Cultura indígena: de planos de aula a podcasts, materiais exaltam a importância dos povos originários
Com o apoio de pesquisadores e de leitores do Porvir, a redação selecionou uma lista de conteúdos voltados ao planejamento de aulas com a temática indígena
por Ruam Oliveira 19 de abril de 2023
Abril é o mês no qual comemoramos as culturas e os povos originários. Neste 2023, é a primeira vez que se celebra, em 19 de abril, o Dia dos Povos Indígenas, e não mais o Dia do Índio. A data, criada por decreto em 1943, teve seu nome alterado pela Lei 14.402, em junho de 2022, a fim de considerar a diversidade e refletir sobre as lutas das sociedades indígenas no país.
A alteração ajuda a entender por que não se deve usar “índio” e sim “indígena” para se referir aos povos originários. Ao longo da história, o termo “índio” passou a ser associado de forma pejorativa: estudiosos apontam que a palavra pode ser entendida como selvagens, seres do passado, como se todos os povos fossem designados como um só, o que não é a realidade. De acordo com parcial do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil conta atualmente com mais de 305 povos indígenas, que somam quase 1,4 milhão de pessoas, e uma grande pluralidade de saberes.
O correto é utilizar indígena ou originário. Daniel Munduruku, escritor e uma das principais lideranças indígenas do Brasil, aponta que o termo “índio” é vazio de significado. “A palavra ‘indígena’ diz muito mais a nosso respeito do que a palavra ‘índio’. Indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros”, explica Daniel. Em entrevista ao UOL, o pesquisador André Figueiredo Rodrigues também destaca que hoje em dia a palavra índio “evidencia uma carga de preconceito e discriminação”. Outro dado atual, histórico e inédito para garantir os direitos indígenas, é o Ministério dos Povos Indígenas, instituído neste ano.
Para este dia 19, além de lembrar a lei 11.645, que inclui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena nos currículos das escolas, o Porvir selecionou autores, livros, vídeos, podcasts e planos de aula que mostram a potência destes povos e o quanto é possível desenvolver boas atividades com os estudantes, a fim de valorizar a cultura e a história indígenas durante todo o ano. Confira:
Mitologia indígena: Esse plano de aula aborda as histórias e contos das tradições indígenas e é voltado para o desenvolvimento crítico e ampliação de repertório de alunos do 2º ano do Ensino Médio. Dentro da dimensão social, o plano busca desenvolver competências como empatia, diálogo, valorização cultural e compreensões interculturais. Confira o passo a passo deste plano.
Indígenas e afrodescendentes no Brasil: Com este plano de aula, a proposta é incutir nos estudantes, por meio de músicas, uma visão sobre a contribuição dos povos indígenas e afro-brasileiros para o país, além de proporcionar momentos de discussão sobre racismo, reconhecimento e igualdade.
Brincadeiras e jogos populares e regionais do Brasil: Abordando temas da cultura corporal, esse plano de aula busca apresentar a estudantes na aula de educação física jogos, esportes, danças, lutas e brincadeiras que são de origem africana e indígena. A proposta inclui uma ação interdisciplinar com outras áreas como literatura e tecnologia.
A brincadeira do boi de mamão e suas múltiplas linguagens artísticas: Uma proposta de valorização e criação de consciência sobre o meio ambiente, reutilização de materiais e reciclagem por meio da apresentação de uma história comum e presente em culturas indígenas, africanas e ibéricas, que é a do boi de mamão. O plano de aula é voltado para estudantes dos anos finais do ensino fundamental.
É fato que os lugares de aprendizagem não estão resumidos aos muros internos da escola. É possível aprender nos mais diversos locais e incentivar esse tipo de aprendizado é uma forma de ampliar os horizontes no momento de planejamento da aula. Conheça alguns locais para levar a turma e aprender mais sobre os povos originários:
Museu das Culturas Indígenas: Localizado em São Paulo (SP), o espaço é uma conquista dos povos indígenas. Além de apresentar diversas exposições que mostram as vivências dos povos originários, suas percepções sobre o mundo e a vida, o museu também oferece oficinas, rodas de conversas e diversas apresentações culturais. Para visitar, é preciso realizar agendamento.
Museu de Arte Indígena: Este é o primeiro museu dedicado exclusivamente à produção de artistas indígenas brasileiros. Localizado em Curitiba (PR), o museu tem em seu acervo diversos tipos de arte, desde cerâmica a instrumentos musicais, adornos e objetos utilitários. É possível conhecer o museu sem precisar ir até lá fisicamente. No site da instituição é possível fazer um tour virtual e conhecer a organização por dentro.
