O que combinar e como aproveitar reuniões para aproximar famílias e escola
Alinhamento entre equipe pedagógica e gestora e pais, mães e responsáveis é fundamental para estabelecer parceria de sucesso na educação de crianças e jovens e promover convívio das famílias na escola
por Maria Victória Oliveira 6 de setembro de 2023
Já imaginou uma reunião escolar acompanhada de chá, lanche, yoga e um espaço para que as famílias façam artesanato junto com seus filhos? Essas foram algumas das estratégias que a Secretaria Municipal de Educação de Vargeão, em Santa Catarina, implementou para engajar pais, mães e responsáveis, tornando as reuniões escolares mais produtivas e significativas.
O projeto “Famílias que Cuidam”, que integra essas ações, foi concebido a partir de uma iniciativa voltada ao cuidado socioemocional de educadores e estudantes. “Depois da pandemia, percebemos que não era suficiente desenvolver esse projeto socioemocional apenas no ambiente escolar. Notamos que a saúde mental precisava ultrapassar os muros da escola, e foi aí que criamos o Famílias que Cuidam, que incentiva o desenvolvimento de filhos emocionalmente saudáveis, já que a família é o primeiro ambiente facilitador do desenvolvimento socioemocional”, explica Pricila Tobias, psicóloga escolar.
Carmem Raymundi, secretária de educação, comenta que o pós-pandemia também acendeu um alerta de que seria necessário cativar novamente os pais, mães e responsáveis e conquistar sua confiança para que fossem verdadeiros parceiros da escola na tarefa de ensinar. Pesquisas realizadas pela rede muncipal com estudantes e seus responsáveis revelaram que muitas crianças raramente brincavam com suas famílias. Diante disso, a equipe gestora decidiu transformar as reuniões escolares em momentos de qualidade e conexão.
Dentre as atividades já promovidas, destacam-se: yoga, bingo, entrega personalizada de boletins, oficinas de arte, ações de cidadania, sessões de cinema, feiras de livros, palestras e discussões sobre temas relevantes para as famílias, e até mesmo momentos tradicionais da região, como a “mateada”.
“Pensamos nessas ações para que as famílias saiam de casa e venham fazer aquilo que muitas vezes não fazem a semana toda, que é dedicar um tempo totalmente para o filho. Sentimos a necessidade de transformar esse ambiente em um lugar permeado por afeto e diálogo, para que fosse um espaço, ao mesmo tempo, desses momentos de qualidade, mas também de orientação e formação das famílias em parceria com a escola”, aponta Carmem.
Papel da tecnologia
Os quase dois anos de escolas fechadas no Brasil geraram aprendizados e legados quanto ao contato entre escolas e famílias. Por isso, em tempos de grupos de WhatsApp, informativos via e-mail, aplicativos e encontros virtuais, há quem diga que as reuniões presenciais ficaram para trás.
Cleuza Repulho, educadora e consultora educacional, vai na direção contrária e reforça a importância de as famílias continuarem frequentando as escolas, para que saibam o que é esse ambiente escolar e conheçam os colegas e os profissionais de educação envolvidos com a vida escolar de seus filhos.
“Não dá para educar um filho e cuidar de aluno via WhatsApp ou videoconferência. Temos que continuar mantendo e insistindo em reuniões presenciais. Não dá para modernizar tudo e fazer online, porque esse contato é muito importante”, defende.
Para Maristela Mosca, diretora do NEI (Núcleo de Educação da Infância) da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), nada troca o momento do “olho no olho”. Ela reforça que existem certos assuntos falados em uma reunião presencial com educadores e psicólogos que não podem ser abordados, por exemplo, em um grupo coletivo de WhatsApp, por mais que a escola conte também com essa ferramenta de contato.
Dinâmicas para receber famílias
A presença de pais, mães e responsáveis nas escolas também é uma oportunidade, segundo Cleuza, de a escola conhecer as famílias e, em muitos casos, esclarecer as razões e motivos para os comportamentos dos estudantes.
“Nas reuniões, acabamos observando se os pais são mais agressivos ou carinhosos e se há relações tensas entre os membros das famílias. É uma oportunidade de entender de onde os alunos vêm”.
Em Vargeão, município catarinense citado no início do texto, por exemplo, são realizadas visitas domiciliares, nas quais a psicóloga e assistente social escolar vão até as casas dos estudantes para conhecer mais de perto a realidade dos alunos. “Precisamos ser uma educação que aproxima, porque assim a família começa a acreditar que não estamos ali para apontar o dedo, mas para ajudar e fortalecer. Por isso se faz importante uma equipe técnica como a que temos na secretaria de educação, com todos os profissionais com um olhar assertivo para as crianças”, comenta Carmem.
No Rio Grande do Norte, por sua vez, Maristela Mosca explica que o NEI investe em três diferentes momentos formais para estar junto às famílias. A cada início de ano letivo é realizada uma grande reunião administrativa, comandada pela direção da escola, para tratar sobre assuntos gerais, questões de infraestrutura e colocar as famílias a par do funcionamento da instituição.
