Ensino híbrido transforma aula de história no Rio
Professor Eric Rodrigues conta com o apoio de netbooks para personalizar a aula e atender o ritmo de cada aluno
por Vinícius de Oliveira 24 de agosto de 2015
Quando chega a aula de história na turma de 9º ano da Escola Municipal Emílio Carlos, em Guadalupe, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), a classe passa por uma transformação graças ao uso da metodologia de ensino híbrido. As carteiras que permaneciam enfileiradas até o fim da aula são arrastadas para formar pequenos grupos. A partir de desse momento, os alunos que passam a dividir sua atenção entre exercícios na folha de papel e quizz, questionários e videoaulas sob medida presentes nos 12 netbooks disponíveis na escola.
A mudança foi colocada em prática há pouco mais de um ano, após o professor Eric Rodrigues ter contato com o ensino híbrido em curso promovido pelo Instituto Península e pela Fundação Lemann. Nessa metodologia, o estudante passa a ter maior autonomia sobre a aprendizagem, com uma postura mais participativa, resolvendo problemas e criando oportunidades para a construção de seu conhecimento.
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Desde então, a parte expositiva da aula foi reduzida e fica restrita aos 15 minutos finais de cada aula, enquanto exercícios e vídeos feitos pelo próprio professor e adicionados ao canal Mistória no YouTube começaram a ganhar espaço. “É passada só uma introdução da teoria porque muitos alunos trabalham no esquema de sala invertida. Eu não poderia gastar uma ou duas horas ali falando sendo que o aluno vai ver quando chegar em casa ou mesmo na próxima aula”, diz o professor. Mas isso não quer dizer que Eric deixa tudo nas mãos dos alunos.
Tão logo a aula começa, é possível notar que a Revolução Russa é só um dos temas que os alunos estão debatendo. Alguns respondem a perguntas sobre socialismo e capitalismo, mas outros, com apoio do computador, ainda aparam arestas de aulas anteriores e retomam temas como Imperialismo e Primeira Guerra Mundial. “Essa possibilidade de personalizar o ensino é uma experiência completamente diferente, que só é viável por você ter a tecnologia como um mecanismo para se colocar como professor mediador”, explica o professor.
Mas a mesma tecnologia que ajuda também acaba trazendo novos desafios, como o de infraestrutura, considerado por Eric o mais difícil de ser enfrentado no ensino público. “Para trabalhar com ensino híbrido, é preciso ter uma parte técnica, computadores, fones de ouvido, recursos digitais e a própria internet como suporte”, diz. Na Emílio Carlos, por exemplo, a classe do 9º ano é a mais distante da entrada da escola, onde fica o roteador. Com isso, os já insuficientes 2 Mbps (Megabits por segundo) de velocidade de banda se perdem pelo ar e o sinal de conexão Wi-Fi não consegue carregar vídeos em tempo real durante a aula. A solução: conteúdo offline.
Ainda assim, em 1 hora e 40 minutos de aula, Eric consegue passar por todos os grupos. Em atendimento individual, checa seu tablet e discute as tarefas listadas na agenda personalizada dos alunos, que traz em um blog todo o calendário de aulas e conteúdos multimídia. “O aluno tem que dominar a agenda para saber o que ele tem que enfrentar e eu a atualizo à medida que ele vai avançando”, diz o professor. Uma vez que ele se sente preparado, recebe a proposta de um desafio que o estimula a relacionar conceitos e pode lhe garantir ponto extra na nota final.
Essa maneira de explicar o conteúdo, segundo contam os estudantes, trouxe como benefícios a maior motivação e um contato próximo com o professor. Muitas estratégias usadas por Eric, aliás, sequer dependem da tecnologia e são trazidas pela simples reorganização do espaço. “Eu acho que o professor [que ensina desse jeito] dá mais atenção ao aluno. Tem tem muito professor que fica só lá na frente falando, falando e aí pergunta se a classe entendeu. Todo mundo faz aquela cara de paisagem, fala que entendeu, mas na verdade não entendeu nada e fica com vergonha de perguntar”, diz Karen Oliveira Melo, 15, que diz viver na Emílio Carlos sua primeira experiência de aula sem o tradicional esquema de teoria no quadro e leitura de resumos que já tinha se acostumado a ver durante toda a vida escolar.
A liberdade em relação aos conteúdos do livro didático é o ponto mais elogiado pelos alunos. Sem meias palavras, Kevin William de Souza, 15, diz que os livros “dão tédio” e compara: “Se eu tiro E usando um livro, é claro que num computador vou tirar B ou MB porque dá estímulo a estudar”. No grupo ao lado, Matheus da Silva Valença, 15, levanta outra vantagem : “No computador, dá para ter certa clareza do que a gente está estudando. Se você não entendeu, vê de novo e o professor explica na mesa. É meio que exclusivo”, diz.
Da aula aula sobre Revolução Russa que o Porvir acompanhou, Eric pôde sair com dois diagnósticos: alunos conseguiram entender as mudanças na Europa durante o período da Primeira Guerra e da Revolução Russa mas ainda têm dificuldade em saber como se deu a transição do capitalismo para o socialismo. Acima de tudo, sai com uma certeza: “Se estivesse dando uma aula expositiva, não teria esse feedback [retorno]. Simplesmente iria expor e talvez tivesse três ou quatro comentários em sala que iam me dar uma noção”.