Pense antes de compartilhar: não colabore com o ‘efeito contágio’ de ataques às escolas
Como o comportamento online ajuda a dar destaque a quem comete crimes e a disseminar atos violentos
por Vinícius de Oliveira / Ruam Oliveira / Ana Luísa D'Maschio 5 de abril de 2023
A recente onda de ataques que acomete escolas no Brasil levanta, além de um sentimento de insegurança, questões comportamentais que, em muitos níveis, podem ampliar o medo e a desconexão com o que de fato o espaço escolar representa: um lugar de acolhimento.
Diante de tão trágicas notícias, é instintivo que o compartilhamento de imagens, vídeos ou fotos dos agressores e dos ataques circulem nas redes sociais, em grupos de WhatsApp ou outros meios de comunicação. A orientação de especialistas é de que isso não ocorra, mesmo em grupos privados, para evitar o chamado “efeito contágio”.
O que é o ‘efeito contágio‘
A proximidade entre ataques é atribuída ao “efeito contágio” porque as pesquisas mostram que esses incidentes geralmente ocorrem em aglomerados e tendem a ser contagiosos. E a cobertura intensiva da mídia parece impulsionar o contágio, dizem especialistas em psicologia.
Esse fenômeno tem sido estudado em diferentes universidades nos Estados Unidos, que somente em 2023 já registrou 96 ocorrências com armas em escolas, segundo o projeto K-12 School Shooting Database, um banco de dados que mapeia a violência escolar naquele país.
Em um estudo de 2016, pesquisadores da Western New Mexico University apontaram que a recorrência desses crimes aumentou a cobertura de imprensa a seu respeito a um ponto no qual comunidades em mídias sociais glorificam os atiradores ou perpetradores de ataques e menosprezam as vítimas.
Essa mesma pesquisa menciona uma outra, de 2015, que ressalta como eventos de violência extrema em escolas tiveram um intervalo reduzido: um em cada 31,6 dias, quando comparados a três eventos por ano antes dos anos 2000.
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E não é só a cobertura midiática que impulsiona esse contágio. Na era das redes sociais, a disseminação de informações – ou desinformação – é um dos fatores que podem influenciar no aumento de casos. Logo após o ataque recente na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo (SP), a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo registrou sete boletins de ocorrência com possíveis planos de ataques a escolas feitos por adolescentes. A instituição suspeita que a ampla divulgação de casos pela imprensa contribuiu para esse aumento.
É nessa linha que vão as recomendações de Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da UnB (Universidade de Brasília), uma das coordenadoras da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação. Ela integra a Rede da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e é uma das autoras do relatório “O ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às instituições de ensino e alternativas para a ação governamental”, estudo elaborado e apresentado ao governo de transição.
Para além de não disseminar notícias tendenciosas, é preciso não massificar as notícias sobre o assunto, explica a pesquisadora. “Deve-se fornecer a notícia já que a sociedade precisa da forma mais pontual, escrita, não divulgar as características, o que motivou, os instrumentos utilizados… É preciso não espetacularizar o ato”, afirma.
Catarina defende um esforço para denunciar perfis que estão divulgando essas informações de forma errônea nas redes sociais. Na outra ponta, a moderação de conteúdos propagados por extremistas se mostra cada vez mais frouxa, como publicou a BBC News Brasil citando o exemplo do Twitter.
“Ataques não são brincadeira, a sociedade como um todo tem um papel nessa contenção. E não é fácil fazer um processo desses. Precisamos regulamentar o uso dessas plataformas, dessas redes. O mundo online precisa ser limitado, não pode ser usado de qualquer forma”, disse Catarina.
Em paralelo, a professora menciona que é necessário um processo educativo para que a população não consuma e não compartilhe as ações desses extremistas. “Já sabemos que quanto maior é a notoriedade, quanto mais divulgado, mais espetacularizado se torna o ato, mais ganha possibilidades de disseminação, de imitação”, diz Catarina, conectando os exemplos recentes brasileiros ao que os estudos nos EUA já mostram há algum tempo.
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Conversas sempre são importantes
Comportamentos online podem ser acompanhados e supervisionados. E neste caso de combate à violência e estratégias de prevenção, as conversas podem ser úteis para evitar que novos ataques ocorram. Uma das ações possíveis é estar sempre atentos a possíveis comportamentos que podem gerar alertas.
Existem atualmente muitos grupos online que incentivam ataques violentos e, neste sentido, tanto a escola, quanto as famílias podem trabalhar em conjunto para acompanhar as rotinas online de crianças, adolescentes e jovens.
Um relatório do governo dos Estados Unidos de 2019 pontuou: indivíduos que atacam escolas geralmente possuem diferentes motivações e, quando elas estão inseridas diretamente no contexto da escola atacada, podem estar interligadas questões de relacionamento.
O texto também destaca que não existe, necessariamente, um perfil de escola para que esses ataques ocorram. Ou seja, separar momentos para que ocorram conversas sobre o tema a fim de prevenir a associação de estudantes a esses grupos é uma outra orientação que pode surtir um bom efeito.
Apoio da educação midiática
Dentro deste contexto, a educação midiática acaba tendo proeminência. O que acontece no mundo online tem impacto no mundo físico e, quanto mais as escolas e as famílias puderem se debruçar sobre isto, melhor.
Um outro ponto importante é trabalhar para que o universo online não exerça tanta influência nas vidas das crianças, adolescentes e jovens. No artigo “Diálogo e acordos entre pais e filhos podem evitar dependência digital“, escrito por Bruno Ferreira, assessor pedagógico do EducaMídia, é defendido o equilíbrio entre a exposição às telas e as vivências longe delas.
“Quando excessivamente imersos em ambientes online, não é raro que crianças e adolescentes demonstrem apatia e desinteresse por interações presenciais ou por outras formas de lazer, entretenimento e informação que não dependam de conexão à internet. Isso é, de fato, bastante preocupante”, escreve.
Algumas das motivações de ataques são baseadas em desafios e jogos encontrados na internet e, por isso, em favor do combate à violência, é saudável que se acompanhe de perto esse período online.
“É fundamental manter um processo constante de diálogo e negociação acerca do tempo gasto em redes sociais para puro entretenimento, bem como sobre o que fazem nas redes enquanto estão online. Com isso, é importante perceber que esse deve ser um acordo estabelecido com os jovens, processo em que nós, adultos, expomos a nossa preocupação com seu desenvolvimento pleno e com a consequente necessidade de equilibrar o tempo de permanência e uso que fazem das redes”, conclui Bruno.