Limitar investimento em educação pode ampliar desigualdades
Porvir conversa com analista brasileira do PISA para entender o impacto da lei do teto de gastos e saber o que pode ser melhorado
por Vinícius de Oliveira 12 de janeiro de 2017
Enquanto o país ainda tenta entender o impacto da Emenda Constitucional que limita os gastos do governo nos próximos 20 anos, os resultados do PISA de 2015, avaliação internacional com estudantes de 15 anos feita pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), podem servir como alerta.
O Brasil continua estagnado em ciências e leitura, além de ter melhorado pouco em matemática, com nota abaixo da média dos países participantes. Segundo Esther Carvalhaes, analista brasileira do PISA na OCDE, a falta de investimentos pode prejudicar tanto a redução na diferença de oportunidades entre estudantes ricos e pobres, como a inserção do estudante brasileiro em um mercado de trabalho global.
“Os estudantes precisam aprender a raciocinar, a aplicar esses saberes na vida cotidiana e no mercado de trabalho. Se o Brasil não puder facilitar esse tipo de aprendizado, seus alunos vão ter dificuldade de se inserir mais tarde não só no mercado global, mas enfrentar a concorrência, que vai estar à frente”, disse a analista do PISA em entrevista ao Porvir.
Apesar de o valor investido pelo Brasil ter aumentado em relação a 2012, chegando a US$ 38.190, ele não chega nem a metade do investimento médio feito em países da OCDE, US$ 90.294 (Esta proporção correspondia a 32% em 2012). Ainda assim, reforçar investimento é importante, visto que o país ainda apresenta alto percentual de alunos em camadas desfavorecidas: 43% dos alunos se situam entre os 20% mais desfavorecidos na escala internacional de níveis socioeconômicos do exame.
A analista do PISA também comenta o baixo desempenho das escolas privadas brasileiras quando comparadas a instituições semelhantes em países que integram a OCDE. Segundo Esther, isso pode indicar um “problema generalizado”, visto que nem aqueles com nível socioeconômico maior conseguem se destacar.
Para esse ano, a organização prevê uma nova rodada de resultados do exame realizado em 2015, desta vez com análise de questões sobre bem-estar e conhecimentos sobre finanças. Na próxima segunda-feira (16), a OCDE realizará uma apresentação sobre políticas e práticas de professores. Para mais informações sobre como acompanhar ao vivo, clique aqui.
Leia a entrevista abaixo:
Porvir – Em que os líderes do PISA são inovadores: na sala de aula, na gestão ou na formação de professores?
Esther Carvalhaes – Países que normalmente alcançam bons resultados possuem uma preocupação com a qualidade do ensino e valorizam a profissão do professor. Isso não envolve só a questão do salário, mas a atração de indivíduos com talento para se dedicarem à carreira. Nessas sociedades, os professores gozam de certo prestígio e respeito e contam com um ambiente estimulante para continuar a aprender e não ficarem defasados em sua disciplina. Países preocupados em se sair bem também se avaliam constantemente para saber o que está dando certo ou não e o que precisa ser renovado. Eles avaliam alunos, professores, diretores de escolas, métodos de ensino e aprendem com exemplos bem-sucedidos de dentro ou de fora do país.
Porvir – Por que o Brasil continua atrás não apenas da média de países da OCDE como também de países vizinhos, como Chile e Uruguai?
Esther Carvalhaes – O PISA não faz a avaliação de programas específicos e não vai dentro de cada país fazer uma avaliação específica de uma política educacional ou um determinado método de ensino. Mas alguns fatores nós sabemos que são importantes em vários sistemas. Eles têm a ver com fatores básicos da escola: a qualidade do ensino, o que acontece na sala de aula e como o professor usa o tempo de instrução. Uma outra questão que nós sabemos que faz diferença é o quanto investimos na educação e como os recursos são aplicados. Quem investe menos tem a tendência de ter resultado menor, mas países da América Latina, como a Colômbia e o México, têm aplicado melhor o dinheiro e obtido resultados melhores. Outro fator que faz muita diferença entre os países que se saem bem é a melhor distribuição dos recursos e a diminuição da desigualdade social. Não é só a questão de diminuir a discrepância do desempenho dos alunos de classe alta e os de classes mais desfavorecidas. Uma das pistas é aplicar mais recursos em camadas que precisam de mais recursos para que esses alunos possam se sair melhor.
Porvir – Essa conversa acontece um dia depois do governo brasileiro aprovar o chamado teto de gastos, que limita o aumento de investimento da educação ao índice de inflação. Olhando para esse cenário, a estagnação do desempenho brasileiro pode continuar?
