Aula de projeto de vida amplia participação de estudantes nas decisões da escola
No interior de Sergipe, professora cria atividades que influenciaram adolescentes do ensino médio a olhar com mais cuidado para a escola, para a comunidade e para si mesmos
por Cleciane Santos Alves 28 de agosto de 2023
Em 2022, quando fui escolhida pela coordenação pedagógica do Centro de Excelência Professor Abelardo Romero Dantas, na cidade de Lagarto (SE), para assumir as aulas na turma do componente curricular projeto de vida, encarei um desafio: a escola enfrentava questões relacionadas aos aspectos emocionais e cognitivos dos estudantes, que se tornaram ainda mais evidentes no retorno das aulas presenciais.
Eu estava disposta a fazer diferente, porque atitudes velhas não produzem resultados novos. Além disso, entendo o componente curricular projeto de vida como algo além de uma mera normativa, justamente porque sua proposta, voltada para o bem da sociedade, fomenta sonhos e esperança.
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Assim surgiu o “Projetar-se”, um conjunto de atividades voltadas às nove turmas do 2º ano do ensino médio (cerca de 800 alunos ao todo), com aulas em período integral, focado nos seguintes pilares: eu, o outro, o mundo que nos cerca e o meu projeto de vida.
Tudo aconteceu no coletivo, no diálogo e na horizontalidade: os alunos propuseram as ações junto comigo, que partiram do nosso currículo. As ferramentas digitais estiveram a serviço da aprendizagem ao longo de todo o processo, mas nossa inovação mais impactante, sem dúvida, foi contar com o envolvimento de todos durante o ano letivo.
Ações do “Projetar-se”
Para recuperar o estímulo e a vontade de estar na escola, contávamos com as “Pílulas da Libertação” logo no começo das aulas, com exibição de vídeos curtos, com depoimentos de pessoas inspiradoras da nossa região, que nos fazem refletir sobre o futuro. Entre eles, está a história de Jailson, ex-aluno do colégio e filho da dona da mercearia, que entrega gás e é aluno de medicina na Universidade Federal de Sergipe. Também estudante de medicina da mesma universidade, o Will, que era policial militar, ficou paraplégico e se tornou um grande esportista. A proposta era fazê-los entender a importância e a influência do espaço escolar na vida desses entrevistados.
Também notei que os alunos andavam estressados, ansiosos, brigando bastante nos intervalos. Reuni a turma e disse: “Minha gente, isso está errado. Precisamos criar espaços de acolhimento!”. Nasceu, então, o “Sarau do Morrinho”, para canalizar a energia da turma em atividades que mostrassem seu protagonismo. Com o apoio da professora Renata, de artes, fomos convidando os meninos para participar. Fiz pipoca, chamei dois alunos que tocam violão para chamar a atenção de todos e anunciar a novidade: quinzenalmente, na área verde da escola, os alunos socializaram seus talentos (canto, poesia, desenho). Com o tempo, outros professores aderiram ao projeto, que passou a ser chamado de política pública da escola.
Eu não podia aceitar que os alunos se vissem como desinteligentes, como alguns acreditavam. Por isso, baseei-me na teoria de inteligências múltiplas do psicólogo Howard Gardner, professor da Universidade de Harvard (EUA), para explicar que todos estamos propensos a desenvolver inteligências, umas são mais estimuladas e outras menos – e a turma precisava entender isso. Para tanto, busquei mais uma metodologia ativa: dessa vez, a “Estação por rotação de aprendizagem”. Em cada estação, expusemos uma inteligência (motora, corporal, musical, entre outras). Foi uma ação extremamente importante para que os estudantes reconhecessem suas potencialidades.
Outro ponto era a escuta ativa. Muitos tinham a mania de falar mal da gestão e só identificar problemas. Em rodas de conversa, eu me mantive como escrivã, enquanto eles debatiam alguns pontos da escola. Enfatizei que deveríamos focar nas soluções e assim surgiu “A Nossa Voz”, documento construído pelos alunos a partir dos seus olhares para as necessidades da escola. O documento foi entregue ao diretor e muita coisa passou a ser resolvida, como a fechadura da porta do banheiro e as filas do almoço.
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Inspiração para a comunidade
As temáticas “Cidadania, Democracia e Solidariedade” estão na nossa matriz curricular socioemocional. Propus a observação dos problemas da cidade para que os estudantes buscassem resolvê-los, ainda que de forma paliativa. Ao observar a quantidade de animais de rua abandonados, por exemplo, fizeram cartazes de conscientização. Outra ação foi transformar os prêmios da gincana literária em cestas básicas distribuídas em algumas áreas de maior vulnerabilidade da cidade.
Costumo dizer que bom é projeto replicado e o “Projetar-se” tem essa potência. Já levamos algumas atividades para a Escola Municipal Paulo Rodrigues do Nascimento, que fica nas proximidades e ainda que não trabalha com o componente de projeto de vida. Afinal, a temática aparece de forma transversal e é uma das dez competências gerais da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
As dificuldades existiram, mas quando o telhado caía nós tínhamos a oportunidade de enxergar a visão das estrelas – trata-se de uma maneira metaforizada de dizer que desistir nunca esteve no nosso planejamento. A princípio, foi preciso convencer a comunidade escolar de que o projeto poderia impactar a vida dos alunos, e isso foi acontecendo à medida que ações foram dando certo e as aulas de projeto de vida passaram a ser esperadas durante a semana pelos alunos.
O mais bacana dessa jornada de aprendizagem foi valorizar os múltiplos saberes dos estudantes expressos em diferentes plataformas, como vídeos, jogos de tabuleiro, fotografias, e entender que existem estilos para aprender. Outro ponto de destaque foi o envolvimento da equipe escolar: merendeira, diretor, professor, vigilante foram entrevistados e os os alunos recolheram histórias que não conheciam, valorizando quem faz o dia a dia da escola.
Quanto aos recursos, o “Projetar-se” foi executado sem nenhum orçamento, no suor e no desejo de fazer mais com menos. Para o ano de 2023, temos expectativas bem mais positivas, visto que já incluímos o projeto no plano de ação financeira da nossa escola, uma realidade que nos alegra.
Cleciane Santos Alves
Graduada em letras e pedagogia, é especialista na área de alfabetização e letramento e mestranda no campo da linguística aplicada. Atualmente leciona língua portuguesa e projeto de vida no Centro de Excelência Professor Abelardo Romero Dantas. Durante seus 12 anos na docência, já atuou em todos os anos do ensino fundamental, bem como em todas as séries do ensino médio. Na área técnica, atuou como Coordenadora de Acompanhamento Pedagógico na Diretoria Regional de Educação/Seduc