Professor usa linguagem do palhaço para turma perder medo de errar - PORVIR
Crédito: Reprodução do Facebook / Palhaço Aprende

Diário de Inovações

Professor usa linguagem do palhaço para turma perder medo de errar

Visitas do palhaço estimulam os estudantes a assumirem pequenos riscos em busca da aprendizagem

por Varlei Xavier Nogueira ilustração relógio 11 de dezembro de 2019

Tudo começou quando eu ainda era criança. Com 8 ou 9 anos, mais ou menos, fui chamado à lousa para resolver uma conta de matemática. Após errar várias vezes, a professora bufou, virou os olhos, tomou o giz da minha mão e resolveu a conta com brutalidade. Aquela memória voltava à minha mente sempre que resolvia uma conta de matemática.

Mais tarde, trabalhando como inspetor de alunos e fazendo faculdade de letras, comecei a recitar poesia na escola com as crianças e este trabalho foi ganhando desenhos e características teatrais. Fui estudar teatro por conta disso e acabei me formando ator. Tendo o contato com a linguagem do palhaço e percebendo o trabalho dos palhaços de hospital, fiz a seguinte pergunta: “Se tem palhaço em hospital, por que não tem palhaço na escola?”

Eu percebia muitas vezes que a escola estava doente, vivendo situações de violência, de agressividade e principalmente um olhar de não aceitação da possibilidade e do ato de errar. Via cada vez mais que o processo de ensino formal e tradicional desenvolve nas crianças um medo, um pavor incontrolável de errar.

Crédito: Reprodução do Facebook / Palhaço Aprende

Comecei então a brincar que o medo de errar é uma doença degenerativa, que incapacita a criança de assumir pequenos riscos e, por conseguinte de aprender, por gerar um senso de incapacidade e impotência diante do novo.

Comecei a realizar este trabalho na rede pública, por volta de 2007, visitando aulas de colegas e minhas próprias turmas como palhaço. Mas ao visitar a sala de aula, o objetivo do palhaço não era ensinar, e sim aprender, já que o palhaço é o arquétipo que mais representa a falibilidade humana.

Percebi logo que esse trabalho tinha um impacto altamente positivo na dinâmica da sala de aula. Notei ainda que quando eu estava sozinho, nas minhas próprias aulas, a atividade fluía com menos qualidade, pois a mediação do professor e o contraponto que o palhaço fazia em relação a ele eram significativos.

Em 2013, já na rede particular, fiz proposta para a direção do antigo Colégio Central Casa Branca, hoje Centro Educacional Solaris, de implantar o programa nas turmas do ensino fundamental com visitas semanais. Em contato com a sala de aula periodicamente, o trabalho ganhou amplitude e pude aprofundar a metodologia de trabalho, que passei a chamar de “Palhaço Aprende”. Em 2016 pude atuar em outras duas escolas como “Palhaço Aprendedor”, além de treinar minha esposa, que além de professora, também é atriz e palhaça, para atuar na escola particular onde ela atua em Diadema.

Hoje, coordeno um programa que conta com outras três Palhaças Aprendedoras, que atuam no Centro Educacional Solaris, onde estou como coordenador de projetos e programas.

A metodologia em si funciona de acordo com alguns protocolos a serem seguidos pelo palhaço ao adentrar o ambiente da sala de aula. Em primeiro lugar, assim como um palhaço de hospital, o palhaço não invade a sala de aula sem pedir a autorização. Em sua entrada, o “Palhaço Aprendedor” bate à porta da sala, saúda a turma e pede licença. Neste momento, além de apresentar um comportamento gentil, o palhaço observa a turma, fazendo uma leitura inicial de como as crianças estão, de como a aula está funcionando a até mesmo se há alguma criança demonstra medo de palhaço, fator muito importante a ser observado na primeira visita. Em caso de percepção de uma criança assustada, o espaço na criança precisa ser garantido e nunca se deve avançar em direção a uma criança com medo.

Ao entrar na sala, “O Palhaço Aprendedor”, pergunta ao professor onde deve sentar e após sentar-se questiona à turma o que está acontecendo na aula, o que está sendo feito. Ao fazer isso, o palhaço, em primeiro lugar, redireciona a autoridade e a gestão da turma ao professor e se coloca disponível ao processo de ensino-aprendizagem.

