Inovação é o caminho para acelerar melhorias na educação
Estudo da The Brookings Institution defende que sistemas educacionais precisam, urgentemente, promover o desenvolvimento de habilidades que preparem todos os estudantes para vencer desigualdades e desafios de um mundo instável
por Fernanda Nogueira 6 de outubro de 2017
O relatório global “Podemos dar um salto? O potencial das inovações educacionais para acelerar rapidamente o progresso”, da organização americana sem fins lucrativos The Brookings Institution traz um retrato da educação no mundo atual, repleta de desigualdades e incertezas, e mostra como é urgente fazer melhorias para acelerar o desenvolvimento de habilidades que preparem todos os estudantes para vencer os desafios de um mundo instável.
Elaborado pela diretora e membro sênior do Center for Universal Education da The Brookings Institution Rebecca Winthrop, pela ex-pesquisadora associada da instituição Eileen McGivney e pelo pesquisador assistente do centro Adam Barton, o relatório traz 15 fontes de informação, entre elas a plataforma InnoveEdu, do Porvir, que listou 96 experiências educacionais inovadoras espalhadas pelo planeta. Outros exemplos são organizações como a Ashoka, que busca inovadores sociais e escolas que desenvolvam habilidades nos jovens para o empreendedorismo social, e a Results for Development (R4D) Center for Education Innovations, que atua com programas em países de baixa e média renda.
“Nosso objetivo é compartilhar ideias que possam inspirar governos orientados para a ação, organizações da sociedade civil, educadores, investidores filantrópicos e membros da comunidade empresarial para considerar seriamente a perspectiva de um progresso educacional rápido e não linear e refletir sobre o que mais precisa ser feito para tornar o salto na educação uma realidade”, explica o relatório. Para isso, o estudo foi dividido em cinco partes: por que precisamos acelerar?; o que significa acelerar; podemos acelerar?; como acelerar e, por último, o potencial para acelerar.
Segundo a pesquisa, os dois principais desafios globais da educação são as desigualdades e as incertezas. As desigualdades na forma como os sistemas educacionais formais desenvolvem as habilidades de alunos de diferentes classes sociais criaram o que os estudiosos chamam de “intervalo de 100 anos”. Isso significa que na velocidade em que as mudanças ocorrem na educação atual, vai levar décadas ou até séculos para que estudantes de baixo poder aquisitivo desenvolvam as mesmas capacidades que alunos de alto poder aquisitivo
“Através de uma análise cuidadosa dos dados educacionais em todo o mundo, a Education Commission (International Commission of Financing Global Education Opportunity) prevê que, até 2030, mais da metade dos dois bilhões de crianças do planeta não estarão no bom caminho para alcançar habilidades básicas no nível secundário, incluindo alfabetização, aritmética, resolução de problemas e pensamento crítico”, mostra o relatório. A situação é pior nos países de baixa renda, onde 92% dos estudantes não atingirão o mínimo de competências, contra 51% dos alunos das nações de média renda e 30% nos países de alta renda.
Além disso, há incertezas sobre que competências as crianças vão precisar no futuro, tanto para a vida profissional, quanto para atuarem como cidadãos responsáveis. Algumas das habilidades procuradas pelos empregadores de hoje, segundo o estudo, são aquelas exclusivamente humanas e que complementam as tecnologias digitais, como comunicação, trabalho em equipe, resolução de problemas, pensamento crítico e flexibilidade. No entanto, a maioria das escolas não tem essa preocupação. Por isso é tão urgente a necessidade de acelerar as melhorias.
Mas o que significa isso? Segundo o relatório, o modelo prussiano de escola, que oferece uma educação em massa, universal e compulsória, em vigor desde o século 18, trouxe muitos benefícios sociais e econômicos, mas não consegue responder aos desafios atuais. A escola precisa ser transformada em dois aspectos principais: o que os estudantes aprendem e como aprendem.
Eles precisam desenvolver uma gama maior de capacidades, que vá além das acadêmicas, e devem participar de atividades mais mão na massa, prazerosas e experienciais, exercitando a curiosidade, o espírito empreendedor, a criatividade e a resiliência. “Saber lidar com a incerteza, a complexidade e as rápidas mudanças está se tornando o desafio central dos nossos filhos. A pergunta para a educação é se ela é capaz de permitir que nossas crianças atinjam este objetivo”, dizem os pesquisadores.
