Um FabLab para inclusão de jovens, famílias e ex-presidiários - PORVIR
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Inovações em Educação

Um FabLab para inclusão de jovens, famílias e ex-presidiários

Em entrevista ao Porvir, a coordenadora Susan Klimczak explica como o FabLab localizado no South End Technology Center, em Boston (EUA), tornou-se um espaço de tecnologia que abraça a comunidade

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 22 de outubro de 2019

É pela aprendizagem criativa que Susan Klimczak acorda diariamente às 4 horas da manhã. Pelos últimos 18 anos, é ela quem abre diariamente as portas do South End Technology Center e do FabLab Boston, o primeiro FabLab do mundo, em Boston, nos Estados Unidos, onde atua como coordenadora.

O espaço, que fica em um conjunto residencial que quase virou um estacionamento para carros, tem como principal característica a inclusão. Além de atividades de ciências e programação para estudantes de escolas públicas, é ali que universitários conseguem um primeiro salário, que ex-presidiários aprendem a mexer no mouse e a navegar na internet e que famílias cujos pais possuem múltiplos empregos encontram um momento para socializar e fazer uma refeição ao lado de seus filhos.

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Tudo isso passa pelas mãos de Susan, que limpa o chão, fecha as contas, arrecada dinheiro, paga salários, visita escolas e conversa com professores. É tanta dedicação ao South End Technology Center que ela aprendeu até mesmo a ouvir e entender as vontades da cortadora a laser, que teima em emperrar.

Nesta entrevista realizada durante a 2ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa, realizada em São Paulo, de 18 a 21 de setembro, Susan explica como mobiliza a juventude e permite com que eles tomem o controle de sua aprendizagem, em um processo que surpreende até mesmo suas escolas. “Se você acolhe os jovens, oferece a eles grandes expectativas, recursos e acesso às mais recentes tecnologias para que eles se expressem de maneira significativa, eles mostram que são incríveis”. Na conversa abaixo, ela discute como isso é possível.

Um FabLab para inclusão de jovens, famílias e ex-presidiáriosRodrigo Ono/RBAC

Susan Klimczak durante palestra na 2ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa

Porvir – Poderia contar a história do South End Technology Center?
Susan Klimczak – Ele foi uma ideia de Mel King, primeiro afro-americano a concorrer a prefeito de Boston, que dedicou sua vida a iniciativas ligadas à equidade e inclusão na vida social, política e econômica da cidade. Todo mundo o conhece porque ele sempre esteve presente em grandes eventos envolvendo direitos civis. Ele também trabalhou no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), onde tinha um programa para ativistas, que estão sempre com muitas ideias na cabeça, mas não sabem muito bem o que fazer com elas. Nunca dá tempo. Então ele criou um programa de bolsas que funcionava da mesma forma que a Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa, apoiando ativistas e permitindo que eles tivessem um ano para realizar seus sonhos.

Em 1997, quando King se aposentou e voltou a morar em seu antigo bairro, o South End de Boston, jovens diziam a ele que não tinham computadores ou acesso à internet e os locais que ofereciam isso não queriam jovens pretos. Mel morava perto e pressionava para a criação de um conjunto residencial para pessoas menos favorecidas. Um dos espaços era Tent City, que foi alvo de uma campanha para ser transformado em moradia, em vez de virar um estacionamento para carros.

Foi Mel quem decidiu abrir um centro de tecnologia em Tent City. O foco sempre foi a inclusão. Mel sempre foi muito ativo no MIT. Nos Estados Unidos, quando você se aposenta do cargo de professor universitário, tem direito a um gabinete e recebe algum dinheiro para fazer pesquisa. Mel disse que não precisava dessa quantia para si e preferia que o dinheiro fosse aplicado no aluguel do centro de tecnologia.

Ele conhecia Neil Gershenfeld, do MIT Media Lab, que elaborou esse projeto de construir FabLabs em muitos lugares. Ele tinha em mãos uma bolsa da NSF (Fundação Nacional de Ciências) que tinha que ser revertida em algum programa para a comunidade. Mel o convidou para instalar um dentro do centro de tecnologia e isso deu início a uma revolução que permitiu a criação de milhares de FabLabs ao redor do mundo.

Um FabLab para inclusão de jovens, famílias e ex-presidiáriosRodrigo Ono/RBAC

Susan Klimczak (2ª à esq.) participa de debate durante a 2ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa

Porvir – Como eram as atividades no início do South End Technology Center ?
Susan Klimczak – O espaço começou a funcionar em apenas uma sala, onde as pessoas aprendiam a consertar computadores. Quem consertava até três computadores, poderia levar um para casa. E havia muitos estudantes, especialmente enfermeiros e professores, que não tinham dinheiro para comprar seu próprio computador, que se preocupavam em aprender para ter onde fazer os trabalhos de faculdade. Até hoje somos um dos poucos FabLabs em nossa região que têm acesso aberto e gratuito.

