‘Quero fazer a diferença na vida de cada aluno’
No dia do professor, leia o depoimento de uma educadora de MG que tem se reinventado durante os seus 28 anos de profissão
por Patrícia Gomes 15 de outubro de 2013
Alunos muito atrasados com relação aos seus pares. Falta de infraestrutura. Distância das famílias. Pobreza, violência, drogas. São muitos os desafios que os professores vivem no seu dia a dia, sobretudo os que lecionam em escolas públicas em situação de vulnerabilidade social. Ainda assim, não são raros os exemplos de educadores que conseguem, com criatividade e determinação, superar os obstáculos e oferecer aos alunos a oportunidade da educação.
No dia dos professores, o Porvir queria ouvir e contar a história de um docente que pudesse representar a todos. Mas não servia o professor que desenvolve a tecnologia mais avançada ou aquele que conseguiu uma vaga num curso superexclusivo no exterior e voltou para compartilhar o que aprendeu. Esses educadores são únicos e merecem todo o nosso respeito e reverência, mas hoje queríamos conhecer um professor que, dentro de todas as dificuldades, conseguia inovar em sala de aula e transformar a realidade em que seus alunos vivem pela dedicação e pelo exemplo.
Foi aí que conhecemos a Marinete dos Santos, 48, que já ensinou de tudo em seus 28 anos de magistério na rede pública na cidade de Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte. Ela começou alfabetizando crianças mais velhas, passou anos ensinando geografia e, mais recentemente, tem dado aula de todas as disciplinas – “com a ajuda da tecnologia, que me ajudou a suprir minhas defasagens de aprendizado nas disciplinas que eu não domino”, diz ela.
Nessas quase três décadas de sala de aula, ela viu os aparelhos que já representaram o auge da tecnologia, o retroprojetor e o vídeo cassete, se tornarem peças obsoletas. Viu os computadores e a internet invadirem a sala de aula e, mais recentemente, tem percebido o quanto seus alunos se interessam pelas tais redes sociais.
Marinete se orgulha de seus maiores prêmios virem em formato de convite, e não em medalhas ou valores em dinheiro. Convites de formatura. Um dia desses aí para trás, recebeu o primeiro convite para ver a banca de defesa de mestrado de uma ex-aluna que se formou em geografia. “Ela disse que se apaixonou por geografia por minha causa. Eu prefiro acreditar que eu continuo mais apaixonada pelo que eu faço por causa dela”, rebate a professora, que também se recusa a se considerar inovadora. “Sinceramente, eu não me acho [inovadora]. O que eu busco é fazer a diferença na vida do meu aluno com as ferramentas que a gente dispõe”, afirma ela.
Mas para provar que Marinete está errada, trazemos aqui parte da entrevista que fizemos com ela, em forma de depoimento. Nesses trechos, destacamos algumas de suas práticas e apontamos as tendências que temos identificado dentro e fora do país. Algumas delas ela desenvolve de forma analógica ou intuitiva, assim como muitos professores que estão lendo agora esse texto. A eles e a todas as Marinetes que ajudam a melhorar a educação desse país, nosso muito obrigado.
Personalização
Sempre fui apaixonada pela educação. Comecei dando aula para uma 1a série que era formada por alunos repetentes. Geralmente, a direção dava essas turmas para os professores novatos. Foi o melhor desafio que alguém poderia ter me dado. Eu tinha alunos com 11 anos ainda no período de alfabetização e eu pensava em formas diferentes para alcançar todos eles. Eu lembro que eu tinha 21 alunos e, desses, eu consegui alcançar 19. Misturava métodos para que cada um, com sua dificuldade, conseguisse se desenvolver.
As primeiras tecnologias e o engajamento dos alunos
Eu comecei a dar aula em 1985. De 85 a 90, a grande ferramenta tecnológica era o retroprojetor. Gastava horas fazendo mapas na lâmina, tirando fotografias. A escola não tinha recurso, mas eu investia porque a minha aula ficava melhor, os alunos se engajavam mais. Nessa época, tinha também o vídeo cassete. Os alunos ficavam loucos para conhecer os lugares que eles viam apenas em vídeo. Mas só as imagens, por si só, não bastavam. Eu sempre complementava as atividades com trabalhos em grupo, em campo, com reflexões.
Monitoramento de dados
Fui diretora por 5 anos e 4 meses. Nesse período, fui procurada por um grupo que estava desenvolvendo um site e eles me mostraram um trabalho com métricas. Desde sempre, gostei de observar o desempenho dos meus alunos questão por questão na prova. Quando voltei para a sala de aula, usei esse conhecimento. Eu tabulava resposta por resposta. Dava um trabalho enorme. Aí eu percebi que, se a maioria errava uma questão, o problema era meu e não da maioria. Eu podia, com isso, melhorar a minha aula.
Recompensas
A melhor forma de ter um retorno positivo dos alunos é dar um retorno positivo para eles. Pode ser uma estrelinha de papel, um bombom. Sempre fui criticada por distribuir doce para os alunos, mas eu percebia que, com algum estímulo, eles se empenhavam mais nas tarefas.
Ensino significativo
Quando eu vou preparar a minha aula, eu fico me perguntando: “o que de útil esse conteúdo pode ter para esse menino, para o seu dia a dia?” Eu gosto de colocar para os alunos em que eles vão utilizar aquilo. E eu sempre peço que eles me contem, se eles descobrirem mais lugares em que podem usar. Eu quero saber até para mencionar para as próximas turmas.
Acompanhamento individual
Se tem uma coisa que eu aprendi com o tempo foi que a gente precisa entender o contexto social dos alunos. Sou conhecida na escola por ir à casa deles. Uma vez, tivemos um menino com notas muito ruins e comportamento agressivo. Um dia, ofereci carona para ele. Ele se esquivou e não me deixou acompanhá-lo até a porta de casa. Em outra ocasião, estava chovendo e eu ofereci carona novamente. Eu disse para ele: “Hoje você tem que me deixar conhecer seu pai, sua mãe. Depois, eu deixo você conhecer a minha casa”. Ele morava em uma casa de um cômodo só, chão de terra batida, uma cama de casal para cinco pessoas. Eles cozinhavam em uma lata que ficava no chão sobre quatro tijolos. É claro que o baixo desempenho era muito em função do contexto social em que ele vivia. Fizemos uma campanha e ajudamos aquela família. Depois disso, o comportamento daquele menino mudou completamente.
Um computador por aluno
A escola agora tem 35 netbooks. Como eu sempre tenho meus primeiros tempos vagos, vou até a biblioteca, pego meu pendrive e coloco o material que eu quero utilizar em cada um dos netbooks. Tenho que carregar tudo, inclusive o cabeamento. São 40 minutos só para deixar tudo pronto. Mas vale a pena. Os meninos amam as atividades que faço com os computadores. Como a maioria não tem internet em casa, as primeiras aulas serviram como uma alfabetização digital. Criamos emails juntos. Agora eu mando as atividades por email e isso ajuda na dinâmica da aula.
Redes sociais
Eu ainda não uso as redes sociais porque tenho um pouco de resistência. Afinal, são 28 anos de magistério sem isso. Mas os alunos estão me pedindo e, para o ano que vem, vou começar a usar. Acho que as minhas próximas turmas vão lucrar mais do que todas as outras. Pena que só faltem dois anos para eu me aposentar.