A partir daí, a cada interação, que, neste caso, depende da proposta do professor, pois o palhaço se adapta à atividade do dia, busca o que chamamos em nossa metodologia de “Melhor Erro Possível”, um erro que possui características singulares e que pode ser vetor de uma aprendizagem significativa.

O erro proposto pelo palhaço precisa, em primeiro lugar, ser contextualizado, fazer parte daquele conteúdo, ter relação direta com o que está sendo trabalhado e discutido, caso contrário é só mais uma gracinha e, convenhamos que aluno que faz palhaçada todo professor já tem; o erro também precisa ser identificável, e preferencialmente pela criança; por último, o erro precisa ser solucionável, ou seja, a criança precisa ser capaz de solucionar o erro proposto pelo palhaço.

Cada erro proposto pode ser apenas um erro de compreensão, de conceito ou ser um erro de procedimento. À medida que o trabalho vai acontecendo, a criança vai naturalmente entendendo que errar é uma etapa da aprendizagem, passando assim a assumir pequenos riscos em busca da aprendizagem e vendo o ato e errar com mais leveza.


Varlei Xavier Nogueira

Iniciou sua carreira como inspetor de alunos. Formou-se em letras e em teatro. Com 20 anos de carreira, já atuou na educação pública, privada e no terceiro setor como professor, educador social, professor de teatro e coordenador de projetos de aprendizagem autodirigida. É criador da Metodologia Palhaço Aprende, que leva a linguagem do Palhaço para a sala de aula.

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competências para o século 21, ensino fundamental

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Roberto Affonso Pimentel

Roberto Affonso PimentelEm termos práticos, para quem lida com crianças, e não pode fazer o curso teatral, indico “fazer-se criança” especialmente na linguagem. Esta, sempre de curta duração, mas com ênfase na principal mensagem. Como propalado, “Ensinar é contar histórias”, uso este recurso em minhas aulas de esporte. até mesmo com adultos, Para tanto, alguma experiência é necessária, e alcançável. Mas vale a pena tentar. Numa quadra desportiva, em ambientes largos e agradáveis, treinar ou brincar, é salutar para todos. Por que não fazê-lo na forma mais lúdica possível? Experimentei o método durante 2 anos em treinamento de vôlei de praia para profissionais, com sucesso, e temendo por tanto empenho, que por vezes intervia. Isto também era feito em equipe de vôlei indoor, participante dos campeonatos cariocas. Jovens que acorriam ao clube para outras programações, divertiam-se assistindo aos treinos. E o tempo de 2h programado, quase sempre era interrompido meia hora antes, pois todos estavam estafados, e o piso encharcado de suores. Repetindo, pouco dizia, somente o necessário, e inventava situações aproveitando a imaginação que me ocorria, auxiliado muitas vezes por espectadores, ou no caso da praia, por passantes e seus cachorrinhos. Em suma: deixavam o treino querendo mais”. Foi assim que consegui resolver o problema do “medo de errar” da equipe. Inicialmente, conquistei a sua confiança, e sem seguida, apurava o erro de cada um concitando os demais a “auxiliarem” o amigo. Nesta condição, qualquer um deles era ao mesmo tempo, aluno e professor, um grupo coeso e solidário. E os resultados se fizeram sentir imediatamente durantes as competições: foram elogiadíssimos pelos colegas adversários. No vôlei de praia, um deles foi medalhista olímpico, e outro, Rei da Praia, no Rio de Janeiro. Independentemente do sucesso como atleta, as marcas impressas absorvidas no processo de ensino, jamais se perderão.
Mais saberão visitando o blog Procrie – http://www.procrie.com.br – e a página portuguesa do facebook sovolei. Já imaginaram realizar curso na praia para 400 crianças de 8-13 anos de idade, além de 20 alunos apaeanos, durante 3-4 anos, com duas aulas semanais? Clique na ilustração para melhor visualização. Nota: tive que limitar o número de participantes, pois eram muitos os pretendentes.

Ver no facebook a ilustração…

BRUNA PATRÍCIA FERREIRA DA SILVA

Parabéns! Gostaria de ter acesso aos seus trabalhos. Grata.

Cátia

Parabéns, Varlei!
Que Deus continue te inspirando e iluminando nos caminhos da Educação.

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