linguagem do Palhaço para a sala de aula.