Com checagem de informações, projeto ensina ciências e combate fake news
No ensino médio, professor monta uma equipe de "caçadores de farsas" para promover leitura reflexiva e fazer com que alunos analisem os assuntos de modo crítico
por Estêvão Zilioli 16 de julho de 2020
Sou professor de ciências e biologia e comecei a perceber que, cada vez mais, alunos tinham perguntas que não eram necessariamente sobre o tema da aula, mas que precisavam de aprofundamento. Na época ainda não falávamos em “fake news” como hoje, mas já havia muitas correntes relacionadas à ciência, como curas milagrosas e relatos fantásticos. Estava sempre testando maneiras de trabalhar estes assuntos e comecei a estimular os alunos a pesquisarem. Ao invés de fazer um trabalho simplesmente expositivo, passei a ajudá-los a reconhecer quais fontes eram mais ou menos confiáveis.
Em 2017 houve uma chamada para o programa Google Innovator, que reconhece professores inovadores. Era preciso delimitar um problema e dizer como resolvê-lo, e a questão da checagem de informações rapidamente me veio à cabeça. Naquele momento, o termo “fake news”já tinha maior evidência, especialmente por questões políticas. Meu projeto foi selecionado e, com o tempo, percebi que ele se relacionava com os processos do jornalismo. Fui para São Paulo fazer um curso na Agência Lupa, que já era referência nesse tipo de checagem e que foi uma espécie de madrinha do projeto, com quem trocamos muitas informações até hoje. Voltei para Ourinhos e em 2018 convidei os alunos do ensino médio a replicar o processo de checagem usando assuntos voltados para a ciência. Seria um projeto de extensão, realizado no contraturno e sem valer nota, com encontros semanais de 1h30.
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O projeto ganhou o nome de HoaxBusters, ou “caçadores de farsas”, e hoje envolve cerca de 30 alunos. Há encontros mais direcionados, nos quais eu faço a checagem prévia de um texto e passo a eles como um exercício. Em muitos casos eles trazem elementos novos, diferentes dos que eu tinha pesquisado, e me surpreendem com outros dados. Há também os encontros em que os próprios estudantes sugerem a informação ou desinformação a ser checada. Pode ser um texto, um vídeo, um desenho, ou mesmo uma informação solta. Três checagens muito emblemáticas e importantes, por exemplo, foram baseadas em perguntas: A terra é plana? Vacinas causam autismo? O aquecimento global existe?
Em geral, o trabalho leva duas semanas. Na primeira, eles se dividem em grupos para fazer o processo de checagem, que envolve verificar autoria, confrontar informações e, em alguns casos, consultar artigos científicos usando ferramentas como o Google Acadêmico e ferramentas online de tradução. Na semana seguinte, eles fazem uma ciência de revisão por pares: um grupo avalia a checagem do outro e dá sugestões. Usamos ferramentas de produção colaborativa, como o Google Docs, e fechamos juntos o texto que será colocado no site. Sou o curador final, mas o site é dos alunos: todos têm acesso e direito de edição, e são eles quem assinam a maioria dos textos. Já tivemos, também, um evento especial (o mediathon) no qual os estudantes produziram vídeos para o YouTube, conteúdos para redes sociais e até o protótipo de um jogo. Também participei de um programa do Educamídia que me levou a fazer um curso de letramento digital na Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, em 2019.
O melhor resultado é ter alunos que conseguem fazer leitura reflexiva e tratar os assuntos de maneira menos apaixonada. Eles reconhecem que todo mundo tem um viés, e que esse viés pode levar políticos, jornalistas e cientistas a emitir uma opinião ou conclusão. No entanto, isso não faz com que a ciência deixe de ser a coisa mais segura que a gente tem para buscar informação.
Sempre que os estudantes trazem informações possivelmente nocivas, ficamos preocupados. A pergunta da vacina, por exemplo, foi feita por um aluno que estava com dúvidas legítimas sobre se devemos ou não nos vacinar. Também tivemos discussões políticas importantes: alguns alunos mudaram sua visão ao perceber a existência de esquemas de criação de informações falsas para beneficiar um ou outro candidato.
Temos tantas fontes distintas de informação que nos acostumamos a recebê-las e passá-las para frente. Nos acostumamos a receber informações sobre as quais ninguém se responsabiliza, e que não nos entrega formas de verificá-las. O HoaxBusters ensina alguns princípios ao alunos. Primeiro, que a informação têm de vir de alguém – por isso, eles têm de assinar os textos. Em segundo lugar, que os textos precisam citar as fontes – e por isso há links para todos os artigos originais. E finalmente, que é preciso cuidado para não induzir o leitor ao erro – ou seja, não dar a entender que algo está “cientificamente provado” e que “não resta nenhuma dúvida”. Ao se ver na obrigação de cumprir estes protocolos, o aluno aprende o que é um trabalho sério – seja de jornalista, cientista ou divulgador científico – e consegue reconhecer o trabalho que busca desinformar.
Penso que o HoaxBusters é mais um projeto de cidadania digital do que um projeto de ciência, já que os alunos podem trazer informações ou desinformações de todas as áreas. E é um projeto de educação midiática e de transformação digital também: o aluno deixa de ser um simples consumidor de mídia e passa a ser um avaliador e um produtor de mídia. Isso, para mim, é o grande ganho. Temos uma geração de jovens que são chamados de nativos digitais, mas que na verdade são excelentes consumidores de produtos digitais. Passar a ser produtor de conteúdo desenvolve habilidades que não são muito trabalhadas na educação tradicional.
A pandemia do novo coronavírus (COVID-19) oferece oportunidades de aprendizados, mas senti que havia uma grande sobrecarga, tanto por parte dos alunos quanto dos professores. Há muitas atividades e é importante que o tempo de tela dos alunos não seja excessivo. Por isso, neste período me mantive em contato com os participantes do projeto por WhatsApp. Na próxima semana faremos uma reunião virtual para começar a organizar um encontro aberto a toda a escola e, possivelmente, a pessoas de fora também. Uma das ideias é fazer encontros bimestrais maiores ao invés dos encontros semanais.
Mas não é preciso fazer projetos grandes como o HoaxBusters para trabalhar a checagem de informações na escola. Os professores podem utilizar planos de aula do próprio Educamídia, por exemplo, e inserir essa camada de educação midiática no conteúdo que estão ensinado. Isso vai dar sentido para o conteúdo e engajar a sala.
A grande dica é fazer com que os estudantes produzam. Se você quer ajudá-lo a entender como uma notícia pode ser mais ou menos embasada, faça com que ele produza uma notícia bem embasada. Eu queria que meus alunos entendessem o que era método científico, mas ao invés de dar uma aula expositiva sobre os cinco tópicos do método científico e cobrar isso em uma prova, pedi que eles fossem agentes desse processo. Mesmo que o estudante não vá para a bancada do laboratório, estará entendendo o método científico. Colocando a mão na massa, vai saber o que é informação e o que é desinformação.
Estêvão Zilioli
Professor de educação básica e superior e coordenador edtech, é um geek de biológicas que vive entre micróbios e microchips. Graduado em Biologia pela Unesp e doutor em Ciência pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) trilhou diversos caminhos, mas todos acabavam em um mesmo lugar: a sala de aula. Incomodado com a mesmice do ensino tradicional resolveu usar a tecnologia (analógica, digital ou humana) para mudar suas aulas, o que o tornou Google Certified Innovator.