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Estudantes da EJA exploram artes e transformam suas vivências em animações

Em Caldas Novas (GO), alunos do 2º ano do ensino médio, com idades entre 18 e 65 anos, utilizam as artes plásticas para transformar suas histórias de vida em vídeos e criar uma página no Instagram

por Juliana Patricia Silva de Faria ilustração relógio 14 de novembro de 2024

No meu caminhar como professora de EJA (Educação de Jovens e Adultos), sempre estive atenta à importância que os estudantes atribuem às suas histórias de vida. Esses relatos, marcados por acontecimentos que contribuíram para sua formação como pessoas, também influenciam a maneira como aprendem e estabelecem relações com a escola. São narrativas poderosas que os ajudam a compreender seu lugar como sujeitos criativos.

Em 2023, na escola EJA Onildes de Fátima da Rocha – Pólo Mather Izabel, localizada em Caldas Novas (GO), dei aulas a oito estudantes do segundo ano do ensino médio, com faixa etária entre 18 e 65 anos. Apenas duas estudantes nasceram em Goiás; os demais alunos eram provenientes de estados nordestinos. Tínhamos também dois colegas estrangeiros: um peruano e uma angolana. Em comum, a exclusão precoce da escola e as profundas marcas que isso traz.

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Das minhas aulas de arte surgiu a proposta deste trabalho, intitulado “Processos criativos com storytelling: narrativas autobiográficas de estudantes da EJA”. A temática, inclusive, também é objeto de estudo do meu mestrado profissional em artes.

Vale lembrar que o conceito de storytelling é definido pela habilidade de contar histórias ao criar uma narrativa envolvente para estimular o aprendizado de maneira atrativa. Decidi, portanto, utilizar o storytelling com o apoio de desenhos e recursos tecnológicos audiovisuais para recontar suas trajetórias.

Referências artísticas

O projeto foi realizado por meio da metodologia de vivências, e abordou tópicos importantes relativos a memórias e ao reconhecimento da identidade. Para tornar a aprendizagem ainda mais criativa, pedi à turma uma primeira atividade, que era buscar imagens que pudessem representar suas histórias.

Busquei potencializar a discussão com questões importantes para o momento de aprendizagem, tais como: Quem sou eu? Quais acontecimentos positivos ou negativos marcaram de forma profunda a minha história? Olhando para trás, já parei para revisitar essas histórias que constroem o que sou hoje? Em algum momento da minha vida já desisti da escola e, por isso, estou aqui? Quais histórias se relacionam a essa desistência?

Após o debate, apresentei aos estudantes uma série de vídeos considerados grandes storytellings, com reconhecimentos importantes no circuito de marketing e propaganda: “Onde tem amor tem beleza”, de O Boticário; “Quando um pai está presente, tudo se transforma”, do Bradesco; e “A Caloteira”, de Storytelling Breemotion.

A próxima vivência foi apresentar três artistas que, com suas obras, vêm contando suas histórias de vida por meio de registros em seus processos de criação. Escolhi uma referência de Goiás, o artista Siron Franco, com “Série Césio 137”. Ele é um dos artistas que mais produziram obras retratando o acidente radiológico em Goiânia com césio-137.

A segunda obra, intitulada “A Chegada na Cidade Grande”, é do artista nordestino Eduardo Lima, que se conecta às características da maioria dos nossos estudantes.

Levei também uma referência bem atual das redes sociais, Brenda Macedo, com uma seleção de obras feitas com inteligência artificial, diretamente de seu Instagram.

Outro momento importante da pesquisa foi a apresentação do filme de animação “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu, que conta justamente a narrativa autobiográfica de um menino procurando o pai que foi embora em busca de novas oportunidades na cidade grande.

Clique na primeira foto para conferir a galeria de imagens:

Memórias afetivas

O passo seguinte foi entregar aos estudantes uma caixa para que depositassem suas memórias, com objetos afetivos como respostas às questões colocadas no início da pesquisa.

O retorno com as caixas cheias foi emocionante. Preparei a sala de aula com as cadeiras dispostas em círculo, aromatizada com erva cidreira. Cada estudante encontrou em sua carteira um objeto afetivo (previamente entregue por familiares). Pedi que cada um contasse uma história tendo como referência o seu objeto.

O estudante Percy, imigrante do Peru, apresentou uma camisa Levis, que, segundo ele, é um ponto de congruência entre a infância e a vida adulta. Contou à turma que a peça tem um valor afetivo grande e foi um presente do pai quando ele tinha cinco anos de idade. Desde então, a camisa o acompanha, e agora seu filho a está usando. Sempre que isso acontece, ele se emociona.

Na sequência, todos escreveram suas narrativas autobiográficas em formato de roteiro para o vídeo. Percy registrou em texto uma das escolhas mais difíceis de sua vida: o momento em que teve que abandonar os estudos para cuidar de sua família, com apenas 15 anos de idade.

A parte mais desafiadora do projeto foi transformar os desenhos em storytelling, usando recursos tecnológicos como computador, software de edição audiovisual e gravadores de voz. Nessa vivência, cada estudante gravou a narrativa da sua história.

Apoio da tecnologia

Usamos o software Adobe Animate para dar vida e tornar a narrativa autobiográfica de fato em um storytelling animado. O processo de edição no Animate envolveu desde a criação dos personagens, na sequência da narrativa autobiográfica, até a gravação de áudio da narração, sincronização lógica e finalização como produto do processo de criação.

Na ilustração quadro a quadro, Percy se emocionou ao ver seus desenhos. Em determinado momento, ele começou a chorar, e eu, preocupada, o chamei para conversar. Ele me contou que as lágrimas eram de emoção, pois estava vendo a possibilidade de deixar seu legado em forma de arte para seu filho.

Na última vivência, realizamos a exposição virtual de cada storytelling, por meio do Instagram @projetostorytellingvisual.

A comunidade escolar recebeu a iniciativa com muita curiosidade, uma vez que surpreendemos a prática da rotina escolar, antes vista como meras aulas com poucos livros didáticos, caderno, quadro e giz.

Conexão com a BNCC

Os objetivos de aprendizagem foram propostos de forma a contemplar as competências e habilidades da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e as Diretrizes Curriculares de Goiás. A todo momento, os estudantes estabeleceram uma relação importante entre identidade e memória, como fragmentos importantes da construção de sua história de vida, estimulando sua percepção e reflexão criativa.

Aprendizados durante o processo

Ao conectar o caminho da experiência artística do storytelling com a EJA, encontrei a caminhada do indivíduo que, diferentemente da criança, traz uma bagagem repleta de experiências, conhecimentos prévios, histórias vividas, reflexões do outro, do mundo e de si.

Reforço também a urgência de desconstruir a concepção de que as artes não são importantes para os estudantes adultos, ou que são um simples passatempo reservado às crianças ou aos estudantes mais jovens.

O impacto do projeto teve um alcance para além da sala de aula: além de apoiar a pesquisa científica do mestrado profissional em artes, eu o transformei, como produto final, em um Dispositivo de Formação Docente online autoinstrucional, hospedado na plataforma digital Google Classroom. Com possibilidade de interação comigo, o projeto pretende servir de referência para docentes que desejam acionar as ferramentas digitais em suas aulas, desenvolvendo processos de criação a partir de narrativas de vida.


Juliana Patricia Silva de Faria

Professora com formação técnica em magistério, licenciatura em artes visuais e pedagogia, mestrado em artes e doutorado em educação. Experiência profissional em gestão pedagógica e EJA (Educação de Jovens e Adultos).

TAGS

arte, educação mão na massa, eja, Prêmio Professor Porvir 2024, tecnologia

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