Porvir – Mais do que um lugar para construir, o South Center Technology Center é um lugar para mobilização social. Como esse outro lado funciona?
Susan Klimczak – Sempre existiram movimentos. Muitos ativistas conhecem pessoas que trabalham no Fab Lab e usam o espaço para fazer cartazes. No Dia de Finados em Boston, jovens usaram o espaço para construir estêncil e imprimir caveiras para mais de mil pessoas. Esse tipo de coisa acontece o tempo todo.

Também temos um programa de apoio a escolas. Quando começamos a funcionar, a rede de escolas públicas de Boston estavam muito atrasada, com expectativas baixas em relação às crianças. Elas não ofereciam acesso à tecnologia, não tinham programas de ciências e nem verba de suficiente para computadores.

Conversei com Mel a respeito dizendo que não poderíamos permitir que a situação continuasse daquele jeito e ficar parados enquanto os jovens passavam dificuldades. Tínhamos que fazer algo a respeito. Foi assim que nasceu o “Learn to teach, teach to learn” (“Aprenda para ensinar, ensine para aprender”). A ideia envolve treinar uma massa crítica de jovens para que eles se tornem embaixadores e exemplos capazes de transformar suas comunidades. A ideia era que, com o decorrer do tempo, professores e famílias começariam a demandar mudanças nas escolas e em casa. Por sua vez, os jovens se motivariam em conhecer mais sobre a tecnologia, porque tinham a falsa impressão que ser inteligente e demonstrar interesse por tecnologia não era considerado legal. Hoje o programa tem 36 jovens, que ficam comigo entre abril e junho.

Aos sábados, temos um programa chamado “Como equipes podem fazer quase tudo”, em que eles são separados de acordo com as habilidades que já possuem e quais desejam desenvolver em projetos de aprendizagem criativa.

No verão, eles passam 25 horas por semana com a gente para desenvolver projetos que resolvam problemas de suas comunidades. Por exemplo, este ano, alguns jovens investigaram a qualidade do ar nas regiões mais pobres de Boston. Isso acontece porque ônibus ficam parados com o motor ligado nas garagens e porque existem muitas avenidas com tráfego intenso. Foi então que eles criaram um sensor que mede as partículas de poluição suspensas no ar. Havia um grande estudo universitário que tinha um sensor de US$ 30.000, mas no centro de tecnologia foi descoberto um similar que custa apenas US$ 30. Eles replicaram o estudo e descobriram seus resultados são quase exatamente os mesmos.

Um FabLab para inclusão de jovens, famílias e ex-presidiáriosRodrigo Ono/RBAC

Susan Klimczak durante oficina na 2ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa

Porvir – Como os  jovens são incentivados a ensinar os mais novos?
Susan Klimczak – Temos um clube de programação com atividades semanais. Os próprios jovens  desenvolveram alguns projetos que agora são usados por crianças. Em setembro, no último mês do verão, eles vão sozinhos com malas realizar oficinas em 25 organizações comunitárias nas áreas mais pobres de Boston com a intenção de levar conhecimentos de tecnologia e aprendizagem criativa para cerca de 600 crianças que estão no ensino fundamental. As crianças menores sempre se inspiram e querem imitar o que as mais velhas estão fazendo. Se eu fosse responsável por essas formações, não haveria o mesmo impacto.

Todos acham que esses jovens vêm das escolas com melhor desempenho na cidade, mas a verdade é que só 25% deles estão nesta situação. Eu faço um esforço hercúleo para atrair os que estão nas escolas com mais baixo desempenho e que são ignoradas pela população.

Porvir – Como você acompanha esse processo?
Susan Klimczak – Eu converso com os professores e visito algumas salas de aula durante o dia. Os meninos não podiam fazer isso por conta própria. Eles ficam assustados porque há expectativas muito baixas a respeito deles. Podemos fazer isso? Eles passam metade do tempo praticando no South End Tech Center, mas em algumas ocasiões pegamos todos os materiais e vamos para o MIT, porque queremos desenvolver um sentido de pertencimento. E eles estão com medo. E nossos pais ficam assustados quando vamos ao Media Lab. Mas depois de uma hora lá, eles já sabem onde pegar café e onde estão as coisas mais legais para brincar.

Uma outra coisa é que nós não focamos na tecnologia e nas habilidades. Pensamos em criar um mundo que funcione para todo mundo com o que chamamos de tecnologias do coração

Porvir – Qual o segredo desse trabalho?
Susan Klimczak – Se você acolhe os jovens, oferece a eles grandes expectativas, recursos e acesso às mais recentes tecnologias para que eles se expressem de maneira significativa, eles mostram que são incríveis. No South End Center, eles assumem que podem trabalhar com a cortadora a laser e fazer impressões em 3D ou usar quaisquer equipamentos eletrônicos. Se eles querem fazer um projeto, nós tentamos entender da melhor maneira. Se precisam de um material específico, eu ligo para alguém e peço uma doação, nem que seja de US$ 30.

