Universidade da Romênia propõe novo modelo de ensino superior
Experiência do leste europeu tem como princípios ajudar pessoas dispostas a serem felizes e a mudar o mundo
por Alex Bretas 30 de janeiro de 2017
A Universidade Alternativa (Universitatea Alternativă) é um espaço de aprendizagem fundado em 2008 por jovens ativistas educacionais do maior país do sudeste europeu. A iniciativa é uma evolução do CROS (Centro de Recursos para Organizações Estudantis ) , organização criada seis anos antes e cuja pauta central era a defesa da aprendizagem centrada no estudante nas universidades da Romênia. Num país que por muitos anos viveu sob a tirania de um ditador, o movimento que a CROS ajudou a incitar chegava a até mesmo advertir ironicamente que Ceausescu — o tirano que permaneceu 22 anos no poder — não estava morto: ele lecionava nas salas de aula de educação superior. Sediada em Bucareste, capital da Romênia, a Universidade Alternativa nasceu bebendo dos caminhos norteadores desse movimento: “autonomia e confiança em vez de controle, diversidade e customização ao invés de padronização, e pensamento crítico em vez de doutrinação”.
O sonho dos fundadores e de muitos que se juntam à universidade não é pequeno: revolucionar a educação na Romênia. Como me disse Traian Brumă, um dos criadores do projeto e que agora quer escrever um livro sobre como jovens podem propor espaços de aprendizagem transformadores, existem dois objetivos educacionais básicos: ajudar as pessoas a serem felizes e mudar o mundo. É isso que se espera de quem decide entrar na Universidade Alternativa.
A fim de alcançar esses dois objetivos, a universidade aposta em quatro princípios que conformam sua filosofia educacional: autonomia, comunidade e colaboração, impacto na sociedade e ambiente de aprendizagem. No que se refere aos valores da comunidade, eles podem ser sumarizados em 6 itens de acordo com o site do projeto:
– Valorize sua liberdade;
– Aprenda o tempo todo;
– Colabore autenticamente;
– Desafie-se até o fim;
– Seja gentil consigo e com o outro;
– Divirta-se como uma criança.
Em termos de estrutura, a Universidade Alternativa configura-se a partir de um caminho dividido em quatro fases de desenvolvimento: exploração, ação, transição e maestria. Após três anos vividos na universidade por entre esses estágios, há uma celebração e os alunos tornam-se membros perenes da comunidade. As fases são vividas de maneira customizada por cada estudante, os quais podem contar com o apoio constante de mentores de diferentes áreas e sessões de aconselhamento sobre autonomia na aprendizagem ofertadas por colegas mais experientes.
Uma pequena descrição de cada etapa pode ser vista abaixo:
1. Exploração – Na fase de exploração você testa e experimenta. É a chance de se conhecer, mapear seus interesses e a realidade como você a percebe. Trata-se de um período de busca por coisas que o interessam e de um lugar para praticá-las. Se você tem alguma ideia a respeito do que gostaria de fazer, então simplesmente vá e experimente por si mesmo. Em geral, seu comprometimento com cada nova ideia não dura mais do que três meses. É desejável que você conheça o maior número de pessoas possível, se voluntarie em projetos distintos e escolha uma organização para entender melhor e se dedicar. Nessa fase, recomendamos que você leia diferentes livros, blogs e artigos, além de trabalhar sua autonomia por meio de sessões de aconselhamento em aprendizagem autodirigida. Além disso, é desejável que você participe dos eventos da universidade (Acampamento, O Jogo, Convidado da Semana), vá a conferências, seja voluntário em diferentes projetos e converse com muita gente.
2. Ação – A fase da ação acontece em um ambiente que permita você errar, onde há liberdade e que seja desenhado especialmente para acelerar seu aprendizado. Pode ser uma ONG ou um projeto pessoal. Compromissos não são apenas exercícios, eles realmente dizem muito sobre você e as coisas com as quais você de fato se importa. Durante essa fase, que pode durar de dois a quatro anos, você ganha conhecimento para consolidar ou invalidar suas escolhas e desenvolve um rico portfólio de experiências valiosas para seu processo de aprendizagem. As experiências recomendadas durante essa fase são aquelas que o ajudam a desenvolver habilidades e as que geram aprendizagem social (cursos intensivos, treinamentos, workshops, Acampamento). Você pode se vincular a uma Comunidade de Prática ou iniciar um novo grupo de aprendizagem.
