Cultura popular é ponte para ligar a escola aos estudantes, diz Ricardo Azevedo - PORVIR
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Inovações em Educação

Cultura popular é ponte para ligar a escola aos estudantes, diz Ricardo Azevedo

O Porvir conversou com o escritor e ilustrador Ricardo Azevedo sobre a importância da cultura popular nos currículos escolares

por Ruam Oliveira ilustração relógio 22 de agosto de 2022

Assim como é grande o Brasil, também são os números de histórias contadas pelo povo brasileiro. Desde aquelas com base em mitos, como os contos do Saci-Pererê ou da Iara, até causos repassados entre as famílias de geração em geração.

As culturas populares, geralmente transmitidas de forma oral, traçam um retrato sobre a história do país. E também ajudam a fortalecer raízes de identidade, estimular a empatia e até mesmo debater assuntos complexos.

O escritor e ilustrador paulista Ricardo Azevedo, também pesquisador de cultura popular, tem uma vasta obra infantojuvenil, na qual ressalta a importância de a escola abra espaço para trabalhar as culturas populares, tão fortes e presentes em diversas regiões do país.

Para o escritor, o termo folclore recai em um estrangeirismo e o ideal seria focar nas culturas. “Particularmente, pesquisei e acho que o que interessa mais para as escolas são as formas literárias populares”. Tais formas as quais ele se refere são os contos – sejam de fada ou não –, as quadras populares (que são aqueles poemas mais simples e ritmados), as “advinhas”, entre outros.

“Esse material é riquíssimo. A escola, ao apresentá-lo aos estudantes, vai dar uma grande contribuição”, afirma Ricardo.

Sobretudo quando o assunto é preservação, incluir temáticas da cultura popular é uma forma de valorizar até mesmo a identidade dos estudantes, destaca o escritor. Além disso, tal inclusão pode fazer com que os alunos reconheçam, dentro de casa, muitas dessas histórias.

O Porvir conversou com o escritor sobre o lugar dessas culturas em sala de aula. Confira abaixo os principais destaques da entrevista.

O escritor Ricardo Azevedo. Foto: Arquivo Pessoal.

Porvir – Como você definiria o que é folclore?

Ricardo Azevedo – Eu não gosto da palavra folclore. Ela leva a um erro, porque é um estrangeirismo. Acho que é importante que a escola saiba disso e passe isso para os alunos: se tratam de culturas populares. O Brasil é riquíssimo nessas culturas. Elas dialogam o tempo todo com o país. O sujeito, por exemplo, nasce no Nordeste, ouve histórias na sua infância e vem para São Paulo. [Ao chegar], ele vai passar essa história adiante e já adaptar, porque cada contador o faz do seu jeito.

Eu particularmente pesquisei e acho que isso é o que interessa mais para as escolas também: as formas literárias populares.

Porvir – O que são essas formas literárias populares?

Ricardo Azevedo – Os contos populares, os ditados maravilhosos, as quadras… Esse material é riquíssimo, e acho que a escola, ao apresentar isso aos estudantes, vai dar uma grande contribuição.

O que acontece no Brasil é que muitas pessoas são filhos de analfabetos. Ao entrar na escola, esses estudantes são levados a desprezar a família, porque a escola fala: “Nós vamos ensinar coisas que os seus parentes não sabem”. E quando a escola leva um conto popular ou uma adivinha, essa pessoa já pensa: “Espera, isso aí minha avó conhece” ou “Meu pai já contou”. A cultura popular é uma tremenda ponte que pode ligar a escola aos estudantes. 

Porvir – Quais são as características principais dessas culturas?

Ricardo Azevedo – Vamos tentar especificar um pouco mais as culturas populares: uma característica básica delas é que são espontâneas. Elas não estão escritas em um livro. São baseadas na oralidade. As pessoas vão contando de pai para filho. A criança aprende vendo o outro fazer. As culturas populares são muito plásticas, porque não estão em livros. Você não vai chegar em um determinado lugar que tem um livro [que sugere] “Nós fazemos assim”. Isso não existe. Quem faz isso são as pessoas da cultura letrada, que frequentaram a escola, que aprenderam a escrever, etc. O discurso popular é marcado pela oralidade. 

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Porvir – Como enxerga a importância da cultura oral hoje no Brasil?

Ricardo Azevedo – Veja que paradoxo: nós somos um país com alta taxa da população sendo semianalfabeta. Isso significa que a cultura oral é muito rica. Talvez, um dos desafios culturais brasileiros seja esse. Como é que nós vamos conseguir, de alguma forma, preservar todo esse material riquíssimo da cultura popular e, ao mesmo tempo, alfabetizar as pessoas? Na Suécia, por exemplo, não existe mais a cultura popular, ela só está nos livros e acabou, entendeu? Simplesmente as pessoas foram todas alfabetizadas e se voltaram para a cultura escrita.

Não se trata de abrir mão de uma coisa por outra. Quem tem o privilégio de estar na escola precisa ser informado que esses recursos são típicos da oralidade.

Porvir – Podemos considerar que este é um conteúdo de fácil acesso?

Ricardo Azevedo – À medida que a escola valoriza a cultura popular e os estudantes comecem a ler textos, como por exemplo, as quartas populares ou poesias populares, é possível fazer uma ligação com letras de música ou gravações. A poesia popular é acessível a todo mundo. Uma das características da cultura popular é essa, a de ser uma linguagem que todo mundo entende. A pessoa que tem 7 anos entende, a que tem 17 entende, a de 27 entende ou de 70 entende. A cultura popular é uma cultura prática, de trabalho, de contato direto com as coisas.

Porvir – Deste período pesquisando sobre o tema, o que mais lhe salta aos olhos?

Ricardo Azevedo – Eu sou um escritor de livros para crianças e jovens, a chamada literatura infantojuvenil. A cultura popular é a maior marca que eu tenho. O que fui percebendo ao longo do tempo é que os contos populares usam uma linguagem acessível para tratar de assuntos bem complexos de forma que todo mundo entenda. Isso é praticamente um milagre, uma coisa extraordinária. Os livros de minha autoria tiveram como grande referência os recursos populares, ou seja, a tentativa de fazer um discurso acessível para falar de assuntos complexos.


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educação infantil, ensino fundamental, ensino médio

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