Já as reuniões pedagógicas, realizadas pelos educadores com cada turma das famílias a cada trimestre, têm o objetivo de compartilhar com os pais, mães e responsáveis como foi o percurso da turma durante aquele período.
Por fim, as reuniões de entrevista ou plantão, como são chamadas, são encontros individuais entre cada família e os educadores, e visam tratar sobre dúvidas, questões, encaminhamentos e assuntos mais particulares de cada estudante.
“No NEI incentivamos que as famílias sempre participem, o que não é um trabalho fácil, já que, atualmente, vivemos um mundo de terceirização da educação e da formação dos filhos. Mas buscamos implicar essas famílias e afetá-las, chamando, por exemplo, para que participem e vejam também as coisas boas. Deve ser muito ruim uma escola que só chama os pais quando acontece algum problema”, explica Maristela.
O coletivo e o individual
Mas, afinal, como decidir o que tratar coletivamente e o que tratar de forma individual, avaliando caso a caso? Cleuza Repulho defende a importância de uma pauta bem pensada pela equipe gestora, dividindo de forma clara o que será abordado de forma coletiva, isto é, dúvidas comuns das famílias e informes que servem para todos os estudantes, e o tempo que será destinado aos atendimentos individuais.
“Quando você está com todo mundo, não vai tratar do que é específico, mas sim do global, do conjunto da turma. A primeira parte da reunião deve focar nos assuntos gerais. Então responder questões como ‘pode ajudar na tarefa de casa?’, ‘como enviar material para escola?’, ‘todo mundo foi mal da avaliação, então faremos uma revisão’. A ideia é tratar assuntos mais gerais e cuidar para que assuntos individuais não sejam tratados ali e para que nenhuma família monopolize a reunião. Acho que esse é o maior desafio”, afirma a educadora.
Importância dos combinados
Outra estratégia relevante para promover reuniões mais efetivas é a realização de combinados de convivência, afinal, a escola é um espaço de convivência. Cleuza aponta que os pais também devem compreender a importância de respeitar os combinados. Isso inclui, por exemplo, desligar os celulares durante o momento da reunião.
“Já passei por uma situação em que tinha um pai médico com um paciente em urgência durante a reunião. Perguntei para o grupo: ‘todos estão de acordo que ele será o único com o celular ligado?’. Sabe a forma como fazemos com crianças? Com os pais é igualzinho. Por isso é interessante que as regras de convivência sejam apresentadas logo no começo.”
O NEI, por exemplo, envia, no início de cada ano letivo, o documento Normas e Orientações aos Pais e/ou Responsáveis, como uma forma de estabelecer, desde cedo, combinados e acordos com as famílias, para que todas saibam sobre o funcionamento da escola. Trata-se de um arquivo com as principais informações de funcionamento e operação da escola, desde o horário de cada turno, passando pelo funcionamento e formatos das reuniões de famílias, a operação de cada setor, os direitos e deveres das famílias, entre outros pontos.
“Esse documento funciona como um lembrete, um combinado entre as famílias e a escola. No NEI, falamos que temos uma proposição muito dialógica. Mas somos nós que definimos nossa proposição filosófica metodológica e deixamos isso claro para as famílias”, aponta Maristela Mosca.
Esforço coletivo é indispensável
As reuniões com as famílias realizadas pelo NEI envolvem, além dos profissionais de educação, membros da equipe multidisciplinar, formada pela psicóloga escolar, enfermeira, nutricionista e assistente social.
Maristela explica que a enfermeira, por exemplo, não cuida apenas de um joelho machucado, mas tem um olhar cuidadoso para a promoção da saúde de cada criança, notando se algum estudante está acima ou abaixo do peso ideal para a idade. A nutricionista, por sua vez, é responsável pelo planejamento das 420 merendas servidas diariamente na instituição, o que envolve crianças com alergias, intolerância ou seletividade.
“Essas são questões pedagógicas, mas com características e especificidades que precisam ser alinhadas entre a equipe pedagógica multidisciplinar e as famílias. Nós somos parceiros dos pais e mães e procuramos, sempre que possível, fortalecer essa parceria. E é por isso que os encontros presenciais são muito importantes, para que possamos conhecer cada vez mais as realidades com as quais estamos trabalhando.”
4 dicas práticas para reuniões escolares que funcionam
- Horário: Não realizar reuniões em horário comercial. Optar por realizá-las à noite ou aos finais de semana, para incentivar a participação dos responsáveis e não comprometer seu horário de trabalho;
- Objetividade: Enviar às famílias uma pauta concisa e direta, limitando a reunião coletiva a no máximo duas horas;
- Organização: A pauta da reunião, cuja proposta cabe à gestão escolar, deve dividir de forma clara os informes e temas destinados aos momentos coletivos, e reservar um período para que coordenadores e professores fiquem à disposição de famílias que queiram tratar algum assunto individualmente;
- Acolhimento: As escolas devem se organizar para receber e acolher de forma responsável as famílias que não têm com quem deixar os filhos durante o momento da reunião.