Robótica é porta de entrada para discussão sobre meio ambiente
Programação é apenas uma das abordagens da robótica, que abre um leque de possibilidades de trabalhar com materiais recicláveis e lixo eletrônico, por exemplo
por Maria Victória Oliveira 15 de dezembro de 2021
Promover abordagens interdisciplinares de conteúdo por meio da robótica é uma estratégia valiosa para conectar as diferentes disciplinas e, consequentemente, a aplicação prática dos aprendizados no dia a dia. Essa abordagem é particularmente útil em sala de aula na hora de discutir temas como sustentabilidade, que até outro dia eram restritos à teoria e memorização de processos de reciclagem ou dos biomas.
Silvana Zili, coordenadora de tecnologias educacionais da Brink Mobil, explica que a robótica, por si só, já promove um trabalho inter e multidisciplinar, principalmente das áreas de ciências e matemática. “A temática engloba, principalmente, a mecânica, a eletricidade, a eletrônica e a computação. Trabalhar de forma interdisciplinar oferece uma visão mais ampla dos assuntos, necessária para a formação profissional e pessoal dos alunos, tendo em vista que a vida não é dividida por disciplinas”, explica.
Para a educadora, o trabalho por projetos e essa abordagem integral, juntamente com a proposição de temas contemporâneos, ajudam a promover a participação efetiva dos estudantes. Ao estimular a resolução de problemas no contexto real, a prática ainda desenvolve competências e habilidades importantes para a cidadania.
E tudo isso acontece por meio de metodologias ativas de aprendizagem, algo valorizado ainda mais após o longo período de aulas remotas. “O trabalho com a robótica coloca o aluno como protagonista da sua aprendizagem. É um processo desafiador e criativo, que envolve pesquisa e raciocínio lógico, tendo como suporte recursos tecnológicos que o tornam dinâmico e lúdico”, afirma.
Esse viés mais mão na massa, que engaja o aluno, favorece não só a compreensão, mas também a fixação do conteúdo. “Em uma aula em que o aluno terá que montar e programar um modelo que simule os movimentos de translação e de rotação da Terra, antes ele deverá entender como são esses movimentos. Depois, pensar como montar o protótipo que represente o Sol e a Terra, inclusive levando em conta uma estrutura que torne este modelo funcional. Depois da montagem pronta, deverá programar o seu funcionamento, de forma que simule os movimentos.”
Além da programação
Compreender que a robótica vai além da programação significa a possibilidade de conectar suas múltiplas vertentes com diferentes temas. “A aprendizagem da programação é uma das abordagens possíveis, de grande importância, mas não é a única. A robótica é uma ferramenta de ensino, uma metodologia riquíssima, que possibilita diferentes enfoques”, afirma Silvana.
A ideia, portanto, é que ao mesmo tempo em que o ensino de robótica pode ser usado com ênfase na educação tecnológica, também é possível usar a temática para explorar outros componentes curriculares, como é o caso da sustentabilidade.
Robótica sustentável
Unir robótica e o ensino de sustentabilidade envolve múltiplas opções. É possível abordar o tema reciclagem no reuso de materiais na construção de robôs, por exemplo, como mouses, teclados e outros componentes tecnológicos classificados como sucata digital. Outra opção é propor aos estudantes temas e desafios relacionados às questões ambientais.
“Recentemente acompanhamos um projeto em que eram apresentados alguns problemas relacionados ao meio ambiente, específicos do entorno das crianças, e elas tinham que propor soluções e representá-las por meio de modelos robóticos. Muitas soluções eram realmente viáveis e mereceriam, inclusive, ser analisadas por empresas para que fossem implementadas”, exemplifica Silvana, ressaltando o potencial do envolvimento de crianças e jovens com problemas do mundo real.
Resolvendo desafios da vida real
Keila Cattete, professora de matemática e de robótica educacional, conta que uniu inúmeros elementos na criação de seu projeto de robótica sustentável. Ela juntou a dificuldade dos estudantes em matemática, o viés sustentável – uma vez que, enquanto atuante na região amazônica e remanescente do Quilombo Tracuateua, no Pará, reforça a importância de pensar sobre preservação e meio ambiente –, e o ensino tecnológico da robótica.
