Projetos universitários ganham espaço na Campus Party
Aproximação com profissionais do mercado de tecnologia leva o aprendizado para além da sala de aula
por Marina Lopes / Maria Victória Oliveira 1 de fevereiro de 2016
Óculos de realidade virtual, robôs que jogam futebol, aplicativos e muitas propostas criativas. Durante a nona edição da Campus Party Brasil, que aconteceu entre 26 e 31 janeiro, no Anhembi, em São Paulo, universitários de todo o país tiveram espaço para apresentar projetos e trocar experiências com profissionais da área de tecnologia e inovação.
Com objetivo de trazer visibilidade para trabalhos acadêmicos que se destacam pelo uso de tecnologia, de forma inovadora e criativa, o evento contou com a participação de 64 trabalhos, que foram expostos na mostra Campus Future, localizada na área gratuita aberta ao público.
“Quando apresentamos um projeto, conseguimos nos aprofundar em coisas que vemos no dia a dia na faculdade. Podemos ver a parte prática e trocar experiências com outras pessoas”, explica Talitha Diane, 21. No quinto período do curso de engenharia biomédica, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a universitária participava da apresentação de um dispositivo para controle de cadeira de rodas via eyetracking, uma espécie de sensor que identifica o que o usuário está olhando para evitar possíveis acidentes ou choques com obstáculos.
Para a estudante, o contato com outras pessoas ajuda a enriquecer o projeto e possibilita aprender mais do que apenas em sala de aula. “Quando estamos com algum problema ou dificuldade, em um evento como esse, de caráter colaborativo, conseguimos transpor. Muitas vezes, atravessamos as mesmas dificuldades que as pessoas que já estão há mais tempo na área”, complementa o seu colega Mateus Sousa Franco, 22, do quinto período de engenharia da computação.
Em uma das bancadas reservadas para os projetos universitários, o professor de engenharia da computação Mateus Sousa Franco, do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), acompanhava estudantes na apresentação de quatro times de robôs desenvolvidos para participar de competições de futebol. “Eu acho que é muito importante os alunos apresentarem o trabalho deles e também olharem o trabalho de outras pessoas. Eles podem obter feedback e pensar em pontos que isoladamente não conseguiriam enxergar”, defende.
Para o professor, a Campus Future também traz a possiblidade de os alunos terem mais contato com startups. “Quando eles conhecem pessoas que estão montando empresas, conseguem perceber a tecnologia de uma forma diferente da que vemos na academia”, menciona, ao falar sobre a proximidade com o mercado de trabalho.
Incentivados por professores da Fatec (Faculdade de Tecnologia do Estado) de Carapicuíba, os recém-formados Guilherme da Silva, Paulo Fontes e Phillipi Unger, participaram da mostra para apresentar um óculos de realidade virtual, desenvolvido no Trabalho de Conclusão de Curso do tecnólogo em jogos digitais. “O que nós desenvolvemos aqui nem faz parte da grade curricular. Fizemos um hardware, e não apenas um software”, conta Phillipi Unger Lino, 20, ao defender a importância e o grau de complexidade do projeto realizado.
Durante a mostra, o contato com profissionais que atuam no mercado de tecnologia fez o grupo pensar na possiblidade de tirar as ideias do papel para transformar o TCC em um negócio. “Muitas pessoas aparecem aqui e dão dicas de coisas que poderiam ser implementadas no projeto. Também acabam nos explicando sobre a parte de negócios, que não foi muito focada dentro da faculdade”, menciona Paulo Fontes, 21.
Ao lado dos recém-formados, outro grupo da Fatec de Carapicuíba também apresentava um projeto de conclusão, mas que desta vez ainda estava em andamento. Paulo Fabian, Renan Lira e Rodrigo Fenilli terminam o tecnólogo em jogos digitais no final deste ano, com o desenvolvimento de um game que facilita a comunicação entre cuidador e pacientes que sofrem de Acidente Vascular Cerebral. “Estamos na fase de conclusão e ainda precisamos encontrar caminhos para desenvolver o que estamos aprendendo”, explica o integrante Paulo Fabian, 47. Segundo ele, a oportunidade de expor trabalhos traz um incentivo para que os universitários encarem o projeto de conclusão de outra forma. “Muita gente começa o trabalho só para fechar o curso, mas não pensa em colocar para frente e virar. Nós estamos pensando em fazer um negócio.”
Embora a mostra de trabalhos seja uma oportunidade de aprendizado para os estudantes, o aluno Renan de Lima, 43, pondera que deveria existir uma atenção maior para os projetos universitários, promovendo uma integração maior com o setor empresarial. “Sinto falta de eventos que façam uma integração maior entre o setor privado e projetos universitários de pesquisa”.