3. Transição – Na fase de transição, você geralmente passa do nível do voluntariado e do trabalho em ONGs e pode escolher uma empresa, tornar-se freelancer ou começar um novo negócio. Por meio de diferentes experiências de aprendizagem, você define o que está buscando, conversa com muitas pessoas para se orientar, conhece organizações e equipes, faz entrevistas e escolhe um trabalho, estágio ou programa de trainee. As experiências que contribuem para esse processo são: Alugue uma equipe, se você quiser consolidar sua rede e aprimorar seu portfólio; faça mentoria, caso você precise de aceleração profissional e orientação; e estágios, caso você queira conhecer diferentes organizações para escolher o ambiente que mais se encaixa com o seu perfil. Se você quiser se tornar um empreendedor, você pode abrir uma empresa com o apoio da incubadora de negócios.
4. Maestria – Nesta fase, você é um profissional que reflete sobre sua prática, constantemente se aprimorando, aprofundando-se na sua área de interesse, tornando-se conhecido na comunidade profissional a que pertence, tendo resultados e ganhando experiência e maturidade. Esse é um estágio em que você, em relação à Universidade Alternativa, torna-se um recurso para outras pessoas e seu desenvolvimento é sustentado por meio dessa função e também a partir do seu contato com outros profissionais que estão na mesma fase.
Além das quatro fases sintetizadas acima, a Universidade Alternativa também se estrutura por meio de diversos dispositivos de aprendizagem que são ofertados aos estudantes. No material a que tive acesso — uma espécie de Guia do Estudante de lá — , esses dispositivos são agrupados de acordo com os quatro princípios do projeto (autonomia, comunidade e colaboração, impacto na sociedade e ambiente de aprendizagem).
Autonomia
– Aconselhamento em aprendizagem autodirigida
Sessões de aconselhamento (14 em média, com duração de 1 hora e meia cada) em que alunos que já estão há pelo menos um ano na universidade apoiam os estudantes mais novos no processo de assumir responsabilidade pela sua própria educação e aprender a aprender.
– Coaching
Processo individual e não diretivo que ajuda as pessoas a alcançarem seus objetivos pessoais e profissionais.
– Mentoria
Processo em que um profissional mais experiente guia o estudante e o ajuda a desenvolver suas habilidades. O mentor oferece novas perspectivas, fontes de conhecimento e acesso a recursos e experiências de aprendizagem relevantes ao mentorado.
– Apoio na construção de uma marca pessoal e de uma rede de contatos
Há um workshop oferecido periodicamente sobre esse tema e os alunos são encorajados a criar novos hábitos como manter um portfólio atualizado, um diário de aprendizagem e um blog, além de participar de eventos e ser ativo nas mídias sociais.
Comunidade e colaboração
– Comunidades de prática
São equivalentes aos diferentes departamentos ou faculdades de uma universidade tradicional. De acordo com o site da Universidade Alternativa, são quatro as comunidades de prática atualmente existentes: empreendedorismo (yIncubate), comunicação e novas mídias (NewMedia School), educação (.edu) e liderança e gestão (SyncerSchool). As comunidades gerem a si mesmas e os alunos que integram cada uma delas se reúnem anualmente para validarem o “currículo”, isto é, os tópicos que gostariam de se aprofundar em cursos, treinamentos, grupos de estudo e reuniões de compartilhamento. Esses tópicos somam-se ao currículo já oferecido pela universidade. Cada comunidade oferece possibilidades distintas para que os estudantes se desafiem em suas áreas de atuação — por exemplo, a NewMedia School promove hackathons com projetos reais e a .edu estimula os alunos a visitarem escolas alternativas e a facilitarem treinamentos em educação.
– O início da criação da comunidade .edu é descrito da seguinte forma:
A comunidade de educação foi proposta em novembro de 2013, quando 21 alunos da universidade aceitaram o convite para integrar a nova empreitada. Quatro deles ofereceram-se para fazer parte do núcleo de gestão, 8 tornaram-se membros e 9 entraram como exploradores. A primeira reunião serviu para as pessoas conhecerem umas as outras e se organizarem. Todos disseram o que já haviam feito no terreno da educação e o que os atraía para essa área. Depois, os assuntos de interesse dos membros foram mapeados. Trinta e quatro subtemas apareceram: educação lúdica, design de experiências de aprendizagem, como avaliar o impacto, tecnologia na educação, ambientes de aprendizagem, etc.
Em seguida, fizeram um planejamento para as próximas atividades. As datas das próximas reuniões mensais foram acordadas, bem como as duplas que iriam organizá-las e facilitá-las. Somado a isso, decidiram usar o Google Groups e uma Wiki (Delia está responsável por isso), além de testar a ferramenta de comunidades do Google+ (Ana R.), delicious.com (Maxi) e WhatsApp (Ana S.). Também planejaram fazer um teambuilding (Silvia e Aura), um programa de job shadowing, encontrar um nome para a comunidade, organizar um curso de pensamento crítico na educação e encontros todas as quintas no café da universidade. Após os primeiros dois meses, a comunidade já havia tido duas reuniões, um teambuilding, dezenas de mensagens na comunidade do Google+ e no Whatsapp e um curso auto-organizado.