O estudo afirma que acelerar não significa necessariamente pular etapas, mas percorrer outros caminhos, o que demanda inovação, entendida como abandonar práticas antigas e adotar novas maneiras de educar, que não necessariamente são desconhecidas, mas ainda não são aplicadas nas escolas regulares. Um exemplo é o ensino centrado no aluno, prática pedagógica conhecida e estudada por teóricos e educadores como o brasileiro Paulo Freire e o americano John Dewey, mas ainda pouco utilizada.
“Apoiar a pesquisa dos alunos, fundamentar o aprendizado nas experiências da vida cotidiana e fomentar a experimentação são características de abordagens de educação progressiva. Essas abordagens compartilham o compromisso de colocar o aluno no centro do processo de aprendizagem, e muitas também se concentram em experiências educacionais que se preocupam não apenas com o que os alunos sabem, mas com o que eles podem fazer com o que sabem”, afirma o relatório da Brookings.
Os estudiosos participantes da pesquisa levantam algumas questões, como: é possível abordar as desigualdades e as incertezas ao mesmo tempo?, concentrar as atenções em uma das abordagens necessariamente causa distração em relação à outra?, e como podemos mudar a escola sem perder o compromisso com os princípios da educação em massa?
Para mostrar como acelerar as melhorias na educação, os especialistas pesquisaram 2.855 inovações em 166 dos países do mundo. A maioria delas é dirigida a estudantes em situação de vulnerabilidade ou com baixo poder aquisitivo. O foco principal da maioria é dado ao ensino básico, mas o desenvolvimento dos jovens para o trabalho e a primeira infância também têm importância significativa.
“Acelerar pode assumir várias formas dependendo do contexto. No que chamamos de ‘bom’ salto, as inovações poderiam, por exemplo, apoiar novas maneiras de as crianças dominarem, fora da escola, os principais conteúdos acadêmicos, abordando a desigualdade de habilidades mais rapidamente do que o ritmo atual de mudança prevê. O ‘melhor’ salto, no entanto, é aquele que aborda as desigualdades e incertezas das habilidades ao mesmo tempo”, diz o relatório.
O Brasil faz parte do grupo de seis países onde há cem ou mais inovações ocorrendo, com um total de 130 experiências. Estados Unidos, com 618, e Índia, com 320, lideram a lista, seguidos pela África do Sul, com 187 e Quênia, com 167. A Finlândia vem logo após o Brasil, com 120 inovações. Outros 35 países têm 20 ou mais experiências educacionais inovadoras. Um dos exemplos brasileiros é a escola Nave, no Rio de Janeiro, que alia o ensino médio generalista a cursos técnicos voltados para a área digital, onde os estudantes aprendem a adaptar, transformar e criar conhecimento.
“O caminho para acelerar foi desenvolvido não como uma ferramenta para avaliar inovações individuais, mas, sim, para ajudar a compreender o esforço coletivo da comunidade de inovação educacional. Por exemplo, é possível que, separadamente, duas inovações não tenham o potencial de ajudar a melhorar a educação, mas, ao trabalharem juntas, elas poderiam”, afirma o estudo.
O levantamento mostrou que a maioria das inovações pesquisadas é desenvolvida por organizações da sociedade civil, tem como foco mudanças nos processos de ensino e aprendizagem e apresenta resultados positivos. No entanto, o estudo conclui que para que possam atingir mais pessoas, estas inovações precisam ser incorporadas pelos governos.
É preciso ainda priorizar o desenvolvimento profissional dos professores, encontrar novas formas de reconhecer o aprendizado, usar a tecnologia para transformar a educação e divulgar mais dados sobre a eficácia dos métodos educacionais adotados. Faltam inovações voltadas para crianças que vivem em áreas de crises e de conflitos e outras focadas em crianças com deficiências.
“Sabemos a partir da pesquisa anterior Millions Learning que dois dos principais ingredientes para o sucesso na educação estão no uso efetivo de dados e na colaboração entre governo, sociedade civil e setor privado. Aproveitar o potencial das inovações para ampliar novas formas de enfrentar as desigualdades e incertezas merece nossa atenção e ação coletiva. Acelerar as melhorias na educação, em última instância, pode ser o melhor caminho para aumentar as chances das crianças de desenvolver uma ampla gama de habilidades e prosperar em suas vidas futuras”, conclui o relatório.
