Combate à violência na escola começa por escuta e acolhimento de estudantes, professores e funcionários - PORVIR
Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

Inovações em Educação

Combate à violência na escola começa por escuta e acolhimento de estudantes, professores e funcionários

Especialistas ouvidos pelo Porvir apontam ações de prevenção e combate ao extremismo em escolas, que podem estar ligadas à pedagogia e à gestão da educação em um nível mais alto.

por Ana Luísa D'Maschio / Ruam Oliveira ilustração relógio 29 de março de 2023

Os casos que envolvem violências dentro das escolas têm crescido cada vez mais. Em um momento no qual o medo está presente em toda a comunidade escolar, abrir um processo escuta e acolhimento de estudantes, professores e demais integrantes da equipe escolar é a principal recomendação de especialistas em educação e na área de psicologia.

O cenário é desafiador, como mostra uma pesquisa do Instituto Locomotiva e do Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), divulgada na terça-feira (28), um dia após o assassinato da professora Elisabeth Tenreiro por um aluno de 13 anos, armado com uma faca, na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo (SP).

O levantamento ouviu 1.250 familiares, 1.250 estudantes e 1.100 professores entre 30 de janeiro e 21 de fevereiro de todo o estado. Mais de dois terços dos entrevistados percebem que a violência no ambiente escolar atinge níveis médios e altos. Entre os alunos consultados, 48% afirmam já ter sofrido alguma agressão, e 19% dos professores também passaram por elas. A sensação de insegurança em relação ao entorno da escola atinge 41% dos estudantes e 24% dos professores. E mais: sete em cada dez familiares souberam de casos de violência na escola nos últimos anos. 

Diante desse cenário de grande insegurança, é natural que a rotina da comunidade escolar seja afetada. “A exposição a uma violência dessa grandeza é um trauma de choque e precisa de ações, tanto individuais quanto coletivas”, explica a psicóloga Ediane Ribeiro, especialista em traumas, em entrevista ao Porvir.

Para a professora Maria da Glória Calado, vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, é fundamental que o tema não seja silenciado. “O acolhimento dos estudantes, docentes e funcionários feito por psicólogos deve ser uma prioridade, seguido de posteriores rodas de conversa e terapias coletivas para que o maior número possível de pessoas possa verbalizar ou encontrar outras formas saudáveis de expressar os sentimentos em relação ao acontecimento trágico”, sugere.  

Esse trabalho deve ser permanente, o que exige a efetivação de políticas públicas de saúde mental no ambiente escolar, ressalta Maria da Glória. “O caso da Vila Sônia, assim como os ataques ocorridos em Aracruz (ES) e Suzano (SP), reforçam de forma veemente a necessidade da presença permanente de psicólogos dentro da escola, para efetivar a lei 13.935/2019″, pontua a especialista. “Esses profissionais devem atuar de forma multidisciplinar a fim de começar o combate à violência estrutural em uma das bases mais importantes da sociedade, o ambiente escolar.”

Escolas de SP estavam sem atendimento psicológico há um mês
A lei 13.935 dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Contudo, conforme noticiou o portal G1, as escolas estaduais de São Paulo estão sem atendimento psicológico há pelo menos um mês. O programa Psicólogos na Educação foi suspenso, de acordo com nota da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, “porque estava em formato virtual”. O projeto fazia parte do Conviva SP, lançado após o massacre de Suzano, em 2019, quando dois ex-alunos mataram oito pessoas na Escola Estadual Raul Brasil.

A Escola Estadual Thomazia Montoro ficará fechada por uma semana e sua equipe terá apoio psicológico e psicopedagogo, informou o secretário estadual de Educação, Renato Feder. 
O psicólogo Thiago Nastal, que já atuou na Thomazia Montoro em 2018 em um projeto com alunos, professores e funcionários, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que a escola era “um ambiente hostil, com muita agressividade e gritaria”. Ele voltará à escola para participar de um grupo de apoio para os estudantes, pais e responsáveis. 

Escuta e acolhimento coletivos

Ao pensar em estratégias para lidar com o assunto e com o estresse pós-traumático, o professor Paulo Carrano, docente da faculdade de educação da UFF (Universidade Federal Fluminense) e coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, ressalta a importância de oferecer oportunidades de protagonismo para que estudantes falem e criem intervenções para entender melhor o que estão sentindo. “É fundamental que os sujeitos possam encontrar no ambiente escolar um lugar de reconhecimento das suas próprias experiências e dos seus próprios interesses”, diz. 