– Treinamentos e cursos intensivos
Na Universidade Alternativa, treinamentos são experiências de curta duração (de 4 horas a 3 dias no máximo) e cursos são atividades mais longas (no mínimo 6 encontros distribuídos durante dois meses) que conjugam aprofundamento teórico e momentos de prática —de modo que esses últimos geralmente ocorrem nos períodos de intervalo entre os encontros. Por demandarem intensidade, cada aluno pode escolher apenas um curso por semestre. Tanto os cursos quanto os treinamentos são oferecidos por profissionais e organizações parceiras da universidade. No calendário anual constam por volta de 25 treinamentos e 40 cursos que podem ser escolhidos livremente pelos alunos.
Os cursos obedecem a um processo composto por quatro etapas: 1) Formação do grupo de aprendizagem; 2) Definição dos objetivos e expectativas; 3) Condução do curso + atividades práticas; 4) Etapa de avaliação e auto-avaliação em grupos.
Durante cada curso, professores e alunos negociam expectativas e decidem juntos o que é mais importante. A prática é enfatizada e, a partir das reflexões individuais sobre a prática, o grupo é alimentado.
– Open badges
Por meio da plataforma Open Badges criada pela Mozilla Foundation, a universidade propõe um conjunto de microcertificados capaz de reconhecer e certificar a aquisição de uma habilidade ou conjunto de habilidades. Cada área de atuação possui diferentes microcertificados.
Ao pleitear e adquirir badges — um processo que, na universidade, sempre se inicia a partir de uma decisão autônoma do estudante — , os alunos montam sua própria carteira de conquistas pessoais e profissionais e podem exibi-la em seus currículos, blogs, portfólios virtuais, mídias sociais e sites pessoais.
O sistema de microcertificados, segundo o material da Universidade Alternativa, é interessante por três razões principais: ele ajuda os alunos a enxergarem o que estão aprendendo e a identificarem pontos que ainda precisam desenvolver; é uma forma estruturada de se obter feedbacks de pessoas experientes na comunidade; e ajuda a dar transparência às conquistas dos estudantes, que podem apresentá-las em diferentes meios digitais.
– Dia de compartilhamento
Momento que ocorre pelo menos uma vez por mês dentro de cada comunidade de prática onde os membros compartilham conquistas, desafios, recursos, apoiam-se mutuamente e criam soluções.
– Workshops e grupos de aprendizagem
São iniciados e desenvolvidos de maneira espontânea e independente por alunos, equipe ou parceiros.
Impacto na sociedade
– Desafios e aprendizagem pela experiência
A universidade apoia os estudantes na missão de encontrar os desafios que mais contribuam para seus processos de aprendizagem. Trabalhar de forma voluntária em ONGs parece ser um dos caminhos mais fomentados para que isso aconteça — algo que se conecta intimamente à história da universidade, que começou com um grupo de 20 jovens que atuavam em organizações estudantis. Até hoje, a maioria dos alunos atua nesses lugares, além de também estudar numa universidade tradicional.
Outras opções de desafios podem ser vistas abaixo.
– Estágios
Trabalho de alguns meses em alguma das organizações parceiras da universidade, geralmente realizado durante a fase de transição.
– Alugue uma equipe
Programa que reúne oportunidades de atuação em projetos no mundo real, tais como organizar um evento para 800 pessoas, criar uma campanha de comunicação para uma empresa, implementar um programa de recrutamento e seleção e editar vídeos.
Ambiente de aprendizagem
– O Jogo
“O Jogo” é um conjunto de atividades propostas pela universidade em que toda a comunidade participa. Os objetivos são contribuir na construção de relações de confiança e amizade entre todos e desenvolver a comunidade.
– Acampamento
Vivência de 6 dias que sinaliza o início de um novo ano na universidade.
Por meio desses dispositivos e de uma filosofia educacional pautada na liberdade, a Universidade Alternativa tem mostrado como é possível transformar a educação superior. Em 2016, a universidade foi reconhecida como um dos ambientes de trabalho mais democráticos do mundo pela lista Freedom at Work da WorldBlu. Uma forte orientação para a prática profissional convive com uma cultura empreendedora intensamente enraizada, inclusive no que tange à assunção, por cada estudante, da responsabilidade perante o empreendimento de seu próprio caminho de aprendizagem.
Face a tudo isso, a Universidade Alternativa merece respeito. Podemos aprender muito com os romenos.
* Publicado originalmente na plataforma Medium e reproduzido mediante autorização. Foram usados como referências este material sobre a Universidade Alternativa (de 2014), informações traduzidas via Google Tradutor do site do projeto e uma entrevista com Traian Brumă, um dos fundadores da universidade.