Alguns resultados da pesquisa:
69% das inovações usam abordagens divertidas de aprendizagem
– Principais objetivos das inovações
81% – melhorar as habilidades
29% – melhorar o acesso, a permanência, a conclusão e a inscrição
23% – melhorar o ensino
– Tipos de habilidades buscadas pelas inovações
62% – habilidades do século 21
61% – habilidades acadêmicas
21% – habilidades vocacionais
– Dados mostram onde melhorar:
12% das inovações são implementadas por governos
15% usam métodos de progressão mais individualizados e flexíveis
23% focam no desenvolvimento do professor
20% das que usam tecnologia visam fazê-lo de forma transformadora, que redefine e estende o que é atualmente possível na prática da educação padrão
16% usam dados regularmente para gerar e programar resultados de aprendizagem
33% divulgam dados sobre a eficácia de suas inovações
Caminhos para acelerar as melhorias na educação, segundo o estudo:
ELEMENTOS PRINCIPAIS
Aprendendo e ensinando: aumentando a aprendizagem centrada no estudante
Aprendendo – A educação exige que os alunos criem e avaliem trabalhos originais usando uma ampla gama de habilidades, desde as acadêmicas até as inter e intrapessoais.
Ensinando – O aprendizado é impulsionado pelo interesse e pela necessidade dos alunos. Os professores assumem o papel de facilitadores.
Exemplo: A cadeia de escolas privadas de baixo custo Innova Schools, no Peru, se concentra na aprendizagem combinada, online e presencial. Os alunos passam 70% do dia em salas de aula e o restante em laboratórios de informática, trabalhando no próprio ritmo em planos individuais de aprendizado. Em sala, trabalham em equipes para enfrentar desafios relacionados aos temas curriculares. Os professores atuam para facilitar e fornecer apoio ocasional.
Reconhecimento do aprendizado: aumentando a individualização
Progresso – Os alunos devem progredir com base no conhecimento individual e na própria necessidade.
Verificação – Parcerias com atores de fora do sistema formal ajudam a determinar se os alunos têm conhecimentos e habilidades específicas que se busca.
Exemplo: O programa de desenvolvimento para jovens da organização Go For Gold, na África do Sul, liga escolas de ensino básico desfavorecidas a profissionais do setor de construção para orientação, experiência profissional, treinamento de habilidade para a vida e empregos. Os participantes fazem estágios nas empresas. Os empregadores avaliam os estudantes de acordo com seu desempenho no trabalho e demonstração de competências. Se estiverem satisfeitos, patrocinam a continuação dos estudos dos alunos e os contratam.
ELEMENTOS DE APOIO
Pessoas e lugares – aumentando a diversidade
Pessoas – Atores não docentes podem ajudar a desafogar os professores e apoiar a aprendizagem.
Lugares – Espaços de aprendizagem não formais têm potencial para complementar o ensino em sala de aula.
Exemplo: O Programa Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (Peads) (http://www.serta.org.br/site/o-serta/metodologia/), da organização Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), no Brasil, desenvolve programas de educação formal e não formal na área rural para tornar a aprendizagem mais aplicável à região. O programa vincula o trabalho em sala de aula com necessidades do desenvolvimento rural, facilitando pesquisas feitas pelos alunos. Os estudantes desenvolvem projetos comunitários, colocando suas habilidades acadêmicas em prática em contextos locais.
Tecnologia e dados – aumentando a orientação de resultados
Tecnologia – O uso da tecnologia contribui para redefinir e reimaginar as tarefas do ensino e da aprendizagem.
Dados – A integração de dados ajuda a melhorar as experiências e os resultados educacionais.
Exemplo: A plataforma de aprendizagem on-line The Open Learning Initiative (OLI), da Carnegie Mellon University, tem cursos que podem ser utilizados por estudantes fora dos contextos de educação formal e por professores, que podem misturar aulas virtuais e em sala de aula. Tem tutoria automática, laboratórios virtuais, avaliações incorporadas às atividades e feedback contínuo.