Memorial dos povos indígenas: Este espaço guarda o acervo da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e tem projeto arquitetônico pensado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Além das exposições, o museu também oferece oficinas, momentos de contação de histórias, debates, feiras de artesanato e mais. O espaço está localizado em Brasília.
Como está a sua biblioteca de autores indígenas? Listamos aqui alguns autores e autoras que apresentam trabalhos bonitos e criativos a partir da perspectiva indígena:
Telma Tãmba Tremembé: É uma escritora indígena brasileira da etnia tremembé, de Almofala-Itarema (CE). Além de escritora, ela também é artesã, militante indígena e da natureza e mediadora de leitura pela Universidade Aberta Demócrito Rocha. Telma é autora de “O livro sem letras”, publicação feita em duas partes contendo pinturas e textos assinados por Telma.
Cristino Wapichana: Além de escritor e contador de histórias, Wapichana também é produtor cultural, compositor e músico. Seus trabalhos se dedicam a valorizar e disseminar saberes e heranças dos povos originários. O livro de ficção “A boca da noite” conquistou em 2017 o Prêmio Jabuti, uma das principais premiações literárias do país, na categoria literatura infantil. O livro apresenta a história de Kupai, um garoto Wapichana que tenta investigar o mistério do anoitecer e quais relações existem entre seu povo, o dia, a noite e os seres da floresta.
Lucia Tucuju: De origem do povo Kamarumã, Lucia é professora, atriz, psicopedagoga e escritora. É integrante da Academia Internacional de Letras do Brasil e especialista em literatura infantil e juvenil. Autora de “Tucumã”, livro que faz uma apresentação poética e profunda da Amazônia com lembranças costuradas a botos, sabores de ancestralidade, sons de maracás e mais. “Neste singelo livro, as palavras cumprem sua função de nos lembrar que o que parece insignificante é, na verdade, a parte mais sensível e digna que nos habita”, apontou Ailton Krenak em texto de abertura da publicação.
Ailton Krenak: Este autor é um dos mais conhecidos e comentados escritores indígenas do Brasil. É líder indígena, filósofo, e professor honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Seus escritos ganharam projeção internacional e apresentam uma visão de mundo centrada na sabedoria dos povos indígenas e que ensina sobre ancestralidade, presente e futuro. Um de seus livros mais famosos é “Ideias para adiar o fim do mundo”.
Daniel Munduruku: Outro nome bastante referenciado, Daniel é um escritor paraense pertencente ao povo Munduruku. Possui mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior, a grande maioria voltado para o público infantojuvenil. Já atuou como professor universitário e, ao lado de Ailton Krenak, é uma das principais vozes de disseminação e defesa das culturas e valores indígenas. Recentemente foi escalado para integrar o elenco de “Terra e Paixão”, nova novela da Rede Globo.
Os livros são boas ferramentas tanto para trabalhar diretamente com a turma, quanto para aprender sobre diferentes temáticas. Existe uma profusão de títulos que tratam sobre a questão indígena para as mais variadas idades e o Porvir separou alguns para você:
Kunumi Guarani: Como é a vida e a rotina de uma criança indígena? Este livro infantil escrito por Werá Jeguaka Mirim, nascido na aldeia Krukutu, em São Paulo, mostra um pouco das vivências do garoto, onde fica a aldeia, quais são as brincadeiras preferidas dele e como funciona o seu dia a dia. Werá Jeguaka Mirim além de escritor também já participou de produções musicais, como a música “Terra Ar Mar”, gravada em parceria com o rapper Criolo.
O lugar do saber ancestral: Livro de poesias de Marcia Wayna Kambeba, esta obra faz um convite ao conhecimento do universo amazônico, como se dão as relações na comunidade e que influenciam diretamente questões como aprendizagens, educação e da vida dos Kambeba.
Guayarê: o menino da aldeia do rio: Usando a língua portuguesa e a língua de seu povo, Guayarê conta um pouco sobre o lugar onde vive. A aldeia Yaguawajar, que fica às margens de um rio, é apresentada pela criança em uma mescla de descrição de atividades, brincadeiras e a relação com seus amigos e família. O brincar exerce um papel importante nesta obra e não está restrito apenas às crianças, mas invade também a vida adulta. O livro também traz um glossário de palavras na língua Maraguá com algumas notas que explicam aspectos dos povos indígenas habitantes do Brasil.
