No Uruguai, tablet e cartas despertam senso numérico - PORVIR
Crédito: Danilo Rizzuti/Fotolia.com

Inovações em Educação

No Uruguai, tablet e cartas despertam senso numérico

Professores participam de pesquisa que desenvolve jogos para estimular habilidades importantes para a matemática em alunos de seis anos

por Marília Rocha, do Instituto Ayrton Senna ilustração relógio 29 de julho de 2015

Com a certeza de que a matemática não precisa ser um “inimigo” para jovens estudantes, um pesquisador do Uruguai criou um conjunto de jogos e atividades para estimular o desenvolvimento de habilidades que podem melhorar o desempenho dos alunos na disciplina. Sem fórmulas ou operações numéricas complexas, projeto conta com parceria de professores para aprimorar práticas pedagógicas e favorecer a aprendizagem na sala de aula.

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A pesquisa foi apresentada pelo psicólogo Alejandro Maiche durante o I Simpósio Internacional sobre Ciência para Educação, que aconteceu no Rio de Janeiro nos dias 5 e 6 de julho. Organizado pela Rede Nacional de Ciência para Educação, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, o evento reuniu pesquisadores de áreas diversas da neurociência para compartilhar conhecimentos que possam ter impacto na melhoria de práticas e políticas educacionais.

Segundo Alejandro, estudos recentes indicam que existe uma forte correlação entre o “senso numérico” de uma pessoa e seu desempenho em operações matemáticas. Este “senso numérico”, chamado pelos cientistas de ANS (sigla em inglês para Sistema Numérico Aproximado), é a capacidade que temos para estimar quantidades sem o uso de números e símbolos. Ele é ativado, por exemplo, quando pensamos se uma caixa tem mais objetos que outra ou se uma música é mais longa que um alarme, sem que para isso tenhamos que calcular as quantidades de maneira precisa ou formal.

“Crianças que lidam bem com essa habilidade na primeira infância tendem a mostrar um desempenho melhor em matemática mais tarde na vida. Procuramos, então, criar uma intervenção para essa fase que pudesse estimular o sistema e preparar os alunos para receber melhor a aprendizagem de matemática que terão depois”, explicou o pesquisador.

O projeto teve início em 2013, como parte do Plano Ceibal, programa do governo do Uruguai que distribui tablets para todos os alunos de escolas públicas. Um conjunto de cerca de 500 alunos com 6 e 7 anos distribuídos em 30 classes de 10 escolas com níveis socioeconômicos variados participou das atividades usando jogos interativos no equipamento. No total, cada aluno passou por 10 sessões de 40 minutos com algum dos 17 softwares desenvolvidos pela equipe de Alejandro.

As crianças ficaram muito envolvidas com os jogos no tablet, mas alguns professores dependiam muito da nossa equipe a cada dúvida que surgia

Em uma segunda fase do estudo, o grupo criou também uma versão em cartas com a mesma proposta dos jogos no tablet, como forma de ajudar os professores a se apropriarem da metodologia. “As crianças ficaram muito envolvidas com os jogos no tablet, mas alguns professores dependiam muito da nossa equipe a cada dúvida que surgia, ou seja, a tecnologia os afastava da proposta e isso nos preocupou, por isso incluímos também as cartas, que mostraram ótimos resultados”, afirmou o pesquisador.

De acordo com Alejandro, o princípio dos jogos era simples, mas com variações: em um deles, por exemplo, os alunos ouviam dois personagens emitindo sons e tinham que indicar qual deles demorou mais tempo; em outro, recebiam uma carta com pontos vermelhos e azuis e deveriam decidir rapidamente em qual conjunto depositar a carta (se tivesse mais pontos azuis, a carta tinha que ser depositada no conjunto azul). Para controlar o impacto das atividades, a equipe do pesquisador também elaborou uma prova matemática para alunos de 6 anos, que foi aplicada antes e depois da realização das atividades.

Resultados 

Os levantamentos mostraram que a introdução de tarefas gerou melhorias no “senso numérico” dos alunos e sugerem que intervenções como estas podem ser benéficas para o ensino da matemática.

“Medimos muitos indicadores e notamos que a intervenção melhorou a performance dos alunos em quase 10% no desempenho de matemática e também em habilidades como noção de tempo”, contou Alejandro. “Além disso, após as atividades, diminuiu a diferença no desempenho entre os de menor e maior status socioeconômico, ou seja, é possível que a intervenção seja positiva para todos os alunos, mas especialmente para os mais desfavorecidos.”

A tecnologia ajuda muito no registro e análise dos resultados, mas só com os professores a intervenção é sustentável em larga escala

Para Alejandro, o estudo reforça que o estímulo do ANS é importante na transição à matemática formal e é essencial formar os professores sobre esse tema, para que possam se apropriar das estratégias pedagógicas, o que é um passo-chave para a intervenção funcionar. “A tecnologia ajuda muito no registro e análise dos resultados, mas só com os professores a intervenção é sustentável em larga escala e ganha aspecto motivacional muito maior, os alunos recebem as atividades de forma totalmente diferente quando são conduzidas pelo seu professor”, defendeu o pesquisador.

A importância de ações desse tipo, inclusive, ultrapassa a simples melhoria em notas de matemática, porque desempenha um papel também na formação de cidadania. “Quem não consegue entender um gráfico hoje em dia perde metade das informações passadas nos jornais, ou pode não entender as propostas de um político em que vai votar. Se não aceitamos que um adulto médio não saiba escrever, também não devemos aceitar que não saiba compreender multiplicações, ou que entender matemática seja reservado à elite”, criticou Alejandro.

A formação de professores poderia, na proposta dele, incluir informações sobre as pesquisas do tema, mesmo para professores que não necessariamente irão ensinar matemática, por exemplo. “A decisão sobre qual atividade usar em sala de aula vai sempre caber ao professor, mas ele pode fazer essa escolha com mais segurança se tiver apoio de pesquisas sobre recursos e ações que já tiveram resultados positivos”, sugeriu. “Cresce, então, a relevância de construir esses espaços em que cientistas e educadores possam compartilhar seus conhecimentos e questionamentos sobre quais as melhores formas de estimular o cérebro para a aprendizagem.”


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ensino fundamental, neurociência, pesquisas, tecnologia

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