Alguns dias antes de vir ao Brasil, eu perguntei a dois jovens que chegaram para receber os últimos pagamentos como estava a escola. Eles disseram que era chata e que eles não aprendiam muito. E no “Learn to teach, teach to learn” eles não se sentem assim. Professores e diretores às vezes perguntam como é possível ver crianças com baixo desempenho fazerem trabalhos incríveis.

Uma outra coisa é que nós não focamos na tecnologia e nas habilidades. Pensamos em criar um mundo que funcione para todo mundo com o que chamamos de tecnologias do coração. Elas trazem o melhor de você como indivíduo, trazem o melhor do seu relacionamento com outras pessoas, com a sua comunidade e trazem o melhor do seu relacionamento com o planeta . E isso é muito importante. Quando surgem problemas, temos rodas de conversa para discutir como melhorar o programa.

Crianças e jovens participam de atividade de aprendizagem criativa no fab labckohtala/Flickr

Crianças e jovens participam de atividades de aprendizagem criativa no FabLab

Porvir – De habilidades básicas para a vida à fabricação digital. Como tudo isso funciona?
Susan Klimczak – No começo eu disse: “Bem, a impressão 3D está dominando o mundo e devemos oferecer isso a eles”.  Eu imaginava que isso fosse feito de uma maneira muito prática, como habilidades de trabalho. Logo que comecei, percebi um efeito transformador. No primeiro dia, eles perceberam que poderiam criar coisas, fazer o que mais gostavam, uma sensação que diziam ter esquecido como era. Na prisão eles não tinham acesso a nenhum tipo de tecnologia e no centro gostaríamos que eles aprendessem a imprimir em uma impressora 3D. Muitos não têm renda e ali puderam criar presentes para os filhos, a namorada, a mãe ou quem quer que os tenha apoiado durante o tempo que estiveram presos.

Porvir – E quanto tempo dura o programa?
Susan Klimczak – É um programa de um mês que fazemos todos os anos, com um grupo de cinco a 12 integrantes. Estou tentando documentar isso, porque ninguém que eu conheça, exceto um cara que dirige um laboratório fabuloso na Irlanda, está fazendo um trabalho como esse. É um trabalho realmente importante e pode ter um efeito transformador. Alguns dos alunos montaram pequenos negócios. Eles vêm para o FabLab, pegam o arquivo do projeto que deixaram no servidor, imprimem, pintam e conseguem vender.

Também trabalhamos com famílias, porque muitas são de comunidades de baixa renda e precisam ter dois ou três empregos. Seus integrantes não conseguem fazer refeições juntos e os pais ficam assustados com suas crianças jogando online. Nesse programa de aprendizagem criativa, recebemos pequenas doações para preparar refeições e reunir 10 famílias, que ali podem comer juntas e socializar.

Porvir – Com todas essas atividades, você consegue descansar aos finais de semana?
Susan Klimczak – Eu nunca me casei. Esta é minha família. Estas são as pessoas com quem passo o tempo todo. Trabalho sete dias por semana, levanto às 4 horas da manhã, chego ao Tech Center às 8 ou 9h e as pessoas estão sempre por lá. Sempre tem algum equipamento ou servidor precisando de reparo ou tem alguma crise precisando ser resolvida na comunidade. Quase sempre saio às 7, 8 horas da noite. Descanso por uma hora, ouço o noticiário e trabalho mais um pouco. Essa tem sido minha vida pelos últimos 18 anos e eu realmente gosto do que faço.

 

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O South End Technology Center (em Boston, nos EUA) abriga o primeiro Fablab do mundo, um lugar em que a tecnologia é usada para dar oportunidade para as pessoas produzirem conhecimento e compartilharem suas ideias. Um dos programas, o Learn 2 Teach, Teach 2 Learn, forma desde 2002 jovens em habilidades relacionadas à computação e fabricação digital para que eles se tornem professores de outros jovens, durante o verão, em centros comunitários e organizações sociais. No espaço, é possível encontrar alguns dos trabalhos que esses adolescentes e jovens já produziram para compartilhar suas realidades, permeadas pelo racismo e outras discriminações. O Porvir está nos EUA para acompanhar as formações iniciais da turma de 2019 do Desafio de Aprendizagem Criativa e lugares incríveis como esse #inovacao #educacao #aprendizagemcriativa #mit

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* A Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa é apoiadora do Porvir


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aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem criativa, autonomia, competências para o século 21, equidade, inclusão, tecnologia

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