O pássaro encantado: Este livro da Eliane Potiguara toca em um dos assuntos mais importantes para os povos indígenas: as figuras dos avós, aquelas que passam os ensinamentos sobre a vida e compartilham memórias e costumes com toda a comunidade.
Descolonizando metodologias: Neste livro, a pesquisadora de origem maori Linda Tuhiwai Smith tenta desconstruir o conhecimento científico ocidental, fazendo uma análise das referências históricas e filosóficas do ocidente, passando por temas como imperialismo, conhecimento e pesquisa, abordando ainda o sofrimento dos povos indígenas. Além disso, a autora trabalha com problemas atuais vividos e debatidos pelos povos indígenas. É uma obra voltada para o público adulto.
Coração na aldeia, pés no mundo: Este é o primeiro livro de cordel da escritora Auritha Tabajara, que olha para a figura feminina, nordestina e indígena, para contar uma história. A obra discorre sobre temáticas como questões de gênero, sexualidade e violência. Em sua experiência na escola, Auritha – personagem do livro – relata situações de preconceito, assédio e bullying e sua trajetória em um grande centro urbano.
Outro recurso importante e que a turma gosta muito é a ferramenta audiovisual. A exibição de vídeos e filmes em aula pode ser uma boa estratégia para iniciar conversas ou aprofundar discussões que ocorrem na sala.
A Febre: O longa-metragem acompanha a história de Justino, um indígena urbano que tem uma febre repentina no trabalho. Quando a filha decide se mudar para poder cursar Medicina na UnB (Universidade de Brasília), a febre de Justino piora. A proposta do filme é refletir sobre as vivências e sensações das culturas indígenas e do mundo ocidental.
Pachamama: Esta animação é um convite para que as crianças tenham contato desde cedo com as culturas originárias e mostra como se dá o impacto da colonização na vida das pessoas.
A última floresta: O documentário, que encerrou o festival “É Tudo Verdade”, de 2021, mostra o dia a dia dos Yanomami e o quanto trabalham para preservar a comunidade. Atual e importante, pode gerar debates na aula. Tem o líder político yanomami David Kopenawa entre os produtores.
Canal Catalendas: Este canal no YouTube traz uma série de contos e histórias dos povos indígenas (e outros contos do universo do folclore brasileiro) e se baseia em contação de histórias feitas por uma personagem muito simpática chamada Dona Preguiça a um macaco chamado Preguinho. Originalmente, a série era transmitida na TV Cultura.
Piripkura: A indígena Rita auxilia a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em expedições ao longo do tempo para provar que parentes seus ainda estão vivos em terras no Mato Grosso e fazer com que, assim, a instituição os proteja das invasões de madeireiros e garimpeiros. O documentário está disponível no YouTube.
Ainda no campo das ferramentas audiovisuais, os podcasts também caíram no gosto de muitos estudantes e são boas estratégias para enfatizar temas e começar conversas com a turma. Confira alguns episódios e programas:
Papo de Parente: Apresentado pela educadora e liderança indígena, Célia Xakriabá e pelo estudante de gastronomia Tukumã Pataxó, este podcast passeia por temas como culinária, literatura, medicina, política e esportes tradicionais a partir das culturas indígenas. É um convite a conhecer melhor as tradições e vivências dos povos originários.
Nós – uma antologia de histórias indígenas: Baseado no livro de contos de Maurício Negro, este podcast é voltado para o público infantojuvenil. O programa traz histórias dos povos originários que vão desde como dominaram o fogo até contos sobre a criação, de onde vem o açaí, o peixe-boi e mais. O podcast é apresentado pelo escritor Daniel Munduruku e pela roteirista Renata Tupinambá.
Ideias para uma educação indígena: Este é um episódio do podcast “O Futuro se Equilibra”, produzido pelo Porvir e pelo Instituto Unibanco. Dentro da discussão sobre equidade na educação, o programa aborda diferenças e especificidades da educação indígena e quais caminhos possíveis para uma inclusão efetiva.
Pelos mundos indígenas: Esse podcast é uma exposição temporária promovida pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Por meio de uma curadoria feita por indígenas, o programa apresenta cinco povos originários diferentes: Yanomami, Ye’kwana, Maxakali, Pataxó e Xakriabá.
Boletim de áudio do povo Mebêngôkré: Plano básico ambiental, gestão sustentável de territórios, agenda legislativa, gestão feminina. Estes são alguns dos temas abordados por este podcast produzido inteiramente por indígenas. Uma realização da Associação Floresta Protegida, o programa traz discussões são rápidas e objetivas e mostram como os povos indígenas lidam com diversas questões do dia a dia.