Esther Carvalhaes – Essa é uma questão séria para o Brasil e não é um problema do só do Brasil. Vários países têm que tomar decisões difíceis em relação aos investimentos e ao orçamento nacional. Fazer uma escolha para limitar os custos é difícil e o país tem que ter clareza em relação às possíveis consequências. O que a gente viu em outros países que estão conseguindo se sair bem no exame do PISA é que eles têm estabelecido metas claras e prioridades, em que a educação se tornou uma prioridade não apenas imediata, mas também para o futuro. Hoje nós vivemos em uma sociedade baseada na informação, na tecnologia e não é mais suficiente que os alunos tenham um desempenho rudimentar em matemática, leitura ou ciências. Eles precisam aprender a raciocinar, a aplicar esses saberes na vida cotidiana e no mercado de trabalho. Se o Brasil não puder facilitar esse tipo de aprendizado, seus alunos vão ter dificuldade de se inserir mais tarde não só no mercado global, mas enfrentar uma concorrência mundial, que vai estar à frente. Eu não estou na posição de comentar a política nacional do Brasil, mas diante dos dados que nós já temos, o investimento é muito importante e é uma questão de prioridade não só no Brasil, mas em todos os países que querem garantir um ensino de qualidade para seus alunos e também o desenvolvimento nas áreas de ciências e de tecnologia.
Porvir – Falando um pouco dessas habilidades, que também são chamadas de habilidades para o século 21, elas já foram medidas nesse último exame?
Esther Carvalhaes – O exame que foi administrado em 2015 inclui algumas novidades e o PISA também está tentando incluir mais adiante habilidades que não são tão fáceis de medir, como as não-cognitivas ou socioemocionais. Elas têm a ver com a capacidade de trabalhar em equipe e a perseverança e o que o aluno demonstra diante das dificuldades, isto é, desiste rapidamente diante de um problema que parece ser difícil ou monta uma estratégia e persiste. Também tem a questão de criatividade e imaginação, vista quando eles conseguem integrar conteúdos de áreas diferentes para propor soluções. Por outro lado, o exame de 2015 já começou a avaliar algumas habilidades nesse sentido. Por exemplo, alunos já tiveram que responder questões relacionadas à resolução colaborativa de problemas, que incluíam o lado mais social do aprendizado. Essa foi uma parte do exame, mas os resultados ainda não foram avaliados e devem ser publicados em 2017. Outras partes que também não foram publicadas tratam do bem-estar do aluno e como ele avalia sua satisfação pessoal, e as competências na área financeira, que vão avaliar como o estudante se sai quando perguntado como gere seu orçamento, por exemplo.
Porvir – E países que já trabalham essas habilidades têm sido recompensados mesmo na prova tradicional?
Esther Carvalhaes – Não sabemos ainda e precisamos dessa análise que sai na próxima publicação. Agora os bancos de dados foram abertos e vamos analisar e fazer inferências desse tipo. Essa vai ser uma pergunta importante para nós nos próximos relatórios.
Porvir – É possível entender por que as escolas particulares brasileiras não vão bem como a média da OCDE ou mesmo seus semelhantes em outros países?
Esther Carvalhaes – Quando a gente analisa os dados de vários países, existe a impressão, em um primeiro momento, que os alunos de escolas privadas vão melhor do que os de escolas públicas. Mas uma vez que a gente controle outros fatores, como nível socioeconômico, essa relação desaparece. Alunos com melhores condições de aprendizado estão concentrados em escolas particulares, porém, se você compará-los com alunos de mesmo nível no setor público, o desempenho não é tão diferente. Na verdade, a gente não consegue distinguir o aluno de um determinado nível social entre escola pública e particular, porque a escola particular não está oferecendo nenhuma grande vantagem para eles. Os alunos não conseguiram atingir um nível razoável em nenhuma das disciplinas. É um problema generalizado que a gente tem que se preocupar. Nem mesmo alunos de classes mais abastadas estão se desenvolvendo e mostrando um desempenho comparável não somente à média da OCDE, mas a quem tem perfil semelhante em outros países. É uma outra forma de dizer que nem tudo se explica pelo perfil socioeconômico. Existe um problema de qualidade de ensino, talvez de expectativa do aluno. A expectativa dos pais e dos professores em relação aos alunos é muito importante. Em um sistema de ensino que se sai bem, há uma expectativa que todos os alunos, não apenas os mais favorecidos economicamente, têm condição de aprender e vão receber a atenção necessária para conseguir isso.
Porvir – É possível dizer como o uso da tecnologia é mais efetivo para o aprendizado?
Esther Carvalhaes – Um dos dados que descobrimos em relação a isso é que há uma diferença entre o número de computadores por aluno disponíveis em escolas que atendem classes mais desfavorecidas e as mais altas. De modo geral, o uso de tecnologia é similar ao dos recursos financeiros. Não é só investir, é preciso saber como usar. É preciso que não apenas se tenha computador disponível, mas que ele tenha conexão com a internet. É preciso que os alunos saibam usar esse recurso de forma que eles possam aprender melhor. Simplesmente entregar um recurso e não oferecer um treinamento para o professor ou ajudar o aluno a utilizar essa ferramenta para melhorar o aprendizado não significa que isso vai ter nenhuma melhoria palpável. O aluno que fica várias horas conectado procurando recreação e entretenimento na internet está usando o computador, o que é melhor do que não utilizar, mas não está necessariamente aprendendo o que deveria.