Dentro da escola é possível pensar em estratégias conjuntas com a própria comunidade. Paulo destaca que os estudantes colaboram com muitas ideias e podem, inclusive, ter algumas que não fazem parte do repertório dos docentes, por isso a importância de ouvi-los. “Uma das alunas com as quais nós dialogamos numa de nossas pesquisas falou algo muito interessante: ‘A escola não sabe o que a gente sabe’. Ou seja, os alunos são sujeitos de muitos mundos sociais, eles sabem coisas, trabalham e constroem conhecimento em muitos campos”, diz o professor.

Apoio comunitário

Miriam Abramovay, doutora em ciências da educação e coordenadora do Programa Estudos sobre Juventudes, Educação e Gênero: Violências e Resiliências da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), ressalta que as ações devem ser priorizadas no sentido preventivo, investindo-se em uma cultura de não violência. A educadora também afirma que devem ser realizadas políticas públicas em níveis federal, estadual e municipal para que o tema deixe de ser tratado como algo inferior. 

Por trás de ações violentas, além do bullying, podem estar escondidos motivos mais complexos, como misoginia, xenofobia, homofobia e racismo. “É fundamental investir na formação de educadores sensibilizados e capazes de perceber e levar a sério os sinais de comportamentos violentos e fragilidades na saúde mental”, comenta Maria da Glória. “Esses profissionais devem ser amparados pelo poder público com estruturas que promovam acolhimento e tratamento para os discentes e outros atores escolares adoecidos mentalmente. Isso só será viável se houver também valorização profissional e financeira dos educadores. A violência, apesar de surgir frequentemente no ambiente escolar, que é um lócus de reprodução de opressões sociais, não deve ser tolerada sob hipótese alguma.”

“É preciso fazer uma rede de proteção com outras instituições que são responsáveis pela infância e adolescência, assim não fica muito pesado para a escola. Ela não pode fazer tudo sozinha. Mas é preciso falar sobre violência. Não se pode fazer política colocando as coisas para debaixo do tapete e só chamando atenção quando acontece um crime ou uma tentativa de crime”, afirma.

“O fato é que, a escola tem um papel, mas ela não caminha sozinha, tampouco faz milagre”, complementa Maria da Glória. “Sozinha, a escola não pode dar conta das mazelas da complexidade das violências, que afetam a vida das pessoas tornando-as também alvo da mesma violência”. 

A escola não será um local de paz se a sociedade pregar guerra, intolerância e discriminação o tempo inteiro, concordam as especialistas. “Nós, professores, precisamos também ter ajuda no sentido de que, as políticas públicas precisam funcionar. As escolas estão, principalmente as estaduais, abandonadas pelo Estado. Políticas públicas intersetoriais entre educação, saúde e segurança pública são urgentes nesse contexto”, diz Maria da Glória. 

Miriam Abramovay concorda: é preciso pensar em estratégias de cultura de paz que também engloba outros setores, como o corporativo e o governamental. “Faz-se necessário pensar em outras estratégias de mudança social, com uma cultura de paz que englobe outros setores, como o corporativo e o governamental”.

Alerta sobre saúde mental

Com foco na promoção de saúde mental e a prevenção de transtornos mentais em ambientes de ensino, o Instituto Ame sua Mente, organização social que nasceu a partir do projeto de pesquisa Cuca Legal ligado ao Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), atua, principalmente, na disseminação de informações sobre saúde mental junto a educadores de escolas públicas para a promoção, prevenção e redução de estigmas em relação ao tema.

“Quando fazemos uma capacitação em saúde mental, o primeiro movimento que os professores fazem é trazer as informações para dentro de si. Quando esses conhecimentos começam a fazer sentido, eles conseguirão utilizá-los para as pessoas que estão à sua volta. Isso é o empoderamento: incitar nas pessoas a importância da saúde mental e o autoconhecimento”, explica Gustavo Estanislau, coordenador do projeto. Relembre a reportagem publicada no Porvir.

A plataforma Vivescer, do Instituto Península, tem um novo curso para educadores sobre como reduzir conflitos na escola e especial atenção para os problemas de convivência. A formação é assíncrona e oferece certificação.

Na tag desenvolvimento integral do professor, aqui no Porvir, estão reunidas reportagens com dicas de bem-estar para professores, bem como sobre uso racional de tecnologia e de como uma abordagem integral para a educação e seus profissionais depende de uma gestão escolar bem-preparada.


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ensino fundamental, ensino médio, socioemocionais

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