Professores de história levam jogos de RPG para outras disciplinas durante a quarentena
Entenda o que é um RPG e como esse tipo de atividade pode promover a aprendizagem de forma colaborativa
por Paulo Gallina / Thiago Azevedo 17 de junho de 2020
Durante a quarentena, nossas turmas presenciais de RPG – Role-Playing Game (Jogo de interpretação ou narrativos, em tradução livre) foram suspensas. Apesar do distanciamento social, esse é um tipo de ferramenta plenamente possível de ser aplicada no ambiente virtual.
Para começar, é preciso entender o que é um jogo de RPG. Ele se baseia em compartilhar a narrativa de uma história (aqui chamamos de aventura). Isso quer dizer que os jogadores apenas contam uma história em conjunto. Cada jogador controla um personagem dessa história, enquanto o narrador é um tipo de jogador especial, responsável pelo resto do cenário dessa aventura. O papel de narrador tem várias semelhanças com o papel de um professor em sala de aula. Ele precisa ensinar as regras do jogo, propor o fio narrativo, improvisar diante das escolhas dos jogadores e mediar a condução da aventura. Tudo isso sem deixar nenhum jogador de lado.
Essa experiência é inovadora, pois coloca o aluno como protagonista de uma história, logo, da produção do próprio conhecimento. Ao conhecer o cenário em que ocorrerá o jogo, o aluno precisa, naturalmente, entender as leis da natureza que o regem, o momento histórico e as relações de poder entre os grupos sociais, sejam eles quais forem. Na hora de criar seu personagem, deve se perguntar uma infinidade de detalhes: sua origem, sua identidade, suas crenças, sua classe social, suas relações com os outros e com o ambiente (e isso tudo depende de muita pesquisa sobre o cenário em que o jogo ocorrerá, o que por si só já é uma parte importante do aprendizado em história e geografia).
A partir do início do jogo, o jogador deve escolher o que seu personagem diz e faz nessa história. Assim, os jogadores conseguem entender melhor as relações de consequência, de poder, entre muitas outras, de um determinado componente escolar. Também é necessário que o aluno use conhecimentos prévios para conseguir que seu personagem faça o que ele deseja. Se precisa abrir um alçapão sem a chave, precisa entender a física das alavancas. Se precisa negociar com nações vizinhas, precisa conhecer a cultura de seu interlocutor. Para salvar o personagem de outro jogador na selva, deve saber como funciona o corpo humano, além das possibilidades de fauna e flora do local. As possibilidades são infinitas. Tudo depende dos objetivos do professor-narrador, que colocará desafios a serem resolvidos pelos jogadores, colaborativamente.
É claro que, como é um jogo, todas as escolhas são pautadas por diversas regras. Os sistemas clássicos de RPG possuem regras muito complexas para a aplicação pedagógica. Nós utilizamos um sistema de regras próprio, criado por nós mesmos, que serve para equilibrar e tornar mais interessante as decisões dos jogadores. Ele funciona basicamente com uma ficha de jogador e um dado de dez lados. Na ficha, o jogador tem várias informações sobre seu personagem, que podem ajudar os testes, que são rolagens do dado. Quem decide quando um teste é necessário é o narrador. Eles servem para tornar a experiência mais divertida, pois quando os personagens podem fazer tudo sem restrições, a diversão se perde.
Desse modo, não é necessário fazer um teste para seu personagem se levantar da cama, mas sim quando ele deseja levantar de uma cama de campanha no meio de um bombardeio na guerra do Vietnã, por exemplo. As competências socioemocionais também estão sempre sendo desenvolvidas no RPG. Dar vida a um personagem em uma história é um movimento de empatia importantíssimo, além do trabalho colaborativo.
Durante a quarentena, nossas sessões de jogos migraram para as plataformas de reunião por vídeo e para um aplicativo que dá suporte visual, e ensinamos professores de história e matemática a jogar RPG. A aventura de história se passa em uma vila no interior do país no século 18, e os jogadores controlam personagens que devem investigar a morte de um escravizado que extraía ouro nas terras de um senhor. A aventura de matemática se passa no futuro, e pretende trabalhar a ideia do quadrado perfeito nos produtos notáveis, pois a tecnologia daquele cenário só permite que naves espaciais cheguem à velocidade da luz quando seu formato é um quadrado perfeito. Os professores se divertiram enquanto tomavam o primeiro contato com o RPG.
A ideia é aprender sem perceber. Vivendo essas histórias, o conteúdo é aprendido, utilizado e ressignificado de maneira quase intuitiva e extremamente prazerosa.
– Participe da live promovida pelos professores nesta quinta (18), às 18h30
– Baixe e-book Mistério nas Minas e saiba como adotar jogos de RPG
Paulo Gallina
Formado em história pela USP, RPGista há mais de quinze anos, curador em instituos como o Tomie Othake e Itaú Cultural, estuda as mais diversas narrativas na literatura, filosofia, arte, vídeo-game, e quase zerou o netflix. Há oito anos é narrador para crianças de todas as idades com o Grupo Interpretar e Aprender
Thiago Azevedo
Professor de história, mas comecei dando aula de iniciação à pesquisa, educação financeira e sociologia. Formado pela USP, pesquiso o uso de jogos na educação, especialmente o RPG (Roleplaying Game) através do Grupo Interpretar e Aprender, que há oito anos utiliza o RPG em escolas de São Paulo. Ministra curso de formação de professores pelo Interpretar e Aprender e pelo Sistema Objetivo.