'Aprendizagem profunda acontece quando desaceleramos e investigamos' - PORVIR
Crédito: Compare Fibre/Unsplash

Inovações em Educação

‘Aprendizagem profunda acontece quando desaceleramos e investigamos’

Professor de Educação da Universidade de Harvard, Jal Mehta defende um currículo mais enxuto e aposta em um melhor aprendizado quando a aula faz sentido para o estudante

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 29 de março de 2022

“Este objeto te dá alegria? Caso não, livre-se dele”. “Organize seu espaço, transforme sua vida.” Estes são os mantras de Marie Kondo, especialista em organização pessoal, reconhecida mundialmente por praticar o desapego de objetos e manter em casa só o que realmente é útil. Tal método não inspira apenas a arrumação de gavetas e armários: Jal Mehta, professor de Educação da Universidade de Harvard (Estados Unidos), diz ser um adepto da estratégia de Marie ao acreditar – e defender – o modelo “menos é mais” no que se refere ao currículo escolar.

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Pesquisador de estratégias de aprendizagem em profundidade, o que também chama de “nova gramática da escolarização”, Jal participou do primeiro painel do seminário “Construindo uma escola mais humana: os problemas aprofundados pela pandemia e como enfrentá-los”. Organizado pelo Instituto Singularidades, em parceria com o escritório brasileiro do David Rockefeller Center for Latin American Studies da Universidade de Harvard, o evento online segue até quinta-feira (31).

“A pandemia nos deu tempo para pensar o que estamos fazendo com as escolas e o que estamos fazendo para seguir adiante”, afirma Jal, pouco antes de contar sobre sua experiência na investigação do currículo de ensino médio nos Estados Unidos. Para isso, ele compartilha duas telas: a primeira, repleta de disciplinas escolares, quase sem espaço em branco. A segunda imagem, com os adjetivos: solucionador de problemas, colaborador, aprendiz ao longo da vida, empreendedor, pensador criativo e crítico, cidadão global.

Ao comparar os dois slides, questiona: “Você gostaria que seus filhos tivessem decorado conteúdo acadêmico ou saíssem do ensino médio com as qualidades da segunda lista?” “Sabemos que a segunda lista é a ideal, pois queremos alunos críticos, cidadãos globais, mas a primeira imagem, cheia de disciplinas, ainda reflete o que acontece na maior parte do tempo”. Mais profundidade e menos amplitude, defende o especialista.

Mais escolhas para os alunos
Autor do livro “In Search of Deep Learning” (“Em Busca da Aprendizagem em Profundidade”, em tradução livre), em parceria com a pesquisadora Sarah Fine, Jal apresentou três dos projetos realizados em estados americanos, retratados na publicação. “Visitamos uma porção de escolas, vimos alunos entediados, pouco participativos”. A dupla partiu, então, para o acompanhamento de uma aula optativa de teatro. E lá encontrou outra dinâmica, alegre e interativa.

“Na aula normal, eu não tenho ideia de onde estou indo, ao contrário da peça”, contou um estudante. “Mal sei o nome dos meus colegas de sala. Aqui, conheço todo mundo”, disse outro. Além do senso de pertencimento e de um propósito claro, o teatro é uma iniciativa dos próprios alunos. Cada um tem sua responsabilidade, escolhem o tema, ensinam os mais jovens – ao contrário do cumprimento de um currículo extenso e superficial. E essas qualidades poderiam ser levadas para uma aula mais tradicional, reflete Jal.

“Quando oferecemos muitas partes isoladas, treinamos habilidades que estão desconectadas do todo. Os alunos não podem escolher suas matérias. São muitos estudantes, pouco tempo para o professor. Isso é um fator contrário às relações humanas”, afirma. “É preciso desacelerar. Dedicamos quarenta minutos em uma matéria, depois mais quarenta em outra diferente… Isso tira a habilidade de investigar e ter uma real compreensão do mundo. Aprendizagem profunda acontece quando desaceleramos e investigamos”, acredita Jal. Para o pesquisador, se quisermos aproveitar o momento de inflexão da pandemia, é preciso colocar professores e estudantes no centro de qualquer planejamento.

No chão da escola brasileira
Presidente do Instituto Singularidades e ex-secretário de Educação de São Paulo, Alexandre Schneider também participou do debate. Em sua apresentação, reforçou quanto o Brasil ainda está distante de uma nova escola, mas que há políticas públicas que poderiam ser implementadas, reforçando o papel fundamental de uma rede de proteção social.

“Temos uma série de questões que concorrem com a melhoria da aprendizagem: fome, saúde, violência nos lares, famílias uniparentais fragilizadas… Como criar uma rede que proteja crianças, adolescentes e suas famílias para que tenham condições de ir para a escola? É preciso pensar em políticas da porta da escola para fora que garantam o mínimo de conforto para esses estudantes”, acredita Alexandre.

Outro ponto levantado pelo especialista foi o fato de o currículo tradicional, por si só, não levar em conta os múltiplos contextos, as necessidades e o nível de desenvolvimento dos estudantes. “É hora de investir no fortalecimento da capacidade do professor, para que ele faça a seleção do que faz sentido naquilo em que está inserido, sempre em diálogo com o currículo oficial. Uma boa política pública deve ser capaz de fortalecer a capacidade dos professores de fazer boas escolhas pela via do aprofundamento, ao invés da mera cobertura curricular”, ressalta o ex-secretário.

Para Alexandre, a construção de uma escola mais humana passa por compreender a mudança de um sistema que, hoje, cobre uma série de conteúdos em vez de trabalhar em profundidade competências e aprendizagens que levam o estudante a tomar as rédeas do desenvolvimento pessoal. “É necessário apostar na capacidade dos professores, promovendo formações continuadas que apostem na sua capacidade de leitura do currículo e dos contextos, levando estratégias à sala de aula que orientem o que vai ser desenvolvido”, conclui.


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ensino médio, ensino remoto, novo ensino médio

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