Aceleração de TCC’s
A poucos passos dali, mais universitários apresentavam seus projetos no evento. Nesse caso, os alunos faziam parte do programa Academic Working Capital (AWC), uma iniciativa do Instituto TIM que apoia novos negócios que envolvem tecnologia na criação de um produto. O projeto acelera Trabalhos de Conclusão de Curso das áreas de Engenharias e Ciências Exatas de universidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Os alunos podem submeter seus projetos de TCC para ser avaliado por um comitê. Caso o trabalho tenha conteúdo tecnológico e seja comercialmente viável, o grupo selecionado receberá orientações semanais e apoio financeiro para lançar seu produto no próximo ano.
No meio de uma bancada tomada por computadores, teclados e até travesseiros, o Porvir encontrou Marcelo Borges, 25. Ao seu lado, estava a Looter ONE, impressora 3D construída como trabalho de conclusão de curso, junto com o colega Fabrício, para a faculdade de Engenharia Mecatrônica da Universidade de São Paulo (USP). “O projeto inicial era do meu colega Fabrício. Conforme a gente foi recebendo acompanhamento de negócios e de design, áreas que não temos tanta experiência, descobrimos que aquela impressora era muito grande e invendável”, relata Marcelo. A partir daí, a dupla montou outro projeto, que resultou na impressora 3D nacional com um custo mais acessível. “A Luther One é uma das máquinas nacionais com qualidade comparada às importadas, que custam mais de R$ 15 mil, só que com um preço acessível aqui no Brasil, de R$ 3500,00.”
Segundo Marcelo, o programa dá apoio para que os produtos dos estudantes tenham sucesso no mercado. “Muita gente, e eu acho que nós dois também, nem teríamos lançado nosso produto no mercado. A gente teria feito o TCC e guardado no armário. O intuito do AWC é justamente fazer com que esse pessoal que tem ideias novas, que podem investir no país com empreendedorismo e inovação, entrem no mercado”.
Jessica de Abreu, 22, e Luiz Alves Neto, 21, que também estudam Engenharia Mecatrônica, inovaram pensando no meio ambiente ao construírem uma recicladora portátil de papel. “A ideia é que a recicladora seja do tamanho de uma máquina de xerox, nem muito grande, nem muito pequena, e que seja simples de usar: você coloca a folha escrita de um lado e tira a folha limpa do outro”, explica Jessica. Luiz complementa, explicando que uma folha é formada por até seis camadas de celulose e que, no processo da reciclagem, a tinta fica presa entre essas camadas, deixando o papel limpo novamente. “A pessoa pode usar a mesma folha até 10 vezes sem que o papel perca a qualidade”, garante.
Eles comentam que, apesar de estudarem engenharia, preferiram testar e entender a demanda do mercado para depois miniaturizar e começar a produzir e comercializar o produto. “O que adianta ter um produto se o mercado não quer comprar? A participação no AWC nos ajuda a entender como fazer essa pesquisa de mercado, fazer networking, falar melhor em público, expor a sua ideia e entender o modelo de negócios”, ressalta Jessica.
Já a dupla Lucas Moraes, 24, e Edson Nakada, 24, programaram um software de gerenciamento de diálogo. Para simplificar, trata-se de um atendimento automatizado para e-commerce. Ainda não entendeu? Os engenheiros criaram uma ferramenta que possibilita que as pessoas conversem com o software para, por exemplo, fazer pedidos em uma pizzaria. Ao invés de ser atendido por outra pessoa, o cliente é atendido pelo software. Lucas explica que eles utilizaram um processo que transforma a linguagem natural (que é a linguagem do ser humano) em uma linguagem que a máquina entenda. “O software separa as partes mais importantes da frase e tira o resto, a fim de manter uma conversa sem termos que programar cada situação específica”. Edson completa, afirmando que o computador realmente entende a semântica da conversa. “O software consegue captar a intenção do falante”.
Segundo Lucas, depois dos workshops oferecidos pelo AWC, a dupla tem uma visão melhor de como organizar a empresa e analisar o mercado. “Dá um pouco de medo de sair da faculdade como empreendedor. Aquele sentimento de “e agora?”. Mas eu sempre tive muita vontade de ter um negócio próprio, de fazer algo diferente, não fazer mais do mesmo. Então é meio que uma satisfação pessoal mais do que qualquer coisa”, conta o recém-formado.
Colaborou: Regiany Silva