Paulo Freire, a simplicidade que ainda inova - PORVIR
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Inovações em Educação

Paulo Freire, a simplicidade que ainda inova

Maior educador brasileiro já preconizava, há 50 anos, conceitos como interdisciplinaridade e educação baseada em projetos

por Tatiana Klix ilustração relógio 2 de janeiro de 2014

Paulo Freire, o mais importante e revolucionário educador brasileiro, viveu a maior parte da sua vida e criou seus métodos e conceitos pedagógicos em uma realidade sem computador em larga escala, internet, jogos online ou redes sociais. Mas mesmo após 50 anos da primeira experiência de alfabetização de adultos em Angicos, Rio Grande do Norte, que se tornaria o método com o seu nome, boa parte dos ensinamentos do pensador pernambucano seguem contemporâneos. E mais: vários deles ainda são inovadores para o cenário educacional.

“Nunca tivemos tanta chance de aprender juntos como agora”, avalia Jose Moran, pesquisador e professor de comunicação da USP, que enxerga na colaboração, na troca, na convivência virtual e no compartilhamento de saberes um dos princípios mais importantes de Paulo Freire, o de aprender junto. “Educador e educando aprendem em comunhão” é uma frase que resume a concepção freireana para a prática do aprendizado.

Ao rejeitar o que chamou de educação bancária, na qual o professor apenas transmitia conhecimentos aos alunos, o pensador valorizou a cultura e o conhecimento prévios dos estudantes e a ideia que se aprende na troca, seja entre professores e alunos, seja com outros professores, seja entre alunos. “A educação está na vida, no nosso cotidiano e na nossa formação como um todo. Não acontece só na escola, mas em qualquer ambiente”, explica a professora doutora da Unicamp Debora Cristina Jeffrey.

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Segundo ela, o mais importante para Paulo Freire é pensar a educação para a transformação humana e a autonomia do sujeito, o que ainda segundo a concepção do pernambucano se dá quando as pessoas se conscientizam de suas condições sociais, culturais, econômicas e políticas.

É possível pensar em projetos, mas não em projetos que vêm de cima para baixo. São projetos estabelecidos a partir de temas geradores. É preciso ouvir alunos, debater e fazer discussões que tragam sentido ou que sejam decididas em assembleias

Dentro dessa visão humanista, para Moran, que pesquisa inovação em educação, é plenamente válido trabalhar os conceitos de Paulo Freire para entender uma educação mais conectada, que se utiliza de tecnologias móveis. O professor explica que a educação é um processo profundo de intercâmbio entre pessoas, que a tecnologia facilita e resolve uma parte dele sem que necessariamente educadores e educandos estejam presencialmente juntos.

Alguns projetos atuais de alfabetização de adultos têm utilizado como recurso o celular, por exemplo. Estimular relatos por email, ferramentas de bate-papo e redes sociais também são formas contemporâneas de usar o conhecimento que o aluno já tem. “É possível usar a tecnologia para conscientização, pesquisa, trocas culturais, que são necessárias para aprendizagem. Mas não adianta instrumentalizar o aluno; ele precisa ter consciência do porque e como vai utilizar os instrumentos para sua vida”, diz Débora.

Moran vai ainda mais longe e acredita que o processo de personalização, realizado por plataformas educativas que permitem que cada um possa fazer seu percurso, em qualquer lugar, desde que esteja conectado, é uma nova forma de educar para a autonomia. “Os princípios (de Paulo Freire) valem, mas a forma de atualizá-los se alternam, na medida que há outras possibilidades. O acesso ao conteúdo, materiais e informações básicas ocorre sem o professor. A personalização é a possibilidade que temos hoje de alguém estar mais atento às minhas necessidades de conhecimento, mesmo dentro do grande grupo”, explica.

O homem, em sua formação, não é dividido, ele é integral, o conhecimento que vem de fora da escola é integral. Só se fragmenta na sala de aula

Já a professora da Unicamp pondera que a ideia de que o aluno aprende por si só e que o professor é apenas um mediador, presente em concepções pedagógicas posteriores, não está presente nas teorias de Paulo Freire. Para o educador, as pessoas não aprendem sozinhas e o professor tem uma autoridade a exercer. “O foco principal é o coletivo, as experiências, a vivência, a cultura, o entendimento da condição do ser humano em uma sociedade desigual e a superação dessa condição”.

Nesse contexto, a roda de conversa, o estudo do meio e a educação por projetos, práticas usadas em escolas inovadoras, são ações educativas que visam essa troca de olhares, de perspectivas e saberes. “É possível pensar em projetos, mas não em projetos que vêm de cima para baixo. São projetos estabelecidos a partir de temas geradores. É preciso ouvir alunos, debater e fazer discussões que tragam sentido ou que sejam decididas em assembleias”, explica.

Segundo a professora e pesquisadora de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e organizadora do livro Memorial Paulo Freire: Diálogo com a Educação (Expressão e Arte), Noêmia de Carvalho Garrido,  os projetos devem estar ligados à comunidade, trazer a história de vida dos educandos, para então trabalhar a sistematização dos conteúdos que a escola exige.  “O homem, em sua formação, não é dividido, ele é integral, o conhecimento que vem de fora da escola é integral. Só se fragmenta na sala de aula”, diz.

Neste ponto, ainda está o principal desafio para levar Paulo Freire para a escola, principalmente a pública, na opinião de Débora. “Para trabalhar na perspectiva de Freire, é preciso atuar de modo interdisciplinar.  Os temas têm que conversar entre eles, a partir de um eixo norteador”. Dentro dos ensinamentos de Freire, esse tema vai ser levantado a partir das necessidades e interesses dos educandos, ou até mesmo da troca de educador e educandos.

Não se pode segmentar conteúdos em disciplinas e dividir o dia dos alunos por matérias. Por exemplo, as manifestações de junho de 2013 podem se tornar um tema gerador para várias disciplinas. É possível discutir como esses movimentos surgiram, em matemática se estuda os indicadores sociais, em história, relembra passagens como a oposição à ditadura militar ou os caras pintadas, em geografia procura entender como as redes sociais interferem nas manifestações.

“Esse conjunto de debates leva o aluno a compreender por que participa das manifestações e qual o efeito que elas têm”, exemplifica a doutora em educação. Para Débora, na maioria das vezes, as escolas ainda mantêm uma estrutura tradicional de organização e espaço. E ainda é uma perspectiva inovadora se pensar a rotina e o cotidiano escolar de forma diferenciada.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem colaborativa, educação de jovens e adultos, educação integral, personalização

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