“A ideia do projeto surgiu em 2014 quando eu trabalhava em uma escola rural de Belém do Pará. Nós temos consciência que precisamos preservar essa região, mas, em muitos lugares, as pessoas ainda não sabem como reaproveitar o lixo e materiais recicláveis. Quando fui desenvolver o protótipo de um robô com os alunos, não havia material para a construção. Foi então que pensei em usar lixo eletrônico e outros materiais como papelão e garrafa PET”, conta Keila.
O projeto foi o início de uma trajetória de sucesso para a professora. Em 2017, a equipe de alunos coordenada por ela foi campeã do Torneio Brasil de Robótica (TBR) por ter criado um robô que colhia o fruto do açaí e da acerola, uma dificuldade enfrentada pelos membros da comunidade quilombola do Abacatal, em Ananindeua (PA).
Depois da experiência, Keila foi convidada para montar um laboratório de robótica em uma escola particular em Belém, onde trabalha até hoje. “Nós fizemos campanhas na comunidade, que doou mouse, teclado, CPU. Começamos a desmontar essas peças – que são caríssimas ainda hoje – para construir robôs. Os alunos aprendem sobre física, matemática, química, língua portuguesa e inglesa. É um trabalho interdisciplinar.”
Em um mundo altamente tecnológico e conectado, Keila reforça a importância de os estudantes, principalmente das novas gerações, utilizarem as ferramentas corretamente. “A robótica educacional ajuda a tornar o aluno um campeão para a vida, isto é, com a capacidade de encarar a sociedade de forma consciente e crítica, além de preservar suas raízes e valorizar sua história. Assim, ele está preparado para ganhar o mundo, ter novas experiências e trocar ideias.”
Formação de professores
Além de ajudar a formar cidadãos do futuro, Keila também atua com formação de professores para multiplicar o ensino da robótica educacional, a partir de uma parceria com a UEPA (Universidade Estadual do Pará). “As crianças precisam disso pois estão vindo de um período pós-pandêmico com o emocional abalado e baixa autoestima. O projeto vem para estimulá-las, para que conquistem seu espaço e sejam ótimos profissionais. Em 2014 me chamaram de louca, mas insisti e falei que era possível. Hoje esses jovens estão quebrando paradigmas e a sociedade foi enxergando que dá para trabalhar robótica sustentável com materiais recicláveis e com alunos típicos e atípicos.”
Luciana de Oliveira, professora, assessora e formadora de educadores na área da robótica em Arapongas (PR), também reforça a importância de educadores receberem orientações adequadas sobre o ensino de robótica, pontuando que é necessário um processo de contato dos professores com os recursos didáticos, para que eles próprios possam se acostumar antes de ensinar os estudantes.
“A formação é voltada para o professor conhecer o material, pois ele precisa entender, antes de mais nada, o que é a robótica, para o que serve e como funciona, além de conhecer o material. No primeiro contato, eles se assustam um pouco com as peças pequeninas, mas com a explicação, passam a entender que a robótica é um mundo fantástico e, a partir daí, veem as possibilidades que podem surgir”, explica.
Para a assessora, o ensino da robótica tem grande potencial por promover uma interligação entre todas as disciplinas. Nesse sentido, são infinitas as possibilidades de trabalhar a sustentabilidade. “Transformar lixo em algo que não é lixo e unir a robótica com sucata conscientiza muito. Temos estudos e aulas que falam sobre poluição, plástico e a questão do lixo. A robótica promove esse outro olhar para a preservação do meio ambiente.”
Mesmo com o tema em alta em alguns espaços como na Conferência das Nações Unidas pelo Clima (COP 26), realizada entre outubro e novembro em Glasgow, na Escócia, Luciana pontua que trabalhar o assunto com crianças tem efeito ao longo da vida. “Quando falamos sobre educação ambiental, preservação e lixo com as crianças, elas levam muito a sério. Introduzir o debate de forma lúdica, como acontece na robótica, vai fazer toda a diferença no longo prazo.”
Um dos projetos de robótica desenvolvido em Arapongas envolveu o desenho e concepção de um mascote. Depois de assistirem vídeos sobre a coleta seletiva e comum do lixo, o trabalho das cooperativas de reciclagem e descarte em locais inapropriados, os alunos das escolas municipais foram incentivados a desenhar um personagem coletor amigo do meio ambiente. Alguns protótipos, inclusive, chegaram a ser desenvolvidos pelos